03 - Real Tech

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Filippo passou distraído a manhã inteira de trabalho na Real Tech, uma das maiores lojas de suplementos de informática e eletrônicos da região. Aquela viagem de ônibus não fora qualquer uma. Ele nunca vira uma garota tão desenvolta assim. Beleza enche os olhos, mas sagacidade aguça a alma e traz brilho à vida. Sara era engraçada, criativa e quem sabe o que mais tinha de bom? Contava as horas para poder conversar com ela, e treinava mentalmente o que diria, para não gaguejar ou se enrolar mais uma vez. Por que disse que ligaria? Seria tão mais fácil trocar mensagens! Mas foi um impulso, hábito adquirido com o trabalho, além da vontade de ouvir aquela voz acelerada novamente.

De vez em quando apalpava o interior de seu bolso, pra ter certeza de que o cartão com o telefone dela ainda estava lá e, numa destas investidas, foi flagrado pelo Freitas:

- Com coceira onde não deveria, parceiro?

- Eita, que susto, Freitas, achei que fosse o chefe!

- E se fosse, o que ele não poderia descobrir? Essa coceira aí é contagiosa? Fruto de um fim de semana lascivo? – pergunta enquanto se afasta lenta e comicamente para trás. – Se bem que estamos falando de você, Carvalho, aquele que não honra a rima do seu sobrenome nem que pra isso dependesse a vida... Então posso chutar, vamos ver... Vermes? Mas por que motivo o chefe ia se preocupar com os seus companheiros intestinais?

- Você é impagável, Pietro.

- Não me chame por esse nome bosta, já pedi mil vezes.

- Então pare de achar que aqui é o quartel e me chame de Filippo, ora bolas. Só porque você prefere ser chamado pelo seu sobrenome, não significa que eu deveria aderir.

- É um esforço de nada para que todos mantenham o hábito e esqueçam essa loucura que meus pais acharam que ficaria bem num cara descolado como eu. Se todos mantiverem o sobrenome como principal título, ninguém resolverá ser íntimo o suficiente pra perguntar o meu primeiro nome, e todos sairemos felizes. Além do mais, Carvalho é um sobrenome foda, não sei por que reclamar.

- Gosto de Filippo, só isso.

- Tá, como se você fosse alguém de "só isso". Mas não sou seu terapeuta, e sim seu melhor amigo, responsável pelo emprego que te permitiu pagar os gastos da faculdade nos últimos seis anos e ainda por cima quem convenceu o chefe a assinar o seu estágio, já que a Real Tech também oferece serviços de informática, você me deve isso.

- Agora vai jogar favor na cara?

- Não é do meu feitio, você sabe. Só peço essa pequena colaboração aqui. Só você e a gostosa do RH sabem meu nome, e seria magnífico se isso continuasse assim. Ninguém quer pegar um Pietro. Mas um Freitas... Ah...

- Ok, parceiro, fica tranquilo que seu grande segredo sempre estará guardado comigo.

- Mas e o SEU grande segredo? O que é essa coceira nesta região tão sensível e deveras perigosa?

- O que tem de sensível e perigoso no bolso traseiro de uma calça, brother?

- Bolso? De onde eu estava, suspeitei imediatamente de uma infestação de oxiúros.

- Você é ridículo, Freitas.

- E mesmo assim você não desiste de mim. Tenho um magnetismo animal.

- Oh, sim, só isso pra me fazer manter esta amizade por tanto tempo.

- Assim você magoa o coleguinha. – Freitas pisca repetidamente seus olhos castanhos e franze o cenho alvo, como quem estivesse prestes a chorar.

Filippo riu, pensando que talvez fosse essa a razão de ter se atraído tanto por Sara. Seria ela a versão feminina de seu melhor amigo, só que com mais talento e, certamente, beleza?

- Ei, rapaz dos oxiúros, o que você tem hoje? – Perguntou Freitas, dando um leve soco no braço do amigo. – Eu te faço pagar um mico do cacete no meio da loja e você simplesmente ri? Estou começando a achar que realmente teve um domingo sacaninha...

- Não, cara, nada disso.

- Então o que é que o chefe não poderia saber e ao mesmo tempo está blindando a sua falta de humor? Não que te ver rindo das minhas bobeiras seja ruim, mas você podia dividir a razão! É de comer, de fumar, de assistir, ou...?

- Olha! Algum cliente apertou o botão de ajuda! Não é a sua vez de atender?

E um contrariado Pietro, ou melhor, Freitas, foi com seu rabo de cavalo preto e seu alargador na orelha dar atenção a quem quer que precisasse de ajuda sobre caixas de som bluetooth.

A vida sorria para Filippo Carvalho, que apalpou mais uma vez o bolso traseiro de sua calça jeans, animado com a noite que estava por vir. 

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