15 - Tudo do que precisava

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Filippo até tentou uma nova aproximação ao fim do expediente, mas Freitas, que não queria assunto, sumiu do ambiente no segundo em que o relógio bateu 13 horas.

Se Filippo estava imaginando que ele era um fraco por se preocupar... Oras! Em que mais poderia pensar ao ver o amigo ser abduzido da sala de repouso para a de reuniões, por alguém que ele jamais vira? E depois essa de projeto novo. Projeto novo... Ah, tá... Tô aguardando ser chamado até agora – pensou. Se ele acha que vai sair na minha frente numa empresa que eu o ajudei a entrar...

Freitas estava altamente amargurado.

Na cachoeira, um lugar que parecia uma pintura em tons negros e cinzas, com sua piscina natural de pedras lisas, onde não se via o fundo, o nosso trio ternura, que já se cansara de tanto mergulhar, aproveitava agora os quitutes da cesta de piquenique e o vinho, que não poderia ser desperdiçado. Sara bebeu um gole, só pra brindar, lembrando que alguém dentre os três precisaria estar sóbrio pra dirigir de volta ao centro da cidade.

- Ah, mas é só uma garrafinha de vinho, e somos três, amiga, nem vai dar onda – insistiu a morena tatuada.

- Não, obrigada, prefiro ficar de bico seco a não ter mais bico pra contar história alguma.

- Te amo, Sara Lee, mas às vezes você é quase mãe da gente, devia ousar mais. Como é mesmo aquela frase que vovó dizia, gêmea? Aquela de ousar e errar...

- Não era a vovó... Era a Tia Cláudia...

- E quem você acha que ensinou a ela?

- Tá, tá... A frase era "quem não ousa não erra, mas quem não erra não aprende. É ousando que se aprende".

- Isso! Aprenda, Sarita! É ousando que se aprende! Tome aqui mais um gole!

Para evitar discutir, pois acreditava que ousar não tinha nada a ver com dirigir alcoolizado, Sara mordiscou um croissant recheado com queijo e um tempero que desconhecia e perguntou se a Neusa se incomodaria de dar a receita, porque aquilo ali estava dos deuses.

- Isso porque você não provou a torta de cebola!

E assim passaram mais uma hora, com Sara contando os minutos para voltar pra casa e resgatar seu celular. Nunca mais sairia sem ele se pudesse evitar.

Filippo estranhava o silêncio da garota, conferindo de vez em quando o próprio smartphone, mas sem se alarmar. Ela poderia ter ido às compras, por exemplo, ou estar atolada com pesquisas estudantis. Não, ele não daria vez a paranoias, porque não era do seu feitio. Fique tranquilo, você só está ansioso porque Sara é realmente incrível, concluiu ao chegar em casa.

Deitou-se em sua cama e ficou olhando para o teto, que fora recentemente emassado por causa de um vazamento, e era possível notar onde, pois o trabalho do pedreiro não tinha sido dos melhores. Definitivamente ele iria comprar tinta e resolver aquele visual tenebroso. Sempre fora um cara de ação, só andava um tanto sem tempo.

Virou-se de lado, e se deparou com a janela de alumínio barato, única coisa que se destacava nas paredes brancas e sem vida do ambiente, descascando em algumas partes... Talvez saísse mais em conta comprar cal... Contar moedinhas era o que fazia de melhor, mas isso ainda ia mudar, ele tinha certeza de que num futuro não muito distante sairia daquela vida paupérrima – bastava se formar, se esforçar, colocar todas as suas ideias em prática e... bem... talvez pedir um empréstimo? A parte do capital inicial ainda não estava clara em sua mente, mas ele chegaria lá, era inteligente, paciente e bastante focado, tudo daria certo, e dona Marilda seria beneficiada com uma vida tranquila, talvez num sítio em Nova Electra... Esqueça a parte de contar moedas, sonhar alto era, sim, uma de suas melhores capacidades, incentivada e – por que não? – ensinada por sua mãe.

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