25 - Onde o calo aperta

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Como colocar pra fora todo aquele tempo de frustração sem ser desrespeitoso? Como vencer a timidez e declarar a realidade? E se fosse responsável pela demissão de alguém? Ele com certeza não desejava isso. Contudo, todos os olhares voltados para si incitavam que era hora de falar, então respirou fundo, daquele jeito que já conhecemos, e declarou:

— Meu foco a longo prazo não é ser vendedor, vocês sabem que eu curso Tecnologia da Informação para ser programador, mas enxergo que tudo vem a seu tempo. Sou muito grato por todos esses anos aqui na Real Tech, e acho maravilhoso poder continuar em contato direto com os clientes; ganhar comissão por vendas realmente me ajuda em casa, mas preciso que me expliquem se neste cargo eu também teria que bater metas. Porque acho injusto empurrar qualquer peça para o cliente quando a dele puder ser consertada...

— Não, a sua meta passaria a ser sobre equipamentos consertados, e a comissão por vendas seria orgânica, como aproveitar para vender caixas de som ou fones de ouvido a alguém que usa um computador para jogos, por exemplo. Ou vender uma placa a alguém que precisa ampliar a potência de sua máquina... – Freitas esclareceu, impressionando o amigo, que sorriu.

Era nítido como ficara feliz pelo parceiro de todas as horas. O último discurso, se pensasse bem, fora ensaiado com os superiores, mas Filippo sabia e confiava no potencial do amigo, e na segurança que passava. Com certeza seria um ótimo subgerente.

Já o novo gerente, Raphael, chegou nos dias que se seguiram e se mostrou amigo e justo; também jovem, apesar de não tanto quanto eles.

— Deve ter uns 28 anos – declarou Jo-Jo pra Angel e Sara. – Um deus de ébano, alto forte, lindo, deve malhar, só pode! Cabelos pretinhos em trança nagô, queixo quadrado, roupas estilosas, só não sei a cor de seus olhos porque ele usa óculos estilo aviador e eu não ia invadir o espaço pessoal do boy pra descobrir esse detalhe, né?

— Então você desistiu do gatinho do rabo de cavalo? – Sorriu Angel.

— Quem? O Freitas? Claro! Além de ele ser melhor amigo do... É... Daquele lá, é hétero até o último fio de cabelo. Mas ficamos amigos, ele é super gente boa. O boy lixo que você adoraria conhecer.

— E como pode ser lixo e gente boa ao mesmo tempo? – perguntou Sara.

— Ah, Sarita, aquele lá fez o que fez com você, mas é um doce de pessoa, todo mundo na empresa o adora. Acredito que se vocês conversassem, resolveriam esse mal-entendido e seriam o casal grudinho mais lindo da face da Terra plana.

— É... – completou Angélica, sombria. – Bandido também tem família, afinal.

- Que isso, gêmea?

— Ué, se alguém que faz mal à sociedade pode ser um bom pai de família, amigo dos vizinhos e um ótimo pagador na vendinha da esquina, por que quem faz mal à Sara não pode ser um cara amado nos locais em que mora e trabalha? Desculpe, mas eu não perdoo.

— Mas quem tem que perdoar é ela!

— Eu não tenho que passar pano pra quem nem tentou me pedir perdão! – Irritou-se Sara, com os olhos marejados de lágrimas. – Não sei nem por que razão esse assunto começou, se estávamos aqui pra estudar e garantir nossas últimas férias antes da formatura e do início de nossa vida adulta.

— Da formatura de vocês, né? Porque eu ainda tenho mais seis meses antes de me ver livre da UBM. – Jo-Jo fez muxoxo.

— A faculdade é da sua família, você nunca estará livre dela, lindeza – lembrou Sara.

— Não precisava jogar essa informação na minha cara, né, amada? É um nojo estar linkado eternamente a uma instituição que, apesar de ser boa, só visa o dinheiro – já que meus pais não valorizam as Artes, mas têm os cursos de vocês, Moda e Artes Visuais no currículo só porque são muito procurados. Nem um pouco dignos.

— Lembrando que é o dinheiro desta instituição indigna que paga seus carros, viagens e outros luxos...

— Não por muito tempo – foi a vez de Angélica discursar. – Não somos Francisco de Assis, portanto nada de renegar o que a vida nos dá de bom e vestir sacos de estopa pela cidade, mas você sabe que, assim que pudermos, daremos as costas a essa família tóxica, vampira, hipócrita, manipuladora...

Como se lesse a mente de Angélica, o rádio começou a tocar "Girl on fire", música com a qual ela se identificava, e a fez berrar, pra disfarçar as lágrimas que se formavam em seus olhos castanhos:

— AAAAAH! Não aguento mais falar deles! Vamos voltar aos estudos, que assim ganhamos mais!

Trocando olhares de entendimento, Sara e Jonas não responderam, e mergulharam de volta nasatividades da noite.

Jogo de confiançaWhere stories live. Discover now