26 - À Moda antiga

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Quem via Sara e Filippo, ativos como estavam, poderia até imaginar que eles superaram um ao outro com facilidade. Afinal, se conheciam há tão pouco tempo! E só tiveram dois encontros!

Mas e a ligação incrível, o entendimento mútuo, os segredos que dividiram entre si, a intimidade que criaram, as trocas transcendentais, segundo Freitas?

Sara, apesar de ser considerada por seus amigos a rainha da superação e de realmente se esforçar para tal, não se ajudava muito ao evitar a presença de Filippo nas conversas – por que Jonas tinha que acabar estagiando na mesma empresa que aquele lá, e justamente quando ela se remodelava, com um novo gerente que decidira, em união com o setor de RH, integrar seus poucos estagiários e aprendizes, colocando-os em um treinamento semanal em prol de seu sucesso profissional? O amigo se esforçava para não o mencionar, mas às vezes sentia que o melhor seria se calar para todo o sempre, evitando, assim, as feias olhadelas de Angélica e as leves, porém constantes, bufadas de Sara.

Sozinha, em seu quarto, antes de dormir, ela escrevia textos melancólicos que jamais mostraria a alguém, só pelo prazer de ver as lágrimas se misturarem à tinta da caneta e destruírem a representação de seus sentimentos. Assim se sentia melhor, preparava-se para a manhã seguinte, cheia de esperança de que toda a dor que sentia iria embora, finalmente. Após este texto, este outro, e mais um...

Filippo, por sua vez, estava livre de interações acerca de Sara. Apesar de já ter conversado algumas vezes com Jonas, ele não revelara essa coincidência em suas vidas, e Freitas havia entendido que a melhor coisa na vida do amigo, no momento, era estar solteiro, cheio de tribulações decisivas como a entrega do TCC e as mudanças no trabalho, e não ficaria perguntando sobre uma ex que, a seus olhos, não mudara nada na vida de Filippo.

Ah, Pietro Bianchi Freitas... Se você soubesse o que acontecia internamente com o seu amigo, que agora, sozinho, em seu quarto, antes de dormir, lia e relia em seu celular a conversa entre Sara e ele, tentando buscar uma solução...

Passada a raiva, o que ficara em Filippo era uma sensação de desapontamento, mas não com ela, com ele próprio! Jamais havia sentido ciúmes de alguém, nem sabia ser capaz de tanta passionalidade e cegueira.

Quando repassava a briga em sua mente, percebia que seu caminho era obscuro. Queria aquela garota de volta, mas fora um completo babaca com ela, que não recebia as suas mensagens ou ligações. Certamente o tinha bloqueado. O que fazer? O que fazer? A ansiedade tomava conta de si.

Dormia sonos conturbados, ora recheados de momentos embaraçosos, em que Sara o humilhava publicamente, sem aceitar o seu pedido de perdão, ora feitos de lembranças daquele corpo esculpido pela luz do luar, que não podia mais tocar...

Em todas as manhãs precisava se convencer de que tudo caminhava bem, de que ele estava muito perto da solução e partia a encarar um novo dia.

Até que acordou certa madrugada com a mente iluminada – por que não entrar em contato com ela à moda antiga?

Pegou papel, caneta, e escreveu o que lhe vinha, sem filtro. Poderia não ser um gênio da Literatura, mas quando se fala ao coração, a emoção vence a técnica em muitas das vezes:

"Sara, eu adoraria saber transformar em palavras todo o arrependimento que me aflige no momento.

Por toda a falta de compreensão;

Pelo ciúme exagerado;

Por projetar meu passado em você;

Por tentar acelerar as coisas – sim, por ser afobado...

Eu não fui capaz de enxergar na hora, mas quando o sangue esfriou, pude entender como você estava certa.

Eu não tenho as palavras adequadas, ou as belas, mas peço perdão, com toda a sinceridade.

Por favor, me dê a chance de provar que posso ser muito mais e melhor do que o paranoico demonstrado de forma vergonhosa naquele dia; de mostrar o meu lado romântico; de aprender com você.

Eu sei que tudo o que vivemos foi muito intenso, rápido, e que isso pode ser assustador, mas também pode se tornar uma experiência incrível, se a gente quiser. Se você ainda me quiser. Podemos ir mais devagar, até.

Você é especial, é diferente, é tudo aquilo que eu nem sabia que existia, mas de que tanto precisava. Você iluminou os meus dias, meus sonhos, minhas ideias, e quero poder retribuir todo o bem que trouxe para a minha vida em tão pouco tempo.

Por favor, mande-me um sinal, qualquer sinal, que eu irei até você para conversar. Sei que podemos reverter a situação. Citando a sua banda favorita de K-pop: "oh, oh... Eu posso fazer dar certo".

Assinou e deixou anotados os seus contatos, de número de telefone a e-mail corporativo, passando pelas redes sociais que ele não sabia que ela já visitara, pra não deixar escapar nenhuma oportunidade de voltarem a se falar.

Lacrou o envelope, se arrumou, saiu mais cedo e, a caminho para o trabalho, foi até a porta do condomínio dela para entregá-lo. Sem saber o número da casa, convenceu o porteiro da importância daquela postagem, ao dizer:

— Escuta, meu amigo, você não precisa nem me dizer onde ela mora, desde que se comprometa a entregar a carta. Estamos brigados, ela me bloqueou, e esta é a única forma que eu encontrei de conseguir a atenção dela. Será que você me daria essa força?

O porteiro segurou a carta, dizendo:

— Olha, eu não deveria...

Mas Filippo apenasagradeceu e partiu para o trabalho, naquele sábado ensolarado.

Jogo de confiançaWhere stories live. Discover now