05 - Roger that

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Dois meses antes dos eventos que você, leitor (ou leitora), já está a par, a vida de Sara era um tanto quanto diferente.

Ela namorava Roger, um estudante de Medicina com futuro bastante promissor. Fazia o tipo certinho, daqueles que seguiam à risca tudo o que os pais, militares e médicos, haviam designado para o seu presente e destino, mas todos os amigos sabiam que seu comportamento fora de casa era tão desajustado quanto os deles.

Sara e ele namoravam desde a metade do Ensino Médio da Academia Militar de Nova Antares, que ela entrou por esforço e ele, influência.

— Mas, de agora em diante, eu quero ver meu dinheiro investido dar retorno positivo! – dizia o tenente-coronel Ferré.

Eram populares, o típico "casal vinte", que ninguém ousava perturbar, e ambas as famílias aprovavam a relação. A dela, Nunes Aragão, pela nobre razão de ver um bom menino tratar sua filha com carinho e delicadeza; a dele, Padilha Ferré, se interessava no potencial de boa portadora do sobrenome. O esforço da menina, suas boas notas e inclinações faziam brilhar os olhos de Amanda Padilha Ferré, sua futura sogra.

Em meio a toda essa aparente vida perfeita e fadada ao final feliz, porém, havia uma jovem, não enganada, porque sempre soubera do relacionamento de Roger e Sara, mas equivocada, pois achava que em algum momento ele terminaria sua relação de contos de fadas para ficar com ela e somente ela.

Também estudante de Medicina, tutora na Universidade de Nova Antares – UNA, Flávia Albuquerque, loira, alta e provocante, vestindo calças de couro preta e botas de bico fino, apareceu em seu conversível vermelho na porta da casa dos Padilha Ferré com o resultado positivo de um exame Beta HCG e causou grande abalo ao planejamento de Amanda Ferré para a vida do filho único.

Após confrontar todos os envolvidos, inclusive Sara, acusada pela doutora Ferré, como gostava de ser chamada, de não satisfazer às necessidades de seu filho, ou ele não estaria com Flávia há quase um ano, um novo plano foi elaborado: casamento. Tudo seria acordado entre as famílias de bom nome Albuquerque e Ferré, e o que o casal precisava fazer era comparecer à cerimônia e dizer "sim". A graduação de Flávia, dois anos mais velha que Roger, seria adiada por conta de um "intercâmbio em Paris", em verdade os últimos seis meses de gravidez e primeiros seis de vida do bebê no sítio dos Ferré no interior de Nova Electra, cidade próxima o suficiente para que as famílias pudessem interagir com a grávida e o bebê, que mais tarde seria "adotado" pela mãe de Flávia.

Roger disso tudo saíra ileso, pois Sara era digna demais para fazer qualquer escândalo – ou permitir que seus amigos o fizessem:

— Não! Ninguém vai escrever impropérios à chave na lataria do carro dele! Nem azucrinar nas redes sociais, nem pensar nele! Nem eu! A vida há de ensinar. É um verdadeiro filho da mãe e ponto. Aliás, a Amanda foi quem mais me magoou e... Não! Ninguém vai riscar o carro dela também! – incrível essa habilidade que ela tinha de controlar o caos, mesmo quando mais precisava de um colo.

Ele passara os últimos dois meses silencioso, como deveria ser para toda a eternidade, mas um namoro de cinco anos não era o mesmo que uma relação de cinco dias. Era com Sara que ele gostava de conversar, principalmente sobre suas inseguranças. Ela era uma boa ouvinte e sabia guardar segredos, bem como dava conselhos baseados no que o outro vivia e não nas próprias experiências. Hoje, três de outubro, quando Sara mais esteve liberta desse fim de namoro caótico, ele resolveu aparecer e escreveu:

"Ei, morena, eu não quero dizer sim."

Depois de se refestelar com o caprichado almoço feito pela cozinheira da casa dos gêmeos, inspirada pelas personagens que vivera nessa manhã e achando seu "ah tá" insuficiente, Sara, que se estivesse apenas chateada com seu namorado por uma bobeira convencional teria respondido "eu não sou morena, sou negra", o que geraria uma discussão saudável até fazerem as pazes, enviou:

"Roger that."

"Oi, morena, não entendi."

"Vá estudar."

"Não é a Sara, quem está falando."

"Tenha certeza de que sou eu, Roger Ferré, porque não vivo e não preciso da sua vida de mentiras. E use o ponto de interrogação ao fazer perguntas. Desejo sorte aos seus futuros pacientes. Tchau."

E bloqueou o ex-namorado, coisa que já devia ter feito há tempos. Enquanto Angélica aplaudia o ato, Jo-Jo admitia sua ignorância:

— Se eu perguntar o que é "roger that" você também vai me mandar estudar?

Aos risos, Sara esclareceu:

— Não, porque te amo e porque você não cursou inglês, mas francês, o que é très chic. Roger that é uma expressão que se usa em comunicações por rádio, para que o interlocutor saiba que a mensagem foi recebida e entendida.

— Hum... Curta, grossa, e inteligente, Sarita pra presidente!

E entraram no mundomaravilhoso de trocas de roupa, músicas pop coreanas, performancese espelhos – atividade que durou horas, mas quem estava contando?

Jogo de confiançaWhere stories live. Discover now