19 - Transcendental

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No dia seguinte, ainda sem novas notícias de Sara, o medo de ser rejeitado por sua condição financeira rugia em seu peito e a angústia por se sentir assim persistia. E se não houve acidente algum? E se a mensagem de Angel fosse mais uma atuação de Sara para se livrar dele à francesa? Ela chorou ao se despedir em frente à sua casa, mas também havia chorado quando fora Alícia, no ônibus... Ah! Sua cabeça fervia.

Mas isso não podia afetá-lo no trabalho, onde os projetos estavam mudando. Concentrou-se em tecnologia e vendas, mundo onde tinha real domínio e que não afligia o coração.

À tarde, Freitas saíra do salão acompanhado de Cibele e de um sujeito de cabelos descoloridos, quase brancos, e engravatado, mas não os viu voltar até a hora de se encaminhar para a área de manutenção de computadores, onde observava o trabalho dos técnicos, fazia e servia café, e ia embora frustrado. Quando dariam valor àquilo que ele tinha de bom?

Aquela segunda tinha sido um fracasso, e ainda precisava visitar a dona Iolanda, que reparou à porta o quanto ele estava arrasado, e lhe cobriu de quitutes açucarados.

- Parecia que estava adivinhando quando escolhi estes doces. – disse a senhora magra, idosa, cabelos pintados de acaju e óculos de gatinho estilo anos 50. Sempre bem arrumada, hoje o que chamava a atenção eram seus sapatos com estampa de onça.

Conversaram bastante durante o lanche e enquanto ele programava a sua smart tv na sala branca de sofá preto e decoração minimalista ("nada de bibelôs, eles só ajudam a juntar sujeira", dizia.). Ela quis saber tudo sobre a garota especial da semana anterior, e ficou encantada com o encontro de almas que acontecera aos dois.

- Então você acha que ela é minha alma gêmea?

- Não, rapaz, nenhuma alma poderá ser igual a sua, temos nossas particularidades e vivências, que nos tornam únicos, mas almas com afinidades podem se encontrar e viver sensações muito mais profundas do que as do interesse puramente carnal.

- A senhora já viveu isso?

- Tive muita sorte no meu casamento, pena que a vida o levou cedo. Contudo, as lembranças ficarão para sempre, gravadas na pele... Mas por que a carinha de tristeza, quando deveria dar vivas de alegria pela presença de Sara em sua vida?

- Será que ela ainda continua presente? – respondeu, desconsolado. E explicou o final da história, e todas as suas dúvidas acerca da rejeição.

- Mas meu rapaz, você precisa confiar mais em si! Ela se apaixonou por você ou por sua conta bancária?

- Não sei nem se ela se apaixonou...

- Oras, os jovens e suas cegueiras emocionais... Quer ter certeza? Procure por ela! Não é nenhum tipo de pressão ou vergonha correr atrás de quem se ama e, quanto mais você demora, mais a deixa apreensiva, pensando que você não se importa com o que ela sofreu.

Chegando em casa, a primeira coisa que ele fez, antes mesmo de tomar banho depois de um dia de carga tripla de trabalho, foi ligar pra Sara. Se tivesse quebrado, sei lá, os dedos, ainda poderia falar no viva voz.

- Oiiii... – atendeu ela, deitada em sua cama multifuncional usando fones de ouvido bluetooth que comprara em um desses sites chineses. – Tava com saudades – e não confessou estar preocupada com o silêncio dele desde o dia anterior, mas em sua cabeça, ela poderia estar se entregando de corpo e alma a alguém que só queria satisfazer suas necessidades carnais e depois sumir. De repente era por isso que ele não queria que ela o levasse em casa, muita intimidade, muito ter para onde voltar, se quisesse.

- Desculpe, tentei dar o espaço necessário para a sua recuperação... Além disso, o meu dia não foi nada tranquilo, mas pensei em você o tempo todo.

- Pensou o quê?

- Pensei que você não me queria mais – foi sincero, porque aquilo doía demais pra ficar guardado.

- E por que pensaria nisso?

- Já tive experiências assim. Já fui algumas vezes abandonado quando descobrem onde moro. E mesmo sabendo que você é diferente de toda garota, toda mulher, que já conheci, bate um medo de a situação se repetir.

- Você não precisa ter medo de mim, disse com a voz fraca. Eu vivo em uma situação de classe média, mas cresci sabendo que tudo pode mudar. Minha mãe já foi muito pobre. É a única das irmãs que cursou uma faculdade, e meu pai nasceu de uma família com dinheiro, mas que perdeu tudo com má administração e gastos desnecessários. Foi a partir de muita luta que eles conquistaram o que temos hoje.

- Ah...

- Achei que minha índole tinha ficado bem clara durante toda essa semana de conversas profundas – disse de forma severa. – Se eu sumi, foi apenas por conta do acidente e da necessidade de repouso. Minha mãe tirou folga e está na minha cola.

- Desculpe. São minhas inseguranças. Não queria ofendê-la.

- Tá ok, mas que isso não se repita.

- Não, de modo algum, meu amor.

Sara se engasgou. Chamar de "linda", de "flor da minha noite" ou de qualquer outro apelido era aceitável, até divertido, afinal trocaram intimidades profundas, tanto faladas e escritas quanto sentidas, mas não estava preparada para ser o "meu amor" de ninguém, não ainda, por mais que também se sentisse daquela forma. Queria ir devagar com os sentimentos.

- O que foi? – Perguntou ele.

- Ah, ainda não me acostumei a beber nesta posição meio deitada – inventou uma desculpa. – Mas me conta as novidades! Como foi a reunião do seu amigo?

- Não pude saber. Fui embora antes que ele e um engravatado saíssem da sala de reuniões. Mas o dia foi vazio e angustiante sem você.

- Own... – ela se derreteu. – Aqui só não foi um tédio total porque eu tinha livros pra ler. Como quebrei a perna, minha mãe os trouxe pra mim, estou lendo a série "Movimentos da Alma", de Karina Castro. São livros curtos que falam sobre como a dança é capaz de curar feridas e resgatar a nossa essência. Estou no que fala sobre a dança do ventre.

- Hum... Acho muito sexy.

- Se você merecer, um dia danço pra você.

- Você é cheia de surpresas. Impossível não estar apaixonado – ele falou sem planejar.

- Apaixonado? – Ela não pôde disfarçar desta vez.

- Sim, mas você não precisa me dizer de volta. Sei que estamos nos conhecendo ainda, nem sabia que lhe diria agora, foi uma necessidade... Só que esta certeza me preenche de tal forma que seria um erro deixar você sem saber disso.

- Oh... Você é encantador...

E findaram a ligação, com a mãe de Filippotendo o chamado da cozinha para fazer alguma coisa indecifrável.

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