31 - Jogo de confiança

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— Oi? – perguntou Angel. – A gente se conhece?

— Não, desculpa, devo ter me confundido... – ele respondeu, para disfarçar o embaraço.

Sem entender nada, mas também não muito preocupado com isso, Jonas deu partida na picape azul, rumo à casa de Filippo:

— Padaria o quê, mesmo?

— Albanesa... – Sara respondeu. – Mas não precisa de aplicativo pra isso, tenho certeza de que o Freitas e eu vamos conseguir te ajudar a chegar lá.

— Isso se você não desmaiar de nervoso antes, né? – brincou Angélica.

— Tem isso também, amiga...

E entre implicâncias, piadas e direções quase sempre certas, chegaram buzinando à porta da casa amarela, número 56, em minutos. As pessoas foram espiando às janelas, terraços, e alguns saíram à rua quando Sara chamou ao microfone, já na caçamba do carro:

— Filippo? Filippo Carvalho? Morador da casa 56?

— Ih, tia, quem mora aí não é esse, não! É o Da Gringa! – uma criança interferiu.

Rindo, Sara usou a alcunha local e foi atendida por um ruivo desconfiado, que abria a janela do segundo andar da casa geminada, com as feições cansadas e ajeitando um cabelo amassado.

— Oi! – continuou Sara. – Você perguntou o que eu quero, e na hora eu não respondi, então hoje vim mostrar pra você, em forma de música! Eu não sei cantar, mas me expor desta maneira e abrir meu coração é a melhor forma de chamar a sua atenção! – E, virando-se para Freitas, perguntou: – Podemos?

— Só se for agora! – E começou a dedilhar a melodia de Take me back, do Van Halen.

— Essa música diz bastante sobre como me sinto! – Sara declarou e começou a cantar a canção, cuja letra fala de encontros especiais, um amor difícil de encontrar e pede pra ser levada de volta ao lugar onde tudo começou.

Filippo observou tudo aquilo do alto: os gêmeos encenavam uma coreografia boba inventada na hora, Sara desafinava, e somente Freitas parecia ter real domínio sobre o que fazia, mas o que importava é que ela estava lá, lutando de alguma forma pra ficar com ele, que ria da janela, um tanto envergonhado porque todos os vizinhos estavam ali também.

Quando a serenata acabou, ele gritou para aguardarem, pois desceria para abrir a porta e permitir a entrada do grupo.

— Não acredito que vocês se juntaram pra isso! – disse, ainda sem jeito.

— Não gostou, meu camarada? – Freitas rebateu enquanto entrava na sala.

— Foi sensacional ver vocês pagando esse mico. – E olhou para Sara, como quem pede desculpas pelo uso da palavra.

— Mico do bem, espero – ela respondeu, sem se abater.

— Sim...

— Que bom. Olha, essa é a Angel.

Ela deu um tchauzinho e perguntou:

— Sem querer coagir ninguém, vocês não acham que deveriam conversar a sós?

Se já não estivesse com as bochechas vermelhas, Filippo ficaria agora. Os olhares dos melhores amigos dos dois sobre a situação que se encontravam provocava uma tensão, certa obrigatoriedade de fazer tudo dar certo em três minutos.

— Vão lá, eu distraio os dois aqui – disse Freitas, com uma compreensão que não era o seu normal, e o olhar que corria o tempo todo para as tatuagens de Angélica.

Filippo levou Sara para a cozinha, um cômodo bem pequeno e simples, porém acolhedor, e antes de fechar a porta, olhou para o trio na sala:

— Ah, alguém quer água? Não tenho mais nada para oferecer, já que chegaram de surpresa.

— Não daria pra te avisar que faríamos uma surpresa, né, meu anjo? – Jonas se pronunciou, sorrindo.

Filippo sorriu de volta, selando a paz entre os dois. Enquanto servia a todos, o nervosismo pela conversa que teria com Sara só aumentava. Ela, sozinha na cozinha, percebeu que investira tanto tempo ensaiando a cantoria, que não tinha se preparado para a parte dois do plano de reconquista, que era esta. Ao que parece, ela queria que, após a serenata, tudo fosse resolvido com um beijo, como em um daqueles filmes da Sessão da Tarde, mas a vida real não tem "felizes para sempre"; sabia muito bem que relações precisam ser cultivadas, e discuti-las fazia parte disso.

De volta à cozinha, Filippo, que estava menos preparado que Sara para este momento, apenas disse:

— Então... – E se sentou à mesa, junto dela.

— Como está a sua mãe? – Sara achou importante perguntar.

— Está mal. O certo seria entrar na fila de transplantes, mas os médicos não se mostraram confiantes. Eu não sei o que fazer.

Sara apertou a sua mão:

— A gente fica mesmo sem chão quando nossos pais adoecem... Queria poder fazer alguma coisa por você.

— Você fez. Foi ao hospital me dar um apoio, e na hora eu não entendi. Me desculpe.

— Não precisa pedir desculpas, mas aceitar as minhas. Eu não calculei o peso da minha ação, ou da falta dela. Tinha que ter respondido a sua carta assim que a recebi, então pareceu mesmo que eu não me importava com o que você sentia. Mas é claro que eu me importo, Filippo! Tem uma música que diz que saber amar é saber deixar alguém te amar, e eu não deixei você fazer isso, além de bloquear um sentimento que já estava formado dentro de mim, tentando não me machucar mais uma vez, mesmo sabendo que amar é se permitir doer e chorar às vezes.

— Claro que preciso pedir desculpas. Mesmo sem declaração, acho que não soube deixar você me amar também. Não tive confiança naquilo que você se mostrou, e que eu tinha adorado tanto. Você é incrível, engraçada, inventiva, e eu acabei descobrindo um lado meu que não sabia existir. Inseguro. Como seria possível uma mulher dessas se apaixonar por mim, um cara simples de comunidade pobre?

— Onde você cresceu não interfere no seu caráter, capacidade e atributos. É claro que eu poderia me apaixonar por você. Aliás, é óbvio que me apaixonei. Você é encantador, esforçado, romântico... Mas quanto às inseguranças, é preferível me falar o que pensa do que ficar alimentando até ferver. Não precisamos brigar daquela forma. O amor é um jogo de confiança sem tabuleiro pra dar as dicas do que pode acontecer. Temos que experimentar e ser sempre honestos um com o outro. No hospital você me perguntou o que eu queria, e é isso: quero você, quero a gente, quero tentar.

Filippo sorriu:

— Então é chegado o tempo?

— O tempo? – respondeu, confusa.

— Quando me trouxe aqui, você disse: "tudo a seu tempo".

— Sim. – Ela sorriu também, contente com o fato de que ele se dedicava a lembrar de momentos importantes. – Você quer tentar de novo? – Fez carinho em sua mão.

— Não. – Ele soltou a mão dela, se levantou e se virou para a porta, para que Sara não visse o seu rosto.

— Não? – Sara soluçou, levantando-se da cadeira, sem entender aquela derrota.

— Isso, não quero tentar. – Olhou mais uma vez para ela. – Quero que seja pra valer.

— Aaaaaai, você me assustou!

— Não fui eu, foi Felipe! – Ele riu de suas feições surpresas. – Desculpe, não pude me conter.

— O aprendiz superoua mestra, parece. – E Sara pulou em seus braços, beijando-o, antes que maisalgum personagem pudesse interromper o momento que já esperara demais prareviver.

Jogo de confiançaWhere stories live. Discover now