Jogo de confiança

18 - Tempestade e calmaria

- Pois não? – Disse Filippo, já de mochila nas costas.

- Não me venha com gracinhas.

- E onde estou fazendo graça?

- Sob o meu nariz! Sob o meu teto! – E deu um soco no rosto do amigo, que por sorte não doeu muito.

- O que é isso, irmão?

- Irmão? Irmão? Se eu fosse seu irmão você não andaria por aí pegando a minha irmã!

- Oi?

- E ainda se faz de sonso! Por isso não queria me contar da pegação de semana passada! Por isso defendeu as mulheres da minha família! Por isso a garota apareceu no meio da semana pedindo troca de decoração no quarto, disse que já é muito mulher pra esse tanto de rosa e glitter... E aí você me aparece aqui hoje, com essa cara de quem transcendeu na foda – ahhhh, quero vomitar – e a desculpa de ter que consertar um computador que não tem nada de errado... Um chama o outro por apelido e...

- Cara! Acorda! A sua irmã é, sempre foi e sempre será fruto proibido pra mim! E aprendi a chamá-la de Pê contigo, não sei por que agora você usa o nome dela inteiro, nem a razão de ela me dar um apelido! Mas já que o assunto acabou se misturando, vamos deixar tudo muito claro. Você gosta de mulher, eu gosto da mulher. Eu defendo a mulher, e sempre defenderei. Eu não acho nem nunca achei bacana ficar desfiando detalhes sobre quem fez o quê ou como, muito menos colocando apelidos nelas ou as objetificando. Talvez meu erro tenha sido deixar você dividir comigo esse seu lado que não gosto por tanto tempo, pra não te chatear, quando tinha que ter me imposto desde o princípio. E por isso eu peço desculpas. Temos que concordar que somos diferentes, talvez mais hoje do que já fomos na adolescência, mas continuo insistindo que temos muitos pontos em comum, ou não seríamos tão parceiros. Eu sinto sua falta, cara, tá chata essa situação. Até a empresa sabe que a gente é chapa. Na reunião de sábado me chamaram pra falar de você!

- O que é isso? A Real Tech virou um clube de fofoca, agora? Repararam que a gente anda afastado? E o que isso nos afeta no trabalho? Não somos uma dupla de vendas...

- Nada disso... Queriam saber dos seus interesses e ambições.

- E você falou o quê?

- Falei pra te procurarem, o que mais eu ia dizer?

- E eles?

- Me pediram pra te convencer a fazer uma faculdade. Indicam, pro seu perfil, Relações Públicas.

- E eles vão pagar? Porque me recuso a prestar vestibular pra federal de novo, ainda mais do jeito ridículo que anda o ENEM.

- Isso eles não disseram... Só informaram que vão te sabatinar essa semana.

- Hum... E você acha que isso é o quê?

- Como assim?

- Tá com cara de que, se eu não fizer, eles me demitem?

- Não... Parece mais que eles têm planos pra você, mas não querem investir em barca furada.

- E aí chamaram você pra opinar?

- Coisa da Cibele e do Braga, com certeza; o doutor Régis não sabe nem quem trabalha pra ele, coitado.

- Quero ser assim um dia.

- Então você tem planos para o futuro!

- Sim, quero ser tão rico, que eu tenha assistentes para me lembrar dos nomes, caras e funções dos meus outros empregados.

- Mas você quer ser rico fazendo o quê?

- Não, sei, brother, tá legal? Larguei a faculdade de Administração e a de Odonto porque tava mais perdido lá dentro do que pau fino em... Ah... Deixa a comparação pra lá, porque você defende a mulher.

- Bom garoto. Você já estava perdido quando escolheu as duas carreiras. Elas só serviam pra você seguir seu pai de alguma forma. A semana no trabalho vai te ajudar, mas vê se pensa sério nisso. Você só tem a ganhar.

- Eu vou ser seu chefe?

- Não digo que sim, nem que não.

- Ah, moleque! – E deu vários soquinhos no peito do amigo, como era de costume entre os dois. – Anda, vem almoçar e colocar um gelo nesse nariz pra não ficar roxo. Foi mal, parceiro.

- Acontece.

E eis que o número de Sara finalmente piscou em seu celular, com a mensagem:

"Oi, aqui é a Angel, amiga gêmea da Sara. Ela sofreu um acidente de carro voltando ontem da sua casa, disse que depois te conta o que lembra. Ficou um tempo inconsciente, mas, ainda bem, só quebrou uns ossos. Tá proibida pelos médicos de pegar em celular hoje, pra evitar qualquer estresse, mas me deixou de mensageira pra te pedir desculpas, porque não vai poder te buscar mais tarde pra ver a Germana. Gente, quem é Germana? Você conhece ou é efeito da Morfina? Ela vai pra casa ainda hoje e amanhã vocês conversam, tá? Beijinhos."

"Ok, Angel, obrigado por me informar. Passei todas essas horas preocupado. Desejo melhoras e aguardo mais notícias, tá bem? Ah, sim, conhecemos a Germana, mas deixa que ela te conta quando puder."

Ele se sentou noprimeiro degrau da escada e inspirou profundamente, num misto de dor e alívio.Freitas segurou o seu ombro.