Capítulo 1

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Setembro de 1981

—  Você tem certeza?

— Sim!

Ele não sabia como lidar com aquela informação. Agora seria pai, se achava novo para isso e para falar a verdade ele não queria e nunca planejou criar uma família. Ainda mais com ela... Não que não gostava dela porém teria que seguir o que o decoro pedia para a época.

Menina de família, criada para ser mãe e dona de casa, Janete estava radiante com a gravidez prematura. Ainda cursava a faculdade de letras na USP, e enfrentava um pouco da ditadura. Ter uma estabilidade, família e casa, era tudo que almejava. De cabelos longos pretos, pele clara e corpo curvilíneo não passava despercebida pela rua, nem pelo campus. Muito menos para ele.

Antônio, loiro e alto, tinha os ombros largos e pernas compridas, logo se formaria na faculdade de administração com honras e o trabalho já estava dando certo. Fazia estágio em uma empresa de tecnologia, que fornecia produtos para a computação. Apesar de todos falarem que aquilo não teria futuro, ele tinha uma visão diferente. Lá na frente, todos teriam aparelhos que caberiam na palma da mão com a função de um computador, que naquela época era enorme.

Agora via seu futuro ser decidido sem ele ao menos fazer a escolha! Como ela deixara isso acontece? Será que era um plano para prendê-lo? Para se casar? Antônio coçou a nuca, sentado no sofá claro e florido da sala da casa de Janete. Daqui a pouco seus sogros chegariam e Janete contaria a novidade.

— Melhor não - Antônio a olhava desanimado. - Vamos marca a data primeiro, depois contamos da gravidez.

— Obrigada amor! - ela o abraçou e lhe deu aquele beijo perfeito.

Tudo nela era perfeito! Ele tinha que admitir, essa menina não era qualquer uma, mas ele era. Tinha a mulher que queria, no momento queria, mesmo namorando Janete há seis meses. Ela na verdade fora o seu desafio, não havia aposta apenas uma coisa para ele mesmo. Gostava dela e começaram a namorar depois de três meses de insistência dele. No primeiro mês de namoro, conheceu os pais dela vendo que a família era educada e de boa vida. Descobrira que ela era virgem na primeira vez que tentou algo além do beijo, e foi o seu primeiro homem com três meses de namoro. Era ótimo ensinar a uma menina ser mulher, mas prefira as mulheres de verdade.

Então traia, mesmo não querendo. Sabia que não havia desculpa mas o quadril daquela loira não o deixou quieto até vê-lo por completo. Se manteve tranquilo e fiel durante quatro meses, depois fora uma por semana. Depois da primeira traição viu a facilidade de fazer e esconder. Era simples, deixava Janete em casa, depois passava na casa da mulher, que geralmente morava sozinha e terminava a noite lá.

Em sua casa, apenas Janete dormia, sem os pais saberem, claro. Sua cama era dela, mas na cama das outras ele se satisfazia de uma forma que com ela nunca poderia. Janete não desconfiava, ele não deixara isso acontecer.

Saiu da casa dela com a cabeça cheia. Agora teria que se ajeitar, moça de família e grávida tinha mesmo que casar, mesmo não querendo isso agora. Parou no telefone público e colocou a ficha para ligar.

— Alô? Poderia falar com Marina? - esperava que ela estivesse em casa, apesar do sábado convidar a um passeio.

— Só um instante - falou a moça do outro lado, deixando o pesado telefone ao lado do gancho. Logo Marina atendeu. - Alô?

— Oi, sou eu.

— Oi amor! Queria te ver - Marina falou entusiasmada.

— Não vai dar. Por isso te liguei.

— O que houve Antônio? - falou séria, com ela não havia brincadeira, era preto no branco.

— Minha namorada está grávida. Não posso mais te encontrar - ele desanimou. Adorava os encontros com Marina. O que sentia com ela, não sentia com ninguém. Além da liberdade dela saber que ele namorava.

— Isso não tem nada haver comigo. Aquela pata choca deveria se cuidar para não ter engravidado. Ainda não entendi porque você ficou com ela. - Marina foi dura. Sabia sobre o que falava, mas não ligava. A pílula estava lá para ajudar.

— Nete não entende dessas coisas, Marina. Agora terei que me endireitar. Não podemos mais nos ver.

— Só me responde uma coisa? Até quando essa fidelidade vai durar? - mas ela não esperou resposta. Desligou o telefone deixando-o lá, desanimado.

Colocando o telefone no gancho, caminhou pela rua e foi para a casa sem perceber. Sua casa era modesta, tinha apenas um quarto e com uma decoração sem muitos detalhes. Se virava sozinho desde que fora para lá. Seus pais poucos ligavam. Fora criado para isso mesmo, ser independente. É assim que conseguiu o emprego saiu de casa, deixando as brigas e as traições para eles resolverem.

Na verdade, seus pais serviram apenas para apresentar a Janete. De resto, não havia o valor de uma família, e agora ele teria que ser o pai da família! Com uma esposa que fora criada para isso e tinha todo o amor que os pais poderiam dispensar.

Pensando em como convencer ao sogro a aceitar o casamento, girou o botão da televisão quadrada e marrom, fazendo a imagem do programa infantil aparecer na tela. Aquilo que ele veria a partir de agora, teria que ver Shazam com a criança! O pensamento o assustou profundamente, sentou pasmo no sofá pequeno e falou para ninguém:

— No que eu fui me meter?

O início do sonhoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora