12 - Conexão 4G

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Com a vida corrida, como era bom ter um aplicativo de troca de mensagens. Há cerca de quinze anos, pra se comunicar com alguém, era preciso estarem os dois disponíveis ao mesmo tempo, e a conversa se findava assim que algo mais urgente do que conversar acontecia. No caso de namorados, havia sempre o "desliga você", "não, desliga você..." que podia durar horas e custar uma fortuna, mas hoje o momento do "tchau" pode ser indeterminado e até mesmo nunca chegar.

Filippo e Sara, com seus 23 e 21 anos, respectivamente, não viveram os dilemas de comunicação dessa que vos fala, mas você talvez sim, então entende o quão grandioso é poder estar em uma conversa que nunca termina com alguém que gosta.

E assim foi a vida de nosso casal favorito naquela semana. Impossibilitados de novos encontros até sábado, quando a agenda de Filippo teria certa folga, foram se conhecendo melhor e criando laços, ao dividir histórias; intimidade, ao provocar vontades do físico; e aprofundando os conhecimentos sobre o outro, num pingue-pongue logo inventado por Sara: uma pessoa dizia uma palavra, e o outro tinha que responder com uma frase ou mais o que aquilo lhe remetia, como entendesse, "mas sem preguiça!" – Depois, o interlocutor lançava um novo termo e a dinâmica se seguia.

Era um jogo com muitas facetas, pois tudo poderia ser perguntado, e as respostas possibilitavam que se alternasse a conversa de divertida para tensa, provocativa para política, fútil para séria. Foi ficando tão interessante que montaram um grupo chamado "o jogo da verdade" só pra isso. Havia coisas como:

"Água."

"Bebo em torno de dois litros por dia e tento não gastar tanto no banho. Adoraria poder ter um coletor de água de chuva para usá-la de forma cada vez mais consciente. – Drogas."

"Experimentei maconha uma vez, e me senti sujo, por falta de melhor termo. Nunca tive interesse em nenhuma outra. – Família."

"É quem te acolhe. Não é necessário ter o seu sangue pra ser real. – Lar."

"É onde mora o coração. – Clichê."

"Foi a sua última resposta. Risos."

"É, eu sei, mas juro que é no que realmente acredito. Ainda assim, foi por isso que joguei a bola pra você."

"Espertinho..."

"Vai, estou esperando você me perguntar."

"Amizade."

"Briguei com o meu melhor amigo essa semana e estamos sem nos falar. É perturbador vê-lo todos os dias e não saber como lidar com a situação. Trabalhamos juntos e somos profissionais, mas na hora do lazer, ele parece fugir de mim."

Sara não esperava essa dose de sinceridade dentro de um jogo batizado como "da verdade", pelo menos não tão cedo. Era um jogo de conceitos e definições, até mesmo confissões, mas não de desabafos. Foi um balde de água fria naquele frisson que já durava três dias. Mas clicou na outra aba de conversa que dividia com Filippo e perguntou:

"Oi, espero não parecer intrometida, mas você quer me contar mais sobre a briga? De repente posso ser útil."

Disse desta forma para ser educada, mas em seu íntimo sabia que nem ele, nem ninguém, contaria de uma briga atual com alguém importante de forma leviana e sem esperar por uma continuidade na conversa. Era nítido que seu coração clamava por ajuda e ela não ignoraria isso.

Mesmo doído, ele sorriu. Era bom ter alguém da própria idade que se preocupava de forma genuína com ele. Ok, normalmente o Freitas fazia parte desta lista, mas neste momento, Filippo não tinha certeza se o gênio às vezes intempestivo e vingativo do amigo se viraria contra ele. Respondeu:

"Claro que não parece intrometida, obrigado por querer ajudar. Posso te ligar? A história é meio longa, e vai ser bom ouvir a sua voz de novo."

"Ah, fofo!" – E mandou um emoji envolvido por corações. – "Claro, liga!"

E ele ligou. Resumiu o caso, sem explicar que falavam dela, porque achou que seria indelicado. Já pensou se num futuro os dois se conhecessem e se criasse uma animosidade por conta disso? Ele, Filippo, odiaria ter que tomar partido. Não, não, o melhor era ser neutro desde o princípio.

- Ah, brigamos por ideologias. Ele se vê apenas como um cara bem humorado, eu acredito que o humor tem limite; a partir do momento que se torna ofensivo, agressivo, não é mais graça, mas uma espécie de preconceito.

- Ok. Enxergo e concordo com o seu ponto de vista. Mas você acha que quem discorda politicamente precisa perder uma grande amizade só porque não sabe entender que o outro pensa diferente?

- Mas esse pensar diferente está entre o certo e o errado.

- E você já parou pra pensar que, apesar de concordarmos, você e eu poderíamos estar errados? Não estou dizendo que sim, mas é só pra fazê-lo enxergar que seu amigo vê a própria realidade como adequada. Se são melhores amigos, não se conhecem há cinco minutos. Já viveram algumas coisas pra você ao menos suspeitar como funciona a cabeça dele.

- Você é impressionante. Há anos eu digo que ele não tem conhecimento do que é a moral.

- Olha aí! E o que você faz com alguém que não tem conhecimento? Vira as costas ou oferece um livro?

- Depende... Essa pessoa quer adquirir o conhecimento?

- Aí quem sabe é você. O amigo não é meu, afinal.

- Hum...

- Dois...

Ele riu, ela continuou:

- Olha, sei que você quer estar certo, todo mundo quer, mas muitas vezes perdemos o que mais importa em meio a disputas sobre quem tem razão. Dizem que os opostos se atraem, mas eu não acredito. Claro que andar com o seu espelho o tempo todo seria um saco, é fundamental que o outro tenha um toque que difere de nós, mas em essência andamos com aqueles que mais se parecem conosco. A Filosofia diz que somos produto e produtores do meio em que vivemos. Um amigo tanto nos influencia quanto é influenciado por nós, e se esse vale a pena, você precisa encontrar um jeito de mostrar isso a ele, pra não perder essa ligação.

- Uau.

Ele queria dizer mais coisas. Que pensava igual a ela em muitos pontos, que nunca tinha parado para analisar outros, que estava encantadíssimo com a sua capacidade de se expressar, que adoraria passar a madrugada conversando... Não, espera, isso ele disse:

- Eu adoraria passar a madrugada acordado conversando com você, mas preciso dormir. Amanhã o dia começa cedo e ainda tenho que tentar seguir o conselho de uma sábia que conheço e reaver meu melhor amigo, antes que alguém mais bonito o faça.

Ela riu, com aquele barulhinho nasal que o agradava tanto. Ele imaginou a sua face, meio franzida ao fazer isso. Nem com esforço essa mulher deixaria de ser linda. Despediu-se dela, gaguejou um pouco pra dizer que esperava que ela sentisse seu beijo no lóbulo direito junto a uma mordidinha (ela fez "hummm..." em aprovação), e avisou que a palavra seguinte do jogo já aguardava por ela no aplicativo.

- Ok, vou olhar!

E a palavra era "conexão".

Sara tencionou brincar e dizer "A minha é 4G", mas repensou. O momento não era pra piadas. Tiveram uma conversa profunda e ela achou melhor não estragar isso.

"Ligação forte e sem explicação. Estou surpresa em aprender que não vem com o tempo nem com a quantidade de experiências vividas, mas com a qualidade delas. Quero mais."

Ela falou e não acrescentou o termo pra ele, esperando que lhe dissesse algo. Filippo foi sintético, mas não decepcionou:

"Eu não quero, desejo."

E foi dormir, sorrindo. 

Jogo de confiançaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora