29 - Que Pena, amor

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Conhecendo o horário de visitas do Hospital Central, Sara fez um esforço considerável para chegar mais cedo e encontrar Filippo na recepção. Assim que o avistou, já com a etiqueta de visitante colada ao peito, foi ao seu encontro.

— Sinto muito pela seu mãe – ela começou, com um sorriso suave e um leve toque em seu braço.

— Obrigado... Como soube? – Seu olhar, tão espantado e vivo, contrastava com as olheiras profundas e suas palavras arrastadas.

— Jo-Jo me contou.

— O seu amigo? Mas como ele teria acesso à minha vida? – Inclinou a cabeça e espremeu os olhos, como quem tenta enxergar além. Mas aquela parte da conversa não fazia sentido para ele.

— Porque ele trabalha com você. É o estagiário de cabelos descoloridos e olhos acinzentados. O da área jurídica.

Filippo se sentiu em conflito com esta informação. Não havia nada demais em ambos conhecerem Sara, ainda mais numa cidade como Nova Antares, mas esconder isto era desnecessário, quase uma traição.

— Ah. Bom saber...

Sara, que o julgava cansado e preocupado com a mãe, não notou que o seu tom era de desagrado, e continuou:

— Sei que ainda falta algum tempo para o início do horário de visitas, então topa se sentar para um café? Você pode me contar direito o que aconteceu, ou o que quiser. – Sorriu novamente, olhando em seus olhos, e segurou a mão direita dele entre as suas, apertando-a com carinho.

Filippo não sabia o que dizer ou fazer. Enquanto se dirigiam à cafeteria, seus pensamentos flutuavam. A garota de seus sonhos estava ali, ao seu lado, oferecendo carinho e atenção, mas ele não se sentia feliz. Precisava concatenar o porquê, e sua mente parecia trabalhar mais do que o normal, mas os pensamentos se entrechocavam e não lhe davam respostas.

— ...Então, o que acha? – ela finalizou algum tipo de explanação com a pergunta.

— Do quê? – Puxou a cadeira para ela se sentar, com uma expressão atônita no rosto.

— Poxa... Parece que você não ouviu nada do que eu disse...

— Desculpe, minha cabeça está a mil...

— Não é pra menos... É sua mãe, afinal. – Olhou-o com doçura.

— Vou buscar nossos cafés. Algum pedido em especial?

Ela escolheu preto, puro, sem açúcar, porque aprendera com a sua chefe que grandes apreciadores dos grãos o faziam assim, mas logo se arrependeu; o café do hospital nem de longe parecia com o que tomava no escritório, ou em casa, que gosto de desespero! Ela enrugou cada centímetro do seu rosto, mostrando os dentes, que se pressionavam, contudo, nem a expressão espontânea e engraçada fez Filippo, que se sentara do outro lado da mesa quadrada, se aliviar daquilo que o incomodava.

— Me conta, como você está? – Ela tentou bebericar mais café.

— Cansado, temeroso e confuso... – Foi sincero, apesar de encarar o seu copo de chocolate e não a mulher a sua frente.

— Confuso? Os médicos te disseram algo fora do normal? Você precisa tomar alguma decisão?

— Não... Não tem a ver com o estado da minha mãe... Me desculpe, mas estou confuso com o fato de que não me sinto radiante com a sua presença aqui. – Ele pressionou um lábio contra o outro e suspirou, fitando-a, por fim.

Aquilo doeu mais que o café ruim em seu estômago.

— Ah... – Sara puxou a sua orelha direita.

— Olha, eu sou muito grato pela sua presença, sério mesmo, é bom saber que apesar de estarmos brigados, e por culpa minha, posso contar com você.

— Mas...?

— Estou tentando pensar, tá bem?

— Tá...

E ficaram sem falar, com suas bebidas quentes e desagradáveis, mas que não superavam o clima à mesa. Sara batucava os dedos de leve, olhando para os lados e desejando ser a Alícia do mês de outubro, para resolver as questões com um estalo de criatividade e bom humor, e Filippo fechava os seus olhos, levantando e abaixando a cabeça, esfregando e espalmando as mãos nas coxas, expulsando o ar pela boca.

Após o que pareceram seis semanas de um inverno intenso no ártico, o ruivo parou a sua movimentação mecânica e concluiu:

— Olha, não consigo ficar feliz porque a impressão que me dá, é que você está aqui apenas por pena.

— Pena? Claro que não! Estou preocupada com você e...

— Sara, você recebeu a carta que eu te enviei há duas semanas? – interrompeu.

— Sim, mas...

— Leu?

— É claro, só que...

— Só que não tomou nenhuma atitude. Me deixou no escuro. Não deu sinal de vida. Me fez pensar que não teria o seu perdão e ficar arrasado com isso. Aí a minha mãe vem parar no hospital e você finalmente aparece, linda, simpática, doce, como sempre, mas como se nada tivesse acontecido, como se meus sentimentos, que já deixei claros a você, não importassem...

— Não! Filippo! Claro que importam! Não estou aqui por pena! Fiquei comovida com a sua história, e gostaria de demonstrar que você tem alguém com quem contar. Estou estendendo a mão!

— Demonstrando amizade, é isso?

— Não... Olha... Sua mãe está hospitalizada. Eu vim dar um apoio. Não acho que este seja o melhor momento para conversarmos sobre nós.

— E quando será? Eu sei que não me mostrei a melhor das pessoas, fui ciumento, explosivo, e com certeza te magoei, mas abri meu coração da forma que podia e sabia, e recebi silêncio em troca. Minha vida não parece que vai ficar mais fácil daqui pra frente. As coisas que não conversamos hoje, e que têm roubado o meu sono, não parecem que mudarão para melhor, pelo menos não tão cedo. Eu não vou ter mais tempo sobrando, nem mais dinheiro no bolso... Nunca houve momento ideal; não acho que ele exista na vida de ninguém, a vida sempre nos prega peças. Então, por que não agora? Me fala, o que você quer de mim? O que você quer de nós?

— Oi? É... E-e-eu... – É isso mesmo? Sara estava gaguejando? O que acontecia com a nossa eloquente e desenvolta protagonista? Será que não sabia demonstrar seus sentimentos? Ou não queria? Ou não os entendia? Ou tudo junto?

Enquanto ela olhava pra ele, em um silêncio ensurdecedor, o telefone do rapaz fez um leve ruído, que marcava a hora exata do início da visita, e ele se levantou.

— Perdão, mas não posso continuar aqui. Preciso ver a minha mãe. Quando você tiver uma resposta para a minha pergunta, se conseguir chegar a alguma, me procure.

Um pranto leve brotou dos olhos de Sara, que comprimia os lábios e apoiava o rosto em uma das mãos. Isso era comovente, mas Filippo se esforçou para não continuar a fitá-la e se afastou, antes que se deixasse envolver demais por aqueles olhos negros e profundos, cujo brilho se intensificava a cada lágrima.

Ele a adorava, mas sabia que isso não bastava. Amar por dois seria muito sofrido, caso possível, e ele sabia que era uma ideia irreal e ultrapassada. Doía demais deixá-la ali, mas ele precisava se amar em primeiro lugar.

Sara continuou sentada na cafeteria por longos minutos. Para chorar mais, pensar, se recompor, e perceber que devia ter agido de forma diferente. No mínimo, dialogado de outra maneira; com alguém como Filippo, era preciso abrir o coração. Mas será que estava pronta?

— Se você não quiser perdê-lo, acho bom estar – respondeu baixinho para si mesma, enquanto se arrastava para fora do hospital.

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