04 - Carpe Diem

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Findada a aula, a professora chamou por alguns nomes para ficar depois do horário, e isso incluía Angélica, mas nada de Sara, que saiu da sala com a maioria.

Angélica agora dividia a sua preocupação entre ter exagerado com a amiga e esse chamado inesperado da professora de tipografia; será que havia algum problema com seu desempenho? Ou frequência? Será que a amiga ficara muito chateada? Quando a perdoaria? Precisava falar com ela... Sabia que precisava focar na informação do momento presente, mas sua cabeça gerava muitas indagações, queria respostas imediatas...

- Angélica? Você está ouvindo?

Dez minutos depois, o grupo selecionado saiu da sala de aula, cada um com uma carta de recomendação para estágio em mãos e Angel avistou a amiga parada ao fim do corredor iluminado, sorrindo largamente para ela.

- Você sabia? Estava envolvida? Claro que estava, né? Por isso entrou na sala com aquele papel e não levou uma chamada da Lucy por estar atrasada.

- Na verdade, quem se atrasou foi você. Assim que eu cheguei, a Lucy já estava na sala, com várias pessoas em volta, falando sobre duas oportunidades de estágio, a primeira em uma escola de artes e outra em uma revista, mas a esta altura você já sabe do assunto... Enfim, ela disse que havia pedido indicação a vários professores e que seu nome era um dos mais citados, mas ela não queria dar a oportunidade a quem não tivesse real interesse e necessidade – "olhe como a sala está lotada a esta hora"! Então eu falei pra ela que você já procurara muito e ainda não conseguira nenhum estágio, que sua família não bota muita fé no Design e que, com a formatura próxima, se já não tiver um direcionamento profissional, eles vão fazê-la mudar completamente de ramo, indo para alguma área quadrada e sem cores, e ela me deu um olhar compreensivo e me pediu seus dados.

- Ai, amiga, muito obrigada! – Angélica a abraçou, chorosa – Nem sei se mereço tanta consideração! Você é um ser de luz, só pode! Logo depois de termos te magoado e...

- Magoado? A mim? Quem? Quando? – Sara brincou, segurando a amiga pelos ombros.

- Oras, amiga, Jonas e eu, no intervalo, sobre o ruivinho do ônibus... Acho que passamos dos limites...

Sara riu.

- Claro que não, amiga! Vocês só foram meus amigos de sempre e pra sempre! Eu só estava me divertindo com vocês! Teria continuado a farsa por mais um tempinho, não fosse essa baita oportunidade pra você.

- Ah! E eu morrendo de preocupação! Se Jonas estivesse aqui, faria a dancinha da vitória!

- Já estou fazendo, amada! – Ele surgiu pela escadaria. – E sugiro que você também dance, porque eis o primeiro passo para a sua libertação da adorável e sempre compreensiva família Bragança Magalhães! Parabéns pelo estágio!

- Oportunidade de estágio. – Angel frisou bem a primeira palavra. – E como você já sabe disso?

- A vaga é sua, amiga! Confie! E o que você acha que fiquei fazendo parada neste corredor durante a longa última década? Trocando mensagens com o homem de nossas vidas, motorista da rodada no próximo fim de semana, é claro!

- Como assim uma conquista um coração, a outra um estágio e eu, sem sorte no amor ou no jogo, sou obrigado a não beber? Vamos todos bebemorar na sua casa, Sara Lee, ou chamemos um carro de aplicativo. – Respondeu Jonas, enquanto os três se dirigiam para o estacionamento. Era costume dar carona à Sara até a metade do caminho de volta; os gêmeos moravam próximo à universidade, em um bairro da zona nobre da cidade, e Sara ainda precisava de mais um tempo de condução, para uma região de classe média.

- Comprimidos de Rivotril pros dois no café da manhã, hein? – Ironizou Angélica. – Nada aconteceu com nenhum de nós ainda e vocês já estão planejando a celebração do fim de semana. A pressa é mesmo o verbo da juventude!

- Depois sou eu quem arrasa nas frases de efeito! – Declara Jonas, fazendo uma careta.

- Guardo meus trunfos, querido! Vi dia desses no Instagram e fiquei pensativa... É tanta preocupação com o futuro, que não se vive o agora. Todos nós fazemos isso.

- Opa! Carpe diem? Paremos de planejar o sábado pra beber agora? Adoro!

- Agora? Não é muito cedo? – Questiona Sara.

- Depende do fuso horário ao qual você se apegue, lindona! Já começou o happy hour na Europa! – Ele brinca.

- Gente, foco! – Pediu Angélica, com dificuldade, já que os três gargalhavam do comentário anterior. – Tenho uma entrevista marcada para amanhã e nem sei o que vestir!

- Emergência! Vamos para o shopping i-me-di-a-ta-men-te! – Jonas disparou.

- E para que gastar, quando há tantas roupas intocadas naquele armário fabuloso da Angel? – Ponderou Sara.

- Mas ela me impede de beber, depois não quer que eu compre... Consciência, afaste-se e nos permita aborrecer um pouquinho a nossa família perturbada! – Pediu Jonas, fazendo um xis com os braços em frente ao peito.

- Ah, sim, esqueci que os gêmeos Bragança Magalhães não têm dado dor de cabeça aos pais nos últimos cinco, o quê? Minutos?

- Ai, como ela é má! – Angélica respondeu, colocando a mão direita sobre a boca aberta em choque.

Todos riram novamente, entraram no carro esportivo preto que os gêmeos costumavam usar para ir às aulas e partiram em direção à casa deles, enquanto Sara mandava uma mensagem a sua mãe, avisando que almoçaria com os amigos.

"Não sei por que eu ainda me preocupo em cozinhar pra você, se nunca está em casa. Não venha muito tarde. Beijos, mamãe."

Sara achava fofo a mãe insistir em assinar as mensagens que enviava, como quem troca cartas, ou e-mails. Sua relação com os pais era tão maravilhosa, que até ficar em casa com eles sem fazer nada era visto como algo bom, mas tinham suas ocupações profissionais e somente à noite se encontravam, o que colaborava com as decisões que tomava durante o dia.

Chegou outra mensagem no celular, à qual decidiu ignorar, com um sonoro "ah, tá". Questionada pelos amigos, ela simplesmente disse:

- Roger.

- Afe! – Bufou Angélica ao volante, enquanto Jonas, no banco do carona, olhava para trás com uma expressão de desagrado. Aquele não era um nome favorito no grupo. Não mais.

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