CAPÍTULO 19 - COURO E CHIFRES

1.1K 88 45
                                    



A NOITE É COMO UM HOMEM POSSESSIVO QUE ENCONTRA A TUDO E A TODOS. As sombras deitam-se embaixo dela, submissas. Ela envolve o macho e a fêmea indiscriminadamente, fazendo de todos seus e suas amantes, nada escapa de seu abraço inescrupuloso. Alguns seres se recusam a ela, mas mesmo assim não existe escapatória de seu beijo, outros tornam-se íntimos, tomando-a como seu lar.

A escuridão encontrou Oyá descansando distante de suas companheiras. As Geledés não conseguiam enquadrá-la numa categoria, não era amiga, irmã, nem inimiga, e tinham medo dela. Não se pertencia a nada.

Oyá foi deixada de lado por todas, até por Obá, sua líder, que não sabia como agir. O macaco Ijimerê não deixava nenhuma delas aproximar-se. O símio ficava agitado sempre quando alguém chegava perto e emitia seu guincho assustador, intimidando qualquer aproximação por parte delas.

Obá sentia-se insegura, pois o resultado do ritual não fora o esperado por ela e por nenhuma de suas irmãs, nada mais além daquele símio que sabia-se ser por todos os habitantes do entorno como um espírito da floresta o único fruto do culto realizado a poucas horas e o mais estranho era que ele não largou mais da jovem para nada, o macaco parecia grudado nela, como se a protegesse delas ou de algo que não sabiam o que era. Desde que o Ijemerê apareceu, ele ficava particularmente irritado quando a jovem aproximava-se de qualquer uma, Isso fez com que Oyá ficasse mais distante de suas irmãs, ensimesmada.

Obá conhecia segredos como o controle dos animais, encantamentos antigos que ela aprendeu, ela falava a língua de muitos deles, das aves, dos répteis, dos mamíferos, pois seu antigo amigo, o maior Odé (caçador) de todos os tempos, Oxossi, hoje conhecido como Rei de Ketu, quando se conheceram na mais tenra idade, ele lhe ensinou como afeta-los e até mesmo controla-los, para que pudesse tirar um melhor proveito da arte da caça, evitar perigos, mas, ela só conseguia proezas como essas, especialmente com as fêmeas de cada espécie.

Suas companheiras falavam baixinho entre si, num murmúrio surdo, cada vez maior: queriam que a moça fosse embora. Obá não tinha argumentos seguros para rebater o que se dizia. Deixou o tempo talvez se encarregar de arrumar as coisas. Resolveu esperar e ver para crer. Não tinha opinião formada sobre a jovem. Tentava de coração gostar dela, mas algo na moça impedia isso. A achava doidivanas, impulsiva, sem juízo, tudo que ela nunca conseguiria ser e isso a punha sempre na defensiva com Oyá ou qualquer outra pessoa que inspirasse esses sentimentos nela.

Naquela noite, Oyá se acomodou em sua esteira e olhou demoradamente o céu. Viu as formações das nuvens, as estrelas cintilantes e a Lua. Escutava os sons distantes da floresta, que ia se acalmando. Pensou que talvez seu tempo entre as Geledés estivesse encerrado e que deveria partir novamente. Olhou o macaco que estava parado num galho de árvore comendo talvez algum inseto ou uma fruta. Ele olhou para ela por instantes como se tivesse lido seus pensamentos e voltou a comer. Desde o fim do último ritual ele se agregou como uma segunda sombra a ela. Sentia um desconforto estranho desde aquele dia, como se estivesse sendo constantemente observada e tratou de afastar mais esse pensamento.

Não tinha ninguém a quem recorrer, era só, sentia-se só e precisava se acostumar com essa situação. Não existia tempo para chorar mais, só uma coisa lhe acossava mais suas ideias: o culto presidido por Obá fora ofertado às Iyá Mi. Por mais que tentasse não conseguia entender isso, tentou de todas as formas conversar com sua líder sobre isso, mas não conseguia aceitar e nem vê-las como algo bom, como as Geledés afirmavam, principalmente depois de ter passado por tantas coisas ruins por causa delas. Lembrou-se da morte de sua mãe, do exílio na floresta junto a Osanyn e Aroni, dos Ajoguns e da morte de seu pai. O sono começou a soprar seus pensamentos para fora de sua cabeça, fazendo com que seu peso caísse suavemente sobre seu corpo.

Orun - Aiyé: Guerra Santa #Wattys2016 (EM REVISÃO)Where stories live. Discover now