CAPÍTULO 60 - A CIDADE DE IRÁ

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A CAÇA É UMA OFERTA DA NATUREZA PARA NUTRIR AS VIDAS ALIMENTADAS PELOS CAÇADORES. ESSA RESTITUIÇÃO É ALÉM DE UMA NECESSIDADE, UM RITUAL.

UMA CAÇADA É ANTES DE TUDO UMA RELAÇÃO ÍNTIMA ENTRE DOIS PÓLOS OPOSTOS: A PRESA E O PREDADOR.

O CONHECIMENTO DAS TÉCNICAS, DAS ROTAS, AMBIENTE E RELEVO, TUDO SE TORNA IMPORTANTE, POIS DEMANDA ESFORÇO E SOBRETUDO PACIÊNCIA, ONDE MUITAS VEZES O SUCESSO DEPENDE DA SORTE E DA EXPERIÊNCIA DO CAÇADOR.

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Esconder-se de Ogum não era uma simples tarefa para qualquer humano, pois, antes de ser um guerreiro, comandante de exércitos, ele foi iniciado nos mistérios da arte da caça, se tornando um exímio e experiente caçador.

A caça era a habilidade primeira desenvolvida pelos Iorubás e todos os povos na época, pois dela dependia a sobrevivência de qualquer família, clã ou tribo.

O Onirê transpirava ódio e determinação, seu dom amplificava todos os seus sentidos. O contato direto com a terra, o fazia sentir a natureza a seu redor como uma extensão de sua pele, como se seu sangue fervesse com o magma das profundezas e seus nervos fossem tocados pela terra e pela flora selvagem. Distinguia passos ou rastros de animais e humanos à quilômetros, o peso e o caminhar dos seres, produzia-se em sua mente uma imagem nítida das rotas usadas por qualquer ser e por mais que os fugitivos mascarassem-na, era uma questão de tempo se descuidarem e o Onirê encontrá-los. Durasse o tempo que durasse.

Ele demorou uma semana para decifrar sua presa especifica, entre a cacofonia de rastros e, mesmo assim, para sua raiva e frustração, constantemente os perdia, para novamente com sua determinação, reencontrá-los e então simplesmente prosseguia, impelido através das florestas, savanas, tribos e cidades, como um bólido.

Nas suas costas, onde o pó soprado pela sacerdotisa Obasi se concentrou, cresciam fungos vermelhos e azuis, que se alastravam devagar pela superfície, aumentando sua adrenalina e enchendo-o de imagens psicóticas da felicidade dos dois amantes, distorcendo sua razão com o veneno do ódio e do ciúmes.

No outro extremo, com a vantagem da distância e valendo-se de sua experiência como filha de um mestre caçador, Oyá e Xangô seguiam numa rota de mercadores, usando o controle dos ventos a seu favor, para mascarar ainda mais sua fuga.

Seu amado trocou de montaria na cidade de Ofá, famosa por seus tecidos e pelo fabrico do Waji, o anil, tintura tão apreciada quanto cara. Precisavam de outro cavalo, pois o que usava estava cansado, nas poucas horas que permaneceram lá, comeram e limparam-se.

A movimentação no grande mercado era o lugar certo para se saber as novidades, enquanto Xangô se inteirava das notícias, Oyá olhava fascinada as estampas e os tecidos de várias tonalidades e texturas.

_ Achou bonito esse, meu Sol? – Xangô se aproximou por trás dela, exibia aquele sorriso que iluminava os seus olhos e Oyá correspondeu. Seus dedos tocavam um gelé de seda vermelho, com desenhos que pareciam chamas negras, salpicadas de roxo e laranja. As cores como que se metamorfoseavam-se e pareciam vivas, o que a encantava.

Xangô perguntou o preço e como era hábito em todo Reino, negociou por um tempo com o comerciante, pechinchando, até que chegou-se a um acordo satisfatório para ambos e então ele colocou o tecido nas mãos dela, que sorria satisfeita. Ficou na ponta dos pés e o beijou suavemente, para logo em seguida, enrolar e amarrar o turbante, toda contente. O gesto de carinho tomou de surpresa os transeuntes que os olhavam com reprovação.

_ Como estou? – perguntou ansiosa.

_ Não sabia que minha mulher era tão vaidosa. Que era linda sim! – Observou brincando Xangô.

Orun - Aiyé: Guerra Santa #Wattys2016 (EM REVISÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora