CAPÍTULO 51 - ÁGUA DE PEDRAS DE RAIO

561 54 37
                                    




NO MEIO DA GUERRA COEXISTEM OÁSIS BREVES DE PAZ. POR MAIS QUE PENSEMOS HIPOTETICAMENTE SOBRE ESSA BREVIDADE, ESSE AXIOMA, SOMOS ACOMETIDOS PELA DESCONCERTANTE CERTEZA DE QUE NÃO MUITO DISTANTE DE NÓS EXISTE O FIO DE UMA LÂMINA, A PONTA DE UMA LANÇA OU DE UMA FLECHA E QUE A VIDA PODE TERMINAR EM DOR, FOME E MORTE, OU EM TODAS ESSAS OPÇÕES.

EM MEIO A PRESENÇA DO CAOS SELVAGEM AO SEU REDOR, AS PESSOAS DE IRÊ RETOMAVAM SUA VIDA POR FORÇA E FÉ DE QUE NADA DE MAL ACONTECERIA COM SEUS FILHOS, MARIDOS E AMIGOS, SABIAM QUE A FRENTE DE SEU FAMOSO EXÉRCITO IA SEU ONIRÊ, SEU REI E O SENHOR DE SUAS VIDAS E DESTINOS, O IGUALMENTE CONHECIDO OGUM E SUA INTEMPESTIVA FOME DE VIOLÊNCIA E FORÇA BRUTA. NADA PODERIA PARÁ-LO.

OS DIAS QUE SE SEGUIRAM FORAM DE UM EXCITANTE RECOMEÇO. OS DIAS SUCEDERAM-SE TÍMIDOS E AOS POUCOS O MERCADO ESTAVA NOVAMENTE FRENÉTICO, MERCADORES VENDIAM SEUS PRODUTOS, HOMENS E MULHERES GRITAVAM CHAMANDO A ATENÇÃO DE SEUS FREGUESES. A COLHEITA ESTAVA NO SEU TÉRMINO, POR CAUSA DAS CHUVAS NA DOSE CERTA QUE A RAINHA OYÁ COMANDAVA, A TERRA ESTAVA FÉRTIL, PRONTA PARA O PLANTIO. A CIDADE NÃO PARALISARA-SE FRENTE AO MEDO. ERAM ADORADORES DO AÇO, FILHOS DO PROGRESSO, SANGUE DE SEU REI.

OYÁ ASSUMIU MUITAS DAS ATRIBUIÇÕES DE SEU MARIDO, REVELANDO-SE UMA MULHER INTELIGENTE E EXTREMAMENTE PERSPICAZ, DONA DE OPINIÕES CONCISAS E DE UM CARÁTER FORTE, CAPAZ DE OPINAR SOBRE DIVERSOS ASSUNTOS, QUE A PRIMEIRA VISTA PODE PARECER TRADICIONALMENTE FORA DA ALÇADA FEMININA, COMO A ADMINISTRAÇÃO DO TESOURO E JULGAMENTOS DE SITUAÇÕES QUE REQUERIAM CALMA E IMPARCIALIDADE. SUA OPINIÃO GANHOU CORPO E VOZ PERANTE O CONSELHO, GERANDO ADMIRAÇÃO ENTRE SEUS PARES.

Naquele dia quente do fim do meio do ano, Oyá tinha resolvido sair e distrair-se sozinha, pois a vida cotidiana tinha um efeito contrário sobre ela. A calma definitivamente não era uma aspiração sua, sentia necessidade de escapar, de estar sem amarras de um lado, do outro queria estacionar, gerar uma família; porém, o que ela sabia hoje mais do que sempre era que não amava Ogum. Não o odiava, já não tinha esse sentimento dentro de si, mas não sentia nada por ele, nem o desejava mais como homem. Quando parava para analisar sua situação, um rosto se insinuava em seus pensamentos e ela ficava incontrolavelmente excitada: Xangô!

Reconhecia sua beleza, sua masculinidade, seu sorriso alvo e contagiante. Ficaram amigos, mas sabiam que o que sentiam um pelo outro era mais forte do que imaginavam cada um. Por mais que tentasse segurar seus instintos, seu corpo exsudava desejo, acordava muitas vezes sentindo o calor invadindo-lhe, contraia-se instintivamente em gozos inusitados, cada fibra de seu ser ansiava pelo toque das mãos esguias e dos lábios grossos daquele homem, como quando ele a resgatou do tornado de fogo no festival, exatamente igual aos sonhos mornos e sensuais que a fustigavam cotidiana.

Sem conseguir manter-se deitada, levantou mais cedo do que era seu costume, pois não conseguia ficar mais imóvel diante do fogo da solidão que a corroía. Saiu sem avisar ninguém , deixando Logum ainda dormindo. Queria o bem do jovem, porém sabia que estava sendo desleixada com a educação do rapaz e tinha por isso pedia ao Onisegum (Curandeiro) Omulu que o ensinasse, sendo seu tutor. O homem aceitou com imenso prazer. Eram companheiros de muitas aventuras pela cidade e pelas cercanias. Vendo por esse lado, julgara acertada sua decisão. Não sabia ser mãe como as outras mulheres, um filho era uma estaca fincada firmemente no solo e ela não conseguia ater-se, existia uma fome de aventuras e de liberdade que a sufocava.

Para sua surpresa ao passar pela ala dos aposentos destinados as visitas encontrou o curandeiro. Estava vestido como sempre de branco. Aproximou-se sorrindo e saudou-o.

_ Mojubá Babá!

_ Mojubaxé Aiyagbá (Rainha)!

_ O que faz tão cedo de pé meu caro?

Orun - Aiyé: Guerra Santa #Wattys2016 (EM REVISÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora