CAPITULO 9 - SANGUE VERDE

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A NOITE IRROMPE MAIS CEDO NA FLORESTA, ela tem um peso que delimita os animais dos humanos, preenche tudo com uma sombra cheia de sons desconhecidos, muitas vezes nem a Lua se intromete, ela é a casa das sombras, mas a clareira pequena onde vivem os ermitões, Osanyn e Aroni é uma espécie de herbanário e laboratório onde os dois movimentam uma intrincada rede de ajuda medicinal aos povos das aldeias e cidades vizinhas.

Osanyn sempre foi escravo, não se lembra de quando foi livre, talvez no ventre de sua mãe, mas até isso teve um fim, não lembrava-se dela e muito cedo foi comprado e revendido tantas vezes que nem se lembra. Seu instinto o fazia ser duro e ser detestado pelos seus donos. Tudo mudou no instante em que o Babalawô Orunmilá o comprou. Ele contava com inexatos quatorze anos. Sempre fora irrequieto e considerado preguiçoso por seus antigos donos e sua natureza introvertida de nada ajudava sua fama de arrogante, mas tudo era timidez e uma tristeza inerente a tudo que era preso quando olhava o horizonte e se imaginava o que vem depois.

Desde a mais tenra idade só contava consigo e com mais ninguém, nem se lembrava do rosto de sua mãe. Paciência, tudo tinha seu motivo. Era esperto e calado, o trabalho braçal nunca foi para ele, sempre soube aproveitar bem o que Olorum lhe dera de melhor: sua inteligência. Era um verdadeiro prodígio, assimilava tudo rápido e logo isso foi percebido por seu novo dono.

Orunmilá era considerado o mais destacado adivinho da cidade de Oké Itase, próxima ao Império de Ilê-Ifé e era constantemente consultado por Rei e pela nobreza. Vendo que seu escravo era inteligente passou a dar-lhe cada vez mais pequenas tarefas, as quais ele desenvolvia com rapidez imensa e ficou profundamente impressionado com os conhecimentos sobre as propriedades mágicas e terapêuticas das ervas às quais ele pensara que conhecia, o conhecimento e a destreza na manipulação das ervas de seu escravo suplantava o seu. Osanyn aos poucos ganhou a confiança do velho Babalawô, que pelas costas de seu dono passou a vender seus préstimos e conseguiu uma pequena quantia em dinheiro (búzios). As pessoas falavam dos poderes de cura de Osanyn o que depois chegou aos ouvidos de Orunmilá. O velho como castigo o prendeu e o castigou dando-lhe de comer só folhas. Ao termino do último dia da semana irorubana de quatro dias, o velho foi ver seu escravo e o encontrou forte e cheio de saúde.

Impressionado mais ainda com os poderes dele sobre as ervas, ele pergunta a Osanyn o porque dele estar tão bem assim e o escravo respondeu que uma das folhas que o Babalawô jogou na cela era milagrosa e o fez ficar saudável, Orunmilá perguntou qual delas era e Osanyn lhe disse qual era, instigado pelo rapaz, o velho comeu da folha e imediatamente passou mal e desmaiou. Nesse instante o escravo fugiu. Sabia que nada de mal sucederia ao velho e então, desde esse dia passou a viver de cidade em cidade, sempre fugindo, sem rumo e nem lugar de paradeiro, foi quando conheceu o anão Aroni, que estava protegendo os limites da floresta que o levou a morar dentro da floresta, num lugar onde até os maiores caçadores não ousavam entrar.

Aroni era uma criatura estranha, Osanyn desconfiava que se tratava de um espírito da floresta, mas ele era de carne e osso, mudo, só falava imitando pássaros. Seu caráter era violento e muitas vezes o ex-escravo virá o qua acontecia a estranhos desavisados que adentravam floresta adentro sem as oferendas propícias ou então caçadores maus, que caçavam por prazer ou esporte. Aroni os cegava, com sua lança ou seus pós enfeitiçados.

Se Osanyn se considerava um grande conhecedor de plantas, Aroni passou a ser seu mestre lhe ensinando coisas de que nunca suspeitaria acerca da propriedade das folhas, frutos, flores, cascas e raízes. Como identificar as folhas entre quentes, frias, mistas, masculinas, femininas, que fecundam e são fecundadas, que pertencem aos elementos da natureza: terra, ar, água e fogo. Com o anão aprendeu a falar com os animais e a ficar invisível no meio das folhas, que muitas vezes serviam de roupa para si. O sangue verde era agora pleno em seu corpo, mente, seu axé primordial. Conseguia atravessar grandes distancias através da seiva, projetando-se através da vida da floresta, que o aceitava como um dos seus, passou também a dominar o controle dos animais, que falavam constantemente com ele, trazendo informações sobre caçadores e outras ameaças.

Desde que fugiu de seu dono ele se tonou parte de um todo, chamava a floresta de seu lar e Aroni considerava como seu amigo.

À noite, ele se acostumou a ficar sempre só, pois seu companheiro saia em suas patrulhas pela floresta, Osanyn nunca se incomodou, apenas ficava curioso, pois desde que receberam Olodurecê e sua filha, as saídas a noite eram cada vez mais intensas, seu amigo Aroni lhe falou que estranhos estavam cada vez mais entrando em seus domínios, muitos deles eram estranhos até para ele, pois eram mulheres mascaradas que se reuniam no lado esquerdo da floresta, mas ofereciam sempre oferendas aos Ajás, os temíveis espíritos da selva, portanto não os incomodava, mas na primeira vez as advertira e elas seguiam suas advertências, os outros ele punia como sempre.

Osanyn se lembrava da conversa que tivera na noite logo após a chegada do pai e da filha. Ele não queria que os mesmos ficassem ali, mas Aroni foi contra e se dispôs a ajudar a menina a dominar seu dom. Osanyn ficou calado, não gostava de entidades primevas como as Iyá Mi, pois não as compreendia, tinham um temperamento e intenções próprias, mas após falarem entre si na linguagem de Aroni, ele acalmou-se mais, pois sua desconfiança natural colocou sobre seu amigo o peso final das escolhas.

A mesma impressão sobre o axé desgovernado e caudaloso da criança, Aroni tivera. Falara que a menina precisaria ser equilibrada e as folhas e os feitiços de ambos poderiam ser usados para isso, e foi com esse fim que a mulher Yeyê Lekê a mandara até eles. Olodurecê teve medo, pois os dons de sua filha quase destruíram Jebba, mas foi a condição para que eles permanecessem com eles e o pai aceitara os termos.

Revendo tudo que se passara até hoje, vira como o julgamento do anão foi acertado e como a menina desabrochava seu dom depois que eles começaram a interceder e ativar seu axé.

Desde sempre e com a convivência com Aroni percebeu que as folhas possuem a função de ativar, apaziguar e controlar o axé dos seres, fazendo com que possam desabrochar inteiramente seu destino. Aos poucos percebera que mesmo durante tantos anos de convivência e aprendizagem com Aroni ele estava aprendendo mais algumas facetas junto ao anão.

Sempre o percebeu como um deficiente, pois além de feio, tinha um olho e um ouvido maior do que o outro usando sempre um cachimbo de igbim (caramujo) que ele usava de vez em quando Osanyn percebeu que esse cachimbo era usado como um depurador e potencializador das ervas também.

O anão era uma surpresa sem fim e ele percebeu o quanto a menina se tornou cara a ele, o quanto Aroni se afeiçoara a ela. Com o tempo, ele tentou fazê-la acessar as tempestades e o vento, mas ela tinha medo, com certeza em vista ao que acontecera na aldeia. Mas, os banhos, cânticos e oferendas (ebós) provocatórios que eles sempre faziam estava trazendo à tona esse dom e mais dia, menos dia ela seria treinada nisso também.

Olodurecê aos poucos se integrou a eles e a figura nobre do caçador era sempre bem vinda. Osanyn se sentia muito bem ao lado dele e confiava cegamente em seu julgamento, enrubescendo um pouco, pois o olhava cada vez mais admirado. Admirava o porte esguio e forte do pai de Oyá e notava que cada vez mais nutria uma simpatia que nunca sentira por pessoa nenhuma.

Sua vida ensimesmada e encerrada na floresta nunca permitira o contato com outras pessoas, somente quando preparava poções, pós e unguentos o suficiente para as feiras e mercado, onde conseguia sempre dinheiro (búzios), comida e objetos para sua vida simples.

O céu se abria aos poucos no horizonte e ele se levantou, mas antes louvou ao Criador, ao dia e ao seu Ori (cabeça interior) para depois ir fazer seus afazeres, viu Aroni chegar montado num javali enorme e saltar para o chão carregando sua lança, seus olhares se encontraram. Sentia que tinha um dia grande pela frente. Logo após a menina e seu pai estariam de pé. Tinha muito o que fazer pensou.

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Orun - Aiyé: Guerra Santa #Wattys2016 (EM REVISÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora