Jogo de confiança

22 - Penélope ardilosa

Depois da dor do impacto da acusação de Filippo passar, o que permaneceu em Sara na manhã seguinte foi a ira. Já estava assim quando relatou o acontecido aos gêmeos, em uma videochamada ao final da noite:

- Eu sou uma tola, só posso! A rainha da xepa! Angel só pega boy lixo, mas ao menos o faz conscientemente e não se apega! Eu passo cinco anos com um que me trai sem dó, depois conheço outro com cara de príncipe, jeito de príncipe, voz de príncipe e atitude de playboy, machista filho de uma mãe bem lazarenta! – no que foi apoiada pelos amigos.

Ser traída por Roger havia sido mil vezes mais suave do que ter a sua moral questionada por Filippo, alguém que lhe declarara confiança e paixão nas noites anteriores e por quem ela estava infinitamente envolvida.

Cá entre nós, o que mais a irritava, mas ela jamais admitiria, era que não conseguia controlar o tanto que pensava com ares de saudade no nosso ruivinho de traços marcantes.

E com a desculpa esfarrapada de precisar vencer o tédio de ficar naquela cama (ela já estava liberada para a vida normal com o gesso, mas não havia ordem médica que passasse por sua mãe, quando andar provocava caretas no rosto da filha), Sara resolveu se distrair nas redes sociais. Por que, meu santo, ela não continuou as felizes leituras dos livros sobre o poder da dança? Por que não aproveitou o sentimento e tentou descobrir em si um talento artístico, quem sabe pintando um quadro, ou escrevendo uma música? Por que teve a infeliz ideia de alimentar o bichinho da curiosidade e analisar todos os perfis de Filippo que pudesse encontrar, até mesmo os profissionais?

E como ele era lindo, ela se pegava admirando sem perceber, até encontrar um motivo para ter mais raiva: uma mensagem de uma tal de Pezinha Bianchi, que pareceria uma boneca de porcelana com a sua pele alva, os olhos delineados e cílios gigantes, não fosse a pose que resolvera fazer para a provável selfie, com cabelos jogados, corpo corcoveado e um bico que a maioria das garotas achava sensual atualmente, mas que Sara acreditava ser um desperdício de beleza. Ah, sim, a mensagem:

"Lippo, domingo passado foi uma delícia, temos que repetir, hein?"

- O quê? – Sara inflou como personagem de animação japonesa. Copiou a postagem, mandou para os gêmeos e continuou:

"Domingo! Domingo! Eu hospitalizada e ele com um filhote de gente que se acha sensual, mas assina como Pezinha! Uma criança! E ainda quer me julgar por estar com o Pavão!"

"Para tudo, você estava com o Pavão?"

"Ai, Angélica, até tu? Você não entendeu nada ontem à noite? Ele passou aqui em casa porque, por ironia do destino, é lá que meu pai conserta os carros dele e da mamãe... Parece que um documento ficou sem assinatura e ele veio aqui pra adiantarem a vida."

"Ah, desculpe, amiga, mas perdi alguns detalhes da história mesmo, tudo o que eu queria era te ver calma."

"Não querendo defender o vilão, amada, devo lembrá-la de que você declara não estar em um relacionamento..."

"Mas ele queria estar em um, Jo-Jo! Como é possível ser tão hipócrita a ponto de se sentir traído, mas não traidor?"

E os três se puseram a destilar pavorosos xingamentos e castigos para Filippo, além de desqualificar a imagem da tal Pezinha, o que parecia amenizar a dor de Sara e divertir Angélica, mas incomodava Jonas, e ele ainda não tinha entendido o porquê.

No meio da tarde, em seu estágio, parou para lanchar perto do gatinho de rabo de cavalo, que agora já sabia se chamar Freitas e conversava com seu amigo ruivo de traços marcantes, o Carvalho, que dizia:

- Cara, a sua irmã está com as ideias avariadas... Deixou no meu perfil uma mensagem dizendo que nosso domingo foi uma delícia e que quer repetir. E desde quando me ver consertar o computador dela é uma atividade delícia?

- Cadê? – Freitas perguntou pegando o próprio celular.

- Já apaguei, imagina se os seus pais veem uma coisa dessas e interpretam errado?

- Tinham que ver, pra pararem de planejar a nova pintura do quarto da garota que acha que cresceu só porque fez dezoito anos e conversarem sério sobre o comportamento dela. Já reparou nessa foto de perfil?

- Não que eu goste, mas é o mesmo estilo de foto de metade das garotas que você pega...

- Lá vem o defensor das mulheres de novo...

- Cara, a Penélope pode ser quem quiser, menos mentirosa e desonesta...

E o resto Jonas não ouviu, porque os dois amigos saíram do refeitório, mas agora somava dois com dois e entendia por que razão ficara incomodado em seu papo com as meninas mais cedo. Pegou o seu Iphone só pra ter certeza: a tal Pezinha Bianchi tinha os mesmos traços italianos de Freitas e só podia ser a Penélope da conversa entre ele e o amigo Carvalho, que então era o Filippo da Sara... Como não tinha parado pra pensar nisso antes? Quantos ruivos de traços marcantes trabalham em lojas de eletrônicos naquela cidade, que poderia ser um cetro urbano, mas parecia tão pequena quanto uma casca de noz? Seu único perdão era que Sara não tinha mostrado nenhuma foto do seu ruivinho até a data atual, já que não tinha resolvido persegui-lo nas mídias sociais até então.

Mandou a notícia no grupo, pra animar um pouco a amiga, mas recebeu em resposta um:

"De que adianta descobrir que não é hipócrita alguém que desconfia da minha integridade e fala os impropérios que fui obrigada a ler e ouvir?"

"Mas você não foi uma completa santa em suas respostas, né... Atacou o carinha onde mais doía."

"Ah... Na hora da ira... Não tinha como ser um doce com ele. No entanto, não tem perdão, Jo-Jo... Já deletei, bloqueei, e até amanhã nem o nome eu saberei mais."

"Falou a rainha da superação!" – aplaudiu Angel.