33 - Recompensas

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— Se quiser, a gente arruma tudo pra você, amor – Sara afirmou, sem mesmo perguntar se Freitas concordava com a ideia, enquanto apertava de leve a mão de Filippo.

— Não, tudo bem, eu sinto que esse é outro modo de me despedir...

Era estranho estar ali sem ela. O quarto recém-pintado de cal ia demorar a perder a sua energia e vontade de viver. Os últimos meses foram difíceis, mas com o apoio de Sara, dos amigos e dos vizinhos mais chegados, foi menos duro entender a partida da mãe, que nos derradeiros momentos, só teve forças para lhe dizer:

— Ela tem um fundo falso...

Será que estava falando de Sara? Esperara até ali para dizer que não acreditava em sua namorada? Isso não se parecia coisa de dona Marilda, que fazia questão de manter longe as pessoas de quem não gostava, e já chamava Sara de "meu docinho".

De repente entendera errado, pensou. Ou a mãe estava delirando... Num dos últimos dias, o chamara de Liam, até.

— Não, mãe, sou o Filippo...

Abriram o armário simples de compensado e transferiram todas as roupas para caixas de papelão. Seriam doadas.

As gavetas da mesinha de cabeceira continham poucas bijuterias, algumas fotos – essas Filippo iria guardar – e um fundo falso, descoberto após Sara mencionar a provável falha no design da gaveta do meio, já que seu tamanho era ligeiramente menor do que o das outras duas.

Com um sorriso de compreensão, ele foi investigar, e encontrou, sob uma fina camada de MDF, uma caderneta e um bilhete escrito à mão, com a caligrafia tremida, que dizia:

"Amado filho, este é seu presente de formatura. Com o dinheiro que seu pai lhe enviava, fiz uma poupança pra que você pudesse realizar algum sonho. Que o mundo tenha espaço pra você viver tudo o que merece".

Com os olhos marejados e sob o olhar de Freitas, ele abriu a caderneta azul, que continha os dados da conta, incluindo a senha, e anotações sobre valores quase atuais.

— Eita, Carvalho!

— Vou poder pagar à vista o meu curso de programação de jogos!

— E ainda sobra dinheiro para o aplicativo, irmão!

Ele deu um sorriso sincero, mas olhou pra namorada, como se pedisse aprovação, e perguntou:

— Tudo bem eu me sentir feliz agora?

— Acho que era isso que ela pretendia com o presente, lindeza. Além disso, que mãe quer ver o filho infeliz?

Ele faria uma carreira incrível. Em breve poderia sair da Real Tech e, com seu novo diploma e a remuneração, mudaria de vida. Poderia ajudar muita gente, viajar, crescer cada vez mais. E com Sara, Alícia e até Germana ao seu lado, o que mais seria preciso pedir?

Com a ajuda, ainda naquela tarde o quarto ficou livre para a chegada de seu novo morador, que encarava a sua decisão de dividir as contas com Filippo como um grito de liberdade.

Conhecer a realidade de Filippo mexeu com Jo-Jo de uma forma que não poderia prever. Aquela comunidade não vivia com posses, nem viagens anuais ao exterior, muitos não tinham estudo, ou acesso à saúde, mas coexistam felizes, em harmonia, somando nas vidas uns dos outros, e não causando o caos, como era de costume em sua casa.

Porém, a família Bragança Magalhães, que não enxergava os próprios defeitos, entrou em choque quando ele anunciou a sua mudança de endereço.

— É mais uma das suas excentricidades? Você tem tudo! O que precisa naquela comunidade?

A maneira com que a mãe enunciou o nome "comunidade", como se fosse algo sujo, foi suficiente para ele ter certeza de que sua escolha seria a melhor para o seu desenvolvimento. Sempre quis mudar o mundo, mas descobriu que, para isso, precisava adquirir novos hábitos.

Jogo de confiançaWhere stories live. Discover now