21 - Quebra de confiança

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"Que paranoia é essa?" – ela respondeu a mensagem, sem se alongar.

Filippo, enraivecido, esqueceu que a ideia inicial era dar o seu recado em apenas uma mensagem e seguir pela vida com dignidade, e ligou para ela, pronto para o confronto. Sara demorou para aceitar a ligação, pensando se valia a pena atender a uma afronta daquela, mas cada toque do telefone a deixava mais irritadiça: que ousadia a dele!

- E ainda tem a cara de pau de me ligar! – atendeu, dispensando convenções.

- Preciso ouvir de você alguma explicação.

- E que satisfação eu te devo? Nem sou nada sua!

Isso mexeu com seu ego de alguma forma, pois alteou a voz pra responder:

- Claro que não é! Me dá um fora elegante e eu fico achando que você é incrivelmente empoderada, enquanto só queria mesmo era curtir com a minha cara!

- Como não enxerguei logo essa sua afobação? – Ela foi direta.

- Afobação? Minha? Afobação? – Ele não sabia como concatenar. – Você só pode estar me confundindo! Sou um cara tranquilo e...

- Tranquilo? – ela interrompeu. – Ah, sim... Tranquilo... Um cara tranquilo que está quase gritando ao meu ouvido por conta de uma história que inventou sei lá por que motivo? Afobado é pouco! Criador de caso! Impulsivo!

- Eu não... – ele tentou falar, sem sucesso. Sara estava com a cabeça a mil.

- Tão tranquilo que vê um cara saindo de um condomínio, um con-do-mí-ni-o, e já interpreta que ele estava na minha casa... Pois não vou mentir, ele estava! Mas já parou pra pensar na infeliz coincidência desta tarde? Eu estive em um acidente de carro, e o cara trabalha com conserto de automóveis, você se lembra disso? Não... Melhor criar uma história mirabolante na cabeça, onde eu viro uma devoradora de homens inocentes, que só querem namorar e declarar paixão por alguém que mal conhecem! Que ridículo!

- Então de encantador eu me tornei afobado e ridículo? – Filippo gritou, assustando um casal de pombos que pousara na calçada. – Você cria personagens e histórias mirabolantes com a velocidade de uma chita esfomeada, e quer que eu fique seguro de quem realmente é?

- Se você é inseguro, a culpa não é minha. Sugiro terapia pra cuidar das suas neuras, porque até jogar a sua condição social no meu colo por ter sumido no domingo, você jogou. Não tenho nada com o fato de que alguém um dia foi insensível com a sua realidade!

- Achei que tinha dito que perdoava isso, mas de repente foi a Alícia, ou uma Rebeca, a quem ainda não fui apresentado...

- E eu achei que em algum momento você tinha dito que gostava da minha personalidade...

- Qual delas?

- Filippo, me faz um favor? Pare de me encher com o seu sentimentalismo?

- Como consegue ser tão fria?

- Fria, por quê? Por ter argumentos contundentes e não estar berrando descompensada?

Mesmo sabendo em seu íntimo que as palavras dela faziam sentido, ele não queria perder a discussão.

- Ah! Desculpa se te enchi com o meu desequilíbrio, afobação, sentimentalismo... Eu sou mesmo uma pilha de defeitos! Você, dona da razão, merece alguém bem melhor em sua vida e, de preferência, inventado!

Silêncio.

Sara havia desligado sem cerimônias.

Filippo xingou ao vento vários nomes que normalmente não utilizava, enquanto tentava ligar de volta para ela, porque aquela forma desagradável de se sentir tomara conta de si.

- Rapaz, ô, rapaz! – chamou um senhor que saía do condomínio. – Aqui é um ambiente residencial, e você está perturbando a vizinhança... Será que poderia seguir seu caminho?

De volta a si, Filippo lhe pediu desculpas. Nunca se comportara assim na vida. O que estaria acontecendo com ele? O que a sua mãe diria, se soubesse?

E foi embora, desolado e distraído, com a cabeça fervilhando e a sopa em mãos, doada ao primeiro mendigo que encontrou no caminho para casa.

Em seu quarto, Sara chorava, tentando entender por que e como confiara tão rápido em alguém logo após o término conflituoso de seu namoro. Angélica estava certa em se preocupar. Sentiu-se a mais iludida das criaturas.

Jogo de confiançaWhere stories live. Discover now