CAPÍTULO 33 - O CORAÇÃO MATERNO E A BATALHA DO BÚFALO

580 64 39
                                    



O TEMPO É CONCEBIDO PELO AFRICANO COMO A BASE PARA O FUTURO, onde o evento que vivemos é tido como pertencente ao presente, integrando-se ao passado, num amalgama, o tempo atual vivido por todos nós no agora é constituído, portanto, de eventos presentes e passados. A roda do tempo move-se para trás mais do que para a frente, onde os seres humanos atentam e percebem mais para o transcorrido do que para o que poderá ocorrer. Só ao ser pessoalmente e individualmente experimentado, o tempo torna-se real, palpável, incluindo tal experiência a percepção de ser a sociedade anterior ao indivíduo e de serem muitas as gerações passadas, num ciclo sem fim.

Para Oxum os dias correram mais rápido do que ela pensava, rapidamente tornaram-se semanas. Ela imergiu por inteira no segredo do culto a Grande Mãe, a Deusa maior cultuada pelas Geledés, aperfeiçoando-o em muitos detalhes, introduzindo novos Ofós (encantamentos) e adurás (preces) sendo conhecida por todos como a maior Iyalodê que o culto já tivera. Para disfarçar as aparências, instituiu que os homens fossem integrados aparentemente de fachada e passassem a usar as máscaras em público, em grandes festas, como as das colheitas e das semeaduras para que pensassem que o poder era deles, o que alegrou e conquistou as graças do Onirê, deixando-as livres para que os fundamentos mais secretos das Geledés fossem realizados sem interferências ou espiões.

Disfarçando sua barriga, ela usou de feitiços simples para que não fosse percebida como uma mulher grávida, para isso ilusões eram criadas facilmente com rituais simples e Oxum pôde circular livremente pelo Reino e ser conhecida por outras mulheres e homens, levando o seu conhecimento sobre os signos de Ifá, os Odú (marcas do destino) e angariando uma considerável fortuna, como pagamento pelos seus préstimos. As pessoas as cobriam de mimos e joias, que ela adorava.

Sua barriga amadurecia cada vez mais e em menos de dois meses a criança se encaminhou para a posição de saída. O parto estava cada dia mais perto. Prepararam o necessário para a chegada do menino e na manhã do terceiro dia da semana, sua bolsa estourou, pouco após comer seu desjejum e ela então saiu junto com suas irmãs de culto a pé para as margens do riacho que ficava na parte sul da floresta, distante três horas da cidade a pé, era o local escolhido por ela para o parto.

Sonhara com o parto e a água falara com ela durante o sonho, ela precisaria chegar lá para ter sua cria, como se fosse um peixe que depositasse seus ovos no líquido que gestava a terra.

As contrações se aceleravam conforme ela caminhava, sendo amparada por todas, como se a seiva da Mãe lhe chamasse. Apressaram o passo e então as cinco mulheres chegaram ao regato calmo e cristalino que formava uma pequena lagoa, uma névoa baixa saia da água, pois a manhã estava esquentando e a água deveria estar fria. Oxum tirou suas roupas e entrou na água. Imediatamente sentiu suas forças voltarem e seu corpo relaxar, o formigamento característico que sempre sentia quando estava em contato com qualquer líquido era acolhedor e sentia-se em casa.

Caminhado devagar escolheu uma pedra larga como uma cama, semi encoberta pelo líquido fresco e sentou-se nela, mergulhando até a cintura na água fria, seu sexo foi invadido, seus seios túrgidos de leite pingavam na água, as dores se aceleravam, seu útero pulsava e ela foi segura pelas outras mulheres. Duas estavam entre as suas pernas abertas, enquanto sangue, líquido amniótico, leite e água se misturavam, descendo pela correnteza. Peixes pequenos acariciavam sua pele rodopiando em redor dela. Seu sexo dilatava-se, contraindo e expulsando a vida que fora criada em seu interior. Oxum emitia pequenos gritos por causa da dor.

_ Força Senhora! Ele já está vindo. Só mais um pouco!

Aos poucos a cabeça do bebê apareceu, sua respiração era pesada e rápida, a dor lhe rompia enquanto suas irmãs lhe seguravam e a instruíam firmes, sua consciência sopesou ao sentir o pequeno corpo saindo de dentro de si, por etapas, não tivera tempo de apegar-se a barriga e portanto não se sentia como mãe, se fossem outras as circunstâncias pelo menos seria diferente, pois sempre quis ser mãe. Nisso respirou profundamente expulsando um grito e por fim a criança saiu, Obaci a pegou com suas mãos e habilmente cortara-lhe seu cordão umbilical com uma faca limpa e esterilizada, depois amarrando um pedaço de tecido nele, num nó firme, olhando fixamente para o menino, disfarçou habilmente, ficando de costas para Oxum, limpando-o com a água fresca do riacho, abriu as pernas dele onde se ressaltava o estranho órgão sexual duplo do menino, um pênis e uma vagina pequena logo abaixo, não era bom falar sobre semelhante deformação para a Iyalodê, crianças deformadas ou deficientes eram abandonadas ou assassinadas pelos pais, muitos poucos viam nessas mal formações física sinais dos deuses, como Obatalá, o grande primordial Funfun, o Irunmolé albino da criação. As forças de Oxum restabeleceram-se e ela terminou seu parto expulsando a placenta de dentro de si, que alimentou a veia da terra. Obaci sorriu e colocou o menino mais lindo que ela já vira em seus seios. Ele chorava e ela olhou-o ajeitando um de seus seios na boca dele, que o sugou fortemente. Era o mínimo que poderia fazer por ele. A sucção do bebê a fez sentir-se mãe, mas desapegou da ideia, pois não cabia nela.

Orun - Aiyé: Guerra Santa #Wattys2016 (EM REVISÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora