CAPÍTULO 37 - CONTRA A CORRENTEZA

454 56 14
                                    

As designações para nossos caminhos são dadas por nossa consciência, por mais que tenhamos medo do que poderá nos cometer ao dobrar uma esquina, nos jogar em um rio, escalar uma árvore ou uma montanha, só saberemos o que nos aguarda no fim de cada jornada e se o esforço terá valido toda a recompensa.

Não existe forma de encarar o futuro, pois ele é uma tapeçaria digna da morte, mesmo sabendo que ela é uma transição, uma passagem para que a nossa verdadeira moradia nos pareça próxima. Ao limitar nossa visão, teremos perdido detalhes importantes, como o cair de uma folha, o ondular da água num racho, num rio, porém ao nos permitir viver a intensidade de nossas escolhas, teremos pelo menos o depósito de nossos desejos atendidos, mesmo que tudo seja um deserto de emoções ou uma roda de moer que tritura ossos.

A tristeza se abateu sobre Oxum apenas dois dias após ela ter partido de Irê, pediu que uma das Geledés fosse ao palácio do Rei informar sobre sua partida, pois não queria ser vista por nada e por ninguém e seguiu seu caminho junto com suas companheiras. Como de sua entrada para aqueles recônditos, ela contratou a guarda de dois homens que a protegeram pelas florestas e savanas em sua jornada de volta a seu lar.

Diferente das suas viagens anteriores, essa era marcada por um silêncio tenso e ela trocou seus guardiões em cada paragem que exalava um pouco de civilização. Seu mutismo, preocupavam suas escravas, que a notavam sem apetite e bem mais magra, muitas vezes notavam o olhar de sua senhora distante e perdido, como se seus pensamentos doessem, mas ela não permitia nenhum tipo de aproximação, principalmente devido a seus status de escravas e portanto seguiam automaticamente, parando quando podiam para descansar, comer e dormir.

Numa noite quente, deitada próxima a fogueira para espantar predadores, Oxum deixou o pensamento que a acovardava surgir inteiro em seus pensamentos: seu filho recém-nascido que ela tinha abandonado para que morresse. Sentia a opressão dessa sua escolha e arrependia-se, mas tinha medo do trato que tinha feito com as Iyá Mi e portanto raciocinava que deveria esquecer esse fato. O sono teimava em lhe abandonar quase sempre agora e quando sentia os dedos da noite e o hálito do sono, era sempre uma sensação desagradável que a invadia, seguida de pesadelos onde sempre se via matando o seu bebê.

Todos estavam dormindo, faltava pouco mais de quatro dias para que chegasse a Ikiti, onde sua mãe a esperava. Sentia falta de seu carinho. Levantou-se e tomou um pouco de água, afastou-se um pouco e caminhou pelo acampamento levantado. Notou que os dois homens dormiam e achou estranho que seus guardas costas fossem tão incompetentes assim as deixando expostas a qualquer tipo de ataque. Tentou acordar um deles, mas não conseguiu, ressonavam alto, bem como suas escravas.

_ Feitiçaria!

Pegou uma das adagas do homem e a segurou firme. Olhou para a escuridão a sua frente, mas sua única resposta foi o vento que balançava as copas das árvores e nada mais. Apurou seu ouvido e notou o som de rugidos, piados, chilreies. Mas, estavam distantes e então relaxou um pouco, porém continuou em alerta. Algo existia além daquele muro negro que era a noite.

_ Com que então nos encontramos minha filha! Já não era sem tempo, eu a aguardo a tanto tempo, que meus cabelos ficarão brancos.

A voz vinha de trás de uma grande castanheira, mas Oxum a sentia como se sua interlocutora estivesse na sua frente. Olhou assustada e pegou uma toco de madeira que ardia na fogueira e aproximou-se devagar do lugar de onde se via uma sombra encostada na árvore. A chama iluminou um rosto que ela não desconhecia totalmente, mas que por mais que puxasse pela lembrança não conseguia lembrar-se.

_ Como minhas filhas já me informaram sois realmente bela jovem Oxum!

_ Quem é você e quem são suas filhas? – Oxum pergunta, mas dentro de si já sabe a resposta.

Orun - Aiyé: Guerra Santa #Wattys2016 (EM REVISÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora