07 - Alô, alô

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No fim da tarde, Sara se despediu dos amigos, que a deixaram no ponto de ônibus, chegando em casa mais ou menos no mesmo momento em que Filippo saía da Real Tech, em direção à casa de dona Iolanda, uma senhora engraçada que adorava tecnologia, mas não entendia dela, e chamava o rapaz para ajudá-la a instalar, consertar, alterar e usar os aparelhos e programas. Ia lá tantas vezes, que passara a cobrar mensalmente e não por visita ou serviço, o que geraria economia pra ela, não fosse o seu hábito de mimá-lo com lanches – palavras de Filippo – e esporadicamente insistir em pagar a sua passagem de ônibus. A verdade é que dona Iolanda era uma senhora sozinha e sem netos, e gostava de sua companhia, bom papo e delicadeza.

No meio do caminho, o telefone de Filippo tocou e, para sua surpresa, a ligação era de dona Iolanda, que apesar de não se enrolar para usar aplicativos de mensagens, ainda preferia se comunicar por voz; dizia que assim se sabiam as verdadeiras intenções da conversa e nada era mal interpretado. Será que era por isso, mesmo sem perceber, que Filippo decidira ligar pra Sara em vez de trocar mensagens? Dona Iolanda era definitivamente uma das cinco pessoas com quem mais passava o seu escasso tempo.

Ah, sim, o telefone dele tocou e ela desmarcou o compromisso daquela noite, pedindo milhares de desculpas pelo inconveniente, pois àquela hora ele provavelmente já estaria a caminho de sua casa, e prometendo compensá-lo na semana seguinte.

- Está tudo bem, dona Iolanda, não se preocupe comigo. De onde estou posso ir a pé pra casa, é bom que me exercito. – Respondeu, enquanto puxava a cigarra para descer do ônibus no ponto seguinte.

- Não, não está tudo bem. Você é um doce, meu querido, mas precisa aprender que seu tempo tem valor. Toda vez que marca um compromisso, deixa outro de lado, e sei que dar atenção a esta velha senhora não é exatamente o trabalho dos sonhos.

- Trabalhar para a senhora é uma das melhores atividades das minhas semanas, dona Iolanda.

- Ah... Sempre tão polido... Não entendo como não tenha uma namoradinha. Eu oro tanto por você! Essas meninas não sabem o que estão perdendo. Se eu tivesse uma neta...

- Bem, eu conheci uma garota bastante interessante hoje, e fiquei de ligar pra ela mais tarde. Vai que as suas orações foram atendidas? – Sugeriu ele enquanto descia do ônibus.

- Mais tarde? Ligue agora, convide-a para um passeio, aproveite a noite livre!

- Mas somos completos desconhecidos, não seria muito ousado da minha parte marcar algo pra hoje?

- Oras, a ousadia é parte da paixão que move a juventude! Não espere ficar velho e cansado para pensar em agir! Beijos, meu querido! Fale com ela agora, fale com ela!

Mais ansioso do que nunca, ele se sentou em um banquinho no ponto de ônibus em que saltara, para refletir e planejar a ligação. Parece que um dia inteiro pensando nela não o preparara para aquele momento. Ele não sabia as palavras, estava perdido, até concluir que ainda era muito cedo, e ela poderia estar ocupada. Mandou então uma mensagem:

"Oi, Sara! Aqui é o Filippo, o Felipe do ônibus." – E incluiu uma carinha piscando. – "Fiquei livre bem antes do que esperava, me avisa quando eu puder te ligar?"

Positivamente surpresa, ela, que estava em vias de tomar uma chuveirada, respondeu:

"Só se for agora!" – E completou com um sorriso e um aparelho de telefone.

Ele respirou fundo, três vezes; ela se enrolou na toalha de banho, ansiosa; o telefone tocou:

- Alô, alôôô! – Atendeu, fingindo uma descontração que não existia naquele momento.

- Alô! Tudo bem com você? – Falou devagar, pra não gaguejar de novo.

- Tudo frenético! E com você?

- Tentando não gaguejar de novo!

- E por que razão gaguejaria? – Ela arriscou.

- Porque de alguma forma inexplicável, você me deixa nervoso.

Sara sorriu largamente. O rapaz em quem pensara o dia inteiro, sem enrolação, confessou que ficava nervoso com ela.

- Deve ser porque você ainda não se explicou pra podermos fazer as pazes... – Brincou.

Ele riu.

- É justamente porque pensei nisso, que resolvi te ligar mais cedo. Você toparia me encontrar ainda hoje? Não sei se estou sendo inconveniente ou ousado, mas simplesmente não queria perder a oportunidade.

Sara abafou um grito de alegria.

- Sara? Tá tudo bem?

- Oi! Sim! Bati o dedinho no pé da cama! – Mentiu.

- Tadinha!

- Obrigada!

- Imagine! Mas você chegou a me ouvir?

- Sim! Desculpe! Fiquei focada em não xingar a cama de todos os nomes... Não foi nada inconveniente. Vou adorar te ver hoje! O que sugere?

- Bem, como não foi nada planejado, a minha ideia era pegar um cinema... Você gosta?

- Adoro!

- Ótimo! Então, pelo lugar em que você pegou o Vila Nova hoje, eu estaria certo em concluir que você mora perto do Müller Shopping?

- Uau, memória boa, hein? Ganhou uma estrelinha! – Ela estava impressionada.

- Isso foi um sim? – Perguntou, confuso.

- Com certeza!

- Então podemos nos encontrar lá às sete e meia?

- Horário ideal!

- Ok! Te mando uma mensagem quando chegar lá, está bem?

- Beleza!

- Então... Bem... Até mais!

- Até!

E desligaram. Mas os dois ficaram com uma sensação estranha.

Afinal, o que estava acontecendo com Sara? Ela, que sempre fora tão eloquente, limitando as suas respostas a frases tão curtas e vazias que fariam qualquer um querer se enfiar num buraco? Ela não era assim. Tudo bem que era a primeira vez que paquerava depois de cinco anos com o idiota do Roger, mas ela sabia se portar socialmente, precisava voltar ao seu normal – o que o boy ia pensar dela? Que estava nervosa também, ou que ela perdera o interesse?

Ele estava tenso. Percebera o baixo uso de palavras dela, e ficou se perguntando se havia feito algo pra desestimular a garota. Não, não, não... Não podia ser. Passara o dia feliz pensando nela, isso não era à toa. Tinha que reverter essa situação caótica. E correu pra casa pra largar a mochila e tomar, ele também, um banho.

Jogo de confiançaWhere stories live. Discover now