20 - Ele está de volta

22 4 46
                                    


A porta do quarto de Sara se abriu e, para sua surpresa, encontrou os gêmeos, destruídos fisicamente, mas carregando sorrisos que emitiam ternura, aquilo que mais precisava no momento.

- Mas como estão charmosos, hein? – ela reparou no terno grafite do amigo, acompanhado de gravata marfim com casinhas de abelha, e no vestido tubinho preto da amiga, que não era justo demais, e ainda carregava amarrado na cintura um casaco de flanela xadrez preto e amarelo, perfeito para o ambiente criativo de seu estágio.

- Ah, são seus olhos, amada, eu a esta hora já estou um lixo.

- Foi um alvoroço sobre você hoje na faculdade, gata! A história do acidente se alastrou como rastilho de pólvora!

- Gente, mas não foi nada demais! O carro só rodou depois que aquele delinquente fugitivo bateu na mala do carro no cruzamento.

- É, mas ao que tudo indica, o motorista fujão era mesmo um delinquente. Um playboyzinho saiu da balada e desviou de uma blitz...

- Sério?

E ficaram desfiando ideias sobre o paradeiro do mauricinho, até que Sara perguntasse sobre o estágio de Jo-Jo:

- Ah, amada! Você não vai adivinhar! É no setor jurídico de uma super rede de lojas de informática, lá no Centro! E a matriz, pasme, fica em São Paulo! Nesta semana eles vão me treinar, me deixar a par de todo o funcionamento da empresa, pra que eu seja capaz de reconhecer o certo, o errado e o justo, segundo informou a mulher do RH, que me atendeu. Parece que o tal supervisor precisou faltar, foi a uma reunião com o dono da loja, o namorado da tia Cláudia. E olha... tinha um carinha tão gatinho de rabo de cavalo e alargador na orelha fazendo uma espécie de prova num canto da sala de reuniões... Fiquei curioso! Aí conheci meus chefes, quer dizer, os advogados com quem vou aprender – eles quiseram deixar bem claro que também só recebem ordens, e resolvem problemas de caráter regional, mas não se envolvem em grandes processos. Hoje li uma cacetada de livros, regras e convenções da empresa, meus olhos até doem. E amanhã vou circular por todos os setores, corredores, conhecer produtos e funcionários; parece que o gatinho do rabo de cavalo estará junto, porque os meus não-chefes dizem que só conhecem um par de cabeças.

- Uau! Você já começou cheio de tribulações, hein, migo!

- Mas agora vamos falar de mim? – lançou uma Angélica ciumenta.

- Não, senhora, agora é hora da Sarita nos contar o que aconteceu com o boy magia dela!

- Ah, me ligou agorinha mesmo.

- E...?

- E se mostrou com medo de eu estar fugindo dele, porque mora numa comunidade carente, veja se eu faria uma coisa dessas!

- Ah, mas ele te conhece há pouco tempo, né, diva, não é o mesmo que eu ou a Angel julgarmos o seu comportamento...

- Não, não. Antes de me comer, no sábado, disse com todas as letras que confiava em mim, aí agora me vem com essa?

- Quê???? – Exasperou-se Angélica – Sara Nunes Aragão dando no segundo encontro? O que está acontecendo com o mundo?

- Nada demais, amiga, a gente estava super envolvido e cheio de tesão, e eu tenho a impressão de que conheço mais o Filippo do que jamais conheci o Roger, por exemplo... Ele é tão aberto, sabe? Tão passional... Hoje me disse que está apaixonado por mim.

- MEN-TI-RA! – agora foi a vez de Jo-Jo reagir. – E você?

- Fiquei sem ação!

- Você é uma monstra às vezes. Tá caidinha pelo boy, mas fica se segurando, com medo sei lá de quê.

- Pois eu acho que uma semana é muito pouco pra declarar amor.

- Ok, gêmea, já conhecemos essa sua opinião...

- Verdade. – sorriu Sara. – Vamos falar da vida de vocês, que precisa estar mais animada do que esse repouso forçado com gesso até a alma.

- Que exagerada...

- Anda, Angel, fala do seu estágio! O que você aprendeu hoje?

- Que a faculdade ensina tudo errado!

- Oi?

- Na faculdade eles querem que você alcance a excelência em um desenho em duas horas de aula, já o mercado exige agilidade! Hoje tive que ouvir aquela frase: "feito é melhor do que perfeito" e fazer vários rascunhos cagados das minhas ideias, morrendo de vergonha, porque tem gente lá que desenha as coisas mais maravilhosas em dois tempos.

- Ah, gêmea, relaxa, você vai se adaptar!


Filippo, em sua casa, se sentiu estranho e impotente, e resolveu fazer algo pra agradar Sara e acalmar o próprio coração: no dia seguinte, após o trabalho e o estágio, deixaria de lado a faculdade pela primeira vez – ele nem sabia matar aula – e iria visitá-la de surpresa, levando uma sopa, algo que sabia ser bom para a recuperação de qualquer convalescência. Eles conversariam melhor, ele saberia dos detalhes do acidente, e pediria desculpas mais uma vez, mataria as saudades e se declararia olhando em seus olhos, afinal, quem faz isso por telefone?

A terça no trabalho foi mais animada do que a segunda, porque ele tinha a garantia de Sara de que estava tudo bem, além de um plano de ação. Freitas estava rodando os setores da empresa com Cibele e o engravatado de cabelos platinados e – agora que o via de perto – olhos acinzentados, parecia um vampiro bronzeado.

Depois do expediente, comprou a sopa pra viagem num restaurante de confiança, e partiu para a casa da amada, que lembrava tranquilamente onde era, com seu senso de direção aguçado.

Graças ao horário de verão, ainda não havia escurecido quando chegou em sua portaria, e foi fácil reconhecer o homem moreno, alto e forte, de olhos cor de âmbar e brinco na orelha, que saía todo serelepe e assoviando pelo portão, e lhe bateu uma gana sem fim ao confirmar que nas costas de sua blusa havia escrito "Jorjão da Lanternagem". Gritou:

- Pavão! EI! PAVÃO!

E o homem se virou, alegre.

- Oi, meu bom! Nos conhecemos?

- Ah, você de repente não lembra de mim, mas eu o conheço da sua empresa... Jorjão é um amigo do meu pai – mentiu descaradamente, torcendo para que o tal Jorge realmente existisse.

- Pô, bacana...

- Cara, vamos tirar uma selfie, preciso mandar pra ele um registro desse encontro!

- Claro, por que não? Seu Jorge adora mesmo essas coisas.

Bingo. A mentira tinha dado certo.

- E como é seu nome mesmo? – Perguntou Pavão.

- Ah! Pietro Bragança Magalhães!

- Opa! O sobrenome dos donos da UBM?

- Exato.

- Valeu, Pietro, vou falar com o Seu Jorge que te encontrei. E você, manda essa foto logo!

- Mando agora mesmo!

E Pavão partiu.

Filippo tirou uma foto dele de costas, mostrando o nome da empresa, e encaminhou as duas imagens para Sara, com o texto:

"Quer dizer que venho te visitar de surpresa e encontro o tal do Pavão saindo do seu condomínio? Quem é você de verdade? Pra quem você mentiu seu nome? De repente para os dois? Eu sou um IDIOTA? Você me usa, de repente se cansa e aí joga fora? Me troca por um cara que sem rodeios declara ter uma noiva? Você não tem limites? Será que houve mesmo acidente? Ou tudo pra você é uma eterna brincadeira, onde eu sou o peão?"

Jogo de confiançaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora