23 - Tentando esquecer

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Mas a semana que se passou não foi de superação pra ninguém. Sara, de temperamento alegre, com a proibição materna de sair de casa, o abalo provocado pelas palavras de Filippo e a percepção de que não conseguiria esquecê-lo assim tão fácil, parecia um cavalo chucro, explodindo ou se esvaindo em lágrimas a qualquer estímulo. Não podia nem mais ouvir música pop coreana, que tanto adorava, porque isso a lembrava da noite no Mirante da Estrela. Mudava qualquer coisa que estivesse fazendo quando percebia que seu pensamento começava a tender para a lembrança "daquele lá", como resolvera se referir a ele.

Filippo, por sua vez, tornou-se infeliz e fechado, mas em vez de brigar conscientemente com a lembrança de Sara, de quem não podia exigir fidelidade ou devoção, como bem pontuara Freitas, focou a sua atenção em pesquisas para terminar a monografia e em trabalho, muito trabalho, o que incluía colocar em prática uma das ideias que tinha para aplicativo e website – uma ferramenta onde seria possível buscar cursos de capacitação gratuitos ou a baixo custo para a população carente, e ainda conteria dicas de como conseguir bolsas de estudo. Começaria a nível municipal, mas seus planos eram grandes, como o de todo jovem sonhador, e o aplicativo, ainda sem nome, conquistaria o país. Essa ideia surgira há alguns anos e, à época, Freitas mostrara interesse em participar dela:

- Porque você vai precisar de gente qualificada pra visitar essas instituições e fazer parcerias...

- E desde quando você é qualificado pra isso?

- Desde que sou o desinibido e despachado da dupla. Você cria o portal, cuida do zero-um-zero-um, que é o que gosta de fazer, e eu boto a cara a tapa pra conhecer cada lugar.

- O que você quer é viajar de graça, né, malandro?

- Isso é só a vantagem do posto, mas sério, irmão, gostei do movimento!

Porém, nunca mais se pronunciou sobre isso. Não que Filippo tivesse voltado a tocar no assunto com o amigo que não sabia o que queria da vida, e portanto poderia ser um atraso em seu projeto; não tinha tempo e nem dinheiro pra virar babá de marmanjo, por mais que este fosse o seu melhor amigo.

Sara, em sua determinação para esquecer daquele lá, separou para doar não só as roupas que tinha usado com ele, como aquelas que tinha experimentado ou pensado em vestir em seus encontros – sim, ela estava exagerando, mas não sabia disso. Queria provocar uma desintoxicação total no corpo e na alma, e ver alguma mudança acontecendo, mesmo que fosse em seu armário; era melhor do que ficar sofrendo.

Colocou tudo em sacolas e deu para Angélica resolver a parte logística, pois queria se ver livre daquilo o quanto antes, e ainda fez a amiga, que tinha habilidades com a tesoura, cortar o seu cabelo. Metade foi ao chão, e agora Sara contava com um corte moderno e irregular, que daria mais trabalho pra cuidar e não possibilitaria simplesmente fazer um coque quando estivesse enjoada da própria aparência, mas era disso que ela pensava precisar: renovação.

Quando Angélica foi embora, Sara ficou se analisando no espelho do banheiro por um bom tempo, passou as mãos pelos cabelos e chorou. Chorou aquelas mudanças todas, chorou porque não teria mais a bolsa de melancia, marca registrada de sua irreverência, chorou sentindo falta do próprio riso, chorou porque não vira Jo-Jo naquele dia, chorou de saudades da faculdade, chorou porque a personagem da novela que ela agora assistia também perdera um amor e... Amor? Não! Aquilo era uma ilusão e ia passar, ah como ia! Ela estava decidida! E foi assistir a vídeos de comédia stand-up, que com certeza fariam bem para o seu humor.

O problema maior do nosso casal de aflitos é que eles ainda não tinham aprendido esta simples regrinha sobre o amor: lembra-se mais ao se tentar esquecer do que ao tentar se lembrar.

Jogo de confiançaWhere stories live. Discover now