13 - Desculpa pra beber

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Filippo começou seu dia envolto em estratagemas – reaver a sua relação próxima com Freitas era mais importante do que cumprir sua meta de vendas. Aos sábados, a loja funcionava somente até 13 horas, portanto ele teria tempo de sobra para tentar interagir com o amigo antes do encontro com Sara, o que era bom, pois nenhuma ideia brilhante lhe viera à mente desde que fora convencido a acolher e tentar nutrir a visão de mundo do amigo com novos direcionamentos, nem mesmo em sonhos, que foram pontuados pela presença de Sara e caldas de chocolate, que ele adorava.

Sara demorou a acordar, ficou um tempo na cama divagando sobre o que vestiria à noitinha para ver Filippo, mas logo lembrou que tinha marcado de tomar banho de cachoeira com a sua dupla dinâmica favorita, que viria lhe buscar, e saiu correndo pra se arrumar, antes de perceber que já havia sido incluída num grupo de mensagens intitulado "Corra, Sara, corra!", em que Jonas e Angélica mandavam a cada três minutos, alternados, fotos de suas ações matinais – como escovar os dentes fazendo pose – ou da região que iriam visitar, conseguidas no Google. Também não vira as mensagens de Filippo, que incluíam a palavra "chocolate" no jogo da verdade, mesmo não sendo a vez dele de sugerir qualquer coisa. Parece que alguém ficara empolgado com a noite de sono.

Em poucos minutos Sara estava arrumada – não se deu ao trabalho de tomar banho, pois faria isso na cachoeira, e assim economizaria um pouco da água do planeta, planejou. Então pegou o smartphone, respondeu às mensagens de Filippo (uma agradecendo e desejando um ótimo dia e a outra no grupo do jogo da verdade: "Prefiro pessoas doces e chocolate amargo. – Sonhos.") e caiu na gargalhada ao ver a galhofada dos amigos em mais um grupo de mensagens criado com o único intuito de lhe perturbar o juízo – era do conhecimento de todos que Sara personificava o atraso, mesmo quando acordava cedo e começava as suas tarefas sem enrolação.

A última mensagem do grupo mostrava que eles já estavam a caminho, portanto pegou uma bolsa de palha com seus pertences, largou de propósito o celular sobre a cômoda de gavetinhas multicoloridas – não misturava tecnologia com água desde o dia em que perdera um aparelho importado dado por seu padrinho, no Rio de Janeiro, ao fotografar a maré no Arpoador – e pegou uma fruta da mesa de mogno da sala. Beijou sua mãe, Tânia, que tinha a aparência severa, mas era um doce de pessoa, e saiu, para esperar os amigos na portaria do condomínio. Uma entrada simples e funcional, com paredão de hera e portão de cerca branca, que combinava com as casinhas coloniais de madeira. Sara, que gostava muito de arquitetura e paisagismo, olhava para aquilo tudo com certa tristeza, pois o local poderia ser mais bem aproveitado.

- Uau! An-gé-li-ca! Quem será esta mulher maravilhosa que avisto ao portão com a roupa da Sarita, o jeito da Sarita, a cara da Sarita, mas com certeza não a pontualidade da Sarita? – gritou Jonas, ao volante de uma picape azul, para ser bem ouvido pela amiga.

- Só pode ser um holograma, gêmeo! – berrou a irmã em resposta.

- Vocês vão ver quem é holograma, seus ingratinhos! – Sara demonstrava leve irritação enquanto entrava no carro e descobria uma cesta de piquenique. – Mas o que é isso, que não estava combinado? – Surpreendeu-se.

- Ah... – Começou Angélica. – Ficou decidido que passaremos mais horas na cachoeira do que na ideia original, porque pre-ci-sa-mos comemorar a conquista do meu estágio e a sua nova aquisição amorosa, além da novidade do nosso motorista de cabelos platinados... Aí a Neusa preparou esse mimo pra nós e o Biel nos deu um vinho...

- Ficou combinado? Com quem? Vocês envolveram até o filho da cozinheira, mas não fizeram o favor de avisar a mim, mesmo sabendo que tenho um encontro mais tarde e que não fico linda com um toque da minha varinha de condão?

- Ai, para, amada, você é uma diva até debaixo d'água!

- Todo mundo é maravilhoso quando está molhado, Jo-Jo!

- Ah, discordo, dependendo do tempo, a pele enruga, o cabelo fica chapado, e se a água estiver gelada, os homens...

- Você não está ajudando, Angélica!

- Ok, ok, desculpem o mau jeito... Amiga, relaxa, que vai dar tempo pra tudo. Só queremos comemorar a nossa última semana totalmente juntos porque Jonas, o elemento "Y" do trio... Adivinha!

- Ah, para! Ligou pra tia Cláudia e conseguiu o emprego?

- Não...

- Decidiu fazer logo o nosso tão sonhado intercâmbio de trabalho nos parques da Disney?

- Nah...

- Conheceu ontem o amor da vida dele, advogado formado, e vão fugir pra se casarem ainda neste final de semana, indo morar em São Paulo, onde virarão sócios em um escritório legal assim que Jo-Jo terminar a faculdade?

- Ui, que Allah te escute, amada! Ô imaginação fértil!

E Sara sorriu:

- Oras, se é pra adivinhar sem dicas, o que posso fazer é criar situações!

- Bem, pelo menos passou a sua irritação conosco. – Riu-se Angélica.

- Andem, me contem a novidade do Jo-Jo!

- Bem, tia Cláudia disse que não podia empregá-lo antes que ele tenha carteira da OAB, a menos que ele quisesse trabalhar de mensageiro – o que ele topou, mas...

- Mas...?

- Ela me arrumou outro estágio na parte jurídica da empresa do namorado novo!

- Eita, que maravilha! E que empresa é essa?

- Ah, nem sei, ela conversou comigo toda apressada, daquele jeito de sempre dela, de quem está completamente atolada de trabalho, mas vai me enviar os dados por mensagem e segunda à tarde eu vou lá me apresentar e conversar com o supervisor. Pra começar no mesmo dia.

- Gente, que loucura! Estou espantada com essa facilidade! Acho que vou ligar pra tia de vocês e pedir outro estágio pra mim, pra aproveitar esse mês de repouso!

- E por que você, que é a única estagiária do mundo que fica de férias, remuneradas ainda por cima, ia querer outro estágio? – Espanta-se Angélica.

- Pra adquirir experiência, ora! Quanto mais atividades distintas eu souber executar, melhor para a minha definição de carreira!

- Ah, para, você já está há tanto tempo na Supernova, que já pode substituir até a sua chefe! – Jonas declarou, parando o carro no estacionamento do parque.

Ainda fariam uma longa caminhada até a cachoeira, mas a beleza do local compensaria todo o esforço de carregar a pesada cesta de lanches e o vinho dado por Biel, que beberiam para brindar os sucessos da primeira semana de outubro.

- Gêmeos, confessem, essa ideia de piquenique foi só uma desculpa pra beber antes do almoço, não foi?

- Imagine! Apenas aceitamos um presente... – Respondeu Angélica com um sorriso travesso.

Do outro lado da cidade, Filippo aproveitou um momento de pausa no trabalho para responder o item "sonhos" enviado por Sara no jogo da verdade com:

"Os desta noite foram todos sobre você."

E complementou:

"Manda mais um, sei que furei a fila..." – Porém, como sabemos, ela não leria as mensagens tão cedo. Filippo não era ansioso, mas aquela interação com Sara tinha se tornado viciante, dava vontade de...

- Carvalho?

- Sim?

- Filippo Carvalho?

- Exatamente. Pois não?

- Oi, eu sou a Martha, do Departamento de Pessoal. – respondeu a senhora de pele parda, cabelos negros muito lisos e que carregava um óculos de grau pendurado na blusa e outro arrumado sobre a cabeça, como um arco. – Estou substituindo a Helena, que com certeza você conhece. Precisamos de sua presença na sala de reunião urgentemente. Doutor Régis o aguarda.

E Filippo a seguiu preocupado, pois ninguém era chamado a se reunir com o chefe de forma urgente para nada que fosse bom. TCC, romance novo, briga com o melhor amigo... Será que andava distraído demais?

Ao longe, Freitas os acompanhava com o olhar, impenetrável.

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