15 - Tudo do que precisava

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E pegou um lápis para rabiscar mais ideias em seu caderno de sonhos e metas.

Já em casa, Sara, que desta vez tomaria banho de chuveiro, com direito a xampu e óleo corporal, correu a ler a resposta de Filippo no "jogo da verdade". Sorriu e respondeu "desejo" – hum, parece que alguém sabia ousar, hein, Jonas?

A resposta de Filippo foi quase imediata:

"Te conto mais tarde ao pé do ouvido."

Sara se arrepiou, arrependeu-se, motivou-se, sentiu certo medo... Não de Filippo ou da provocação, mas de estar se apaixonando tão rapidamente por alguém. Não fora assim com Roger, o único romance comparável em sua vida. Tá, ela também sabia que cada história é única, que o outro é um elemento imprevisível num relacionamento – ai, minha deusa, estava pensando em relacionamento? Para, respira... Ok, o outro é um elemento imprevisível numa escala de fatores onde é permitido se apaixonar. Isso, nada de se antecipar com rótulos. Se com Roger tudo fora devagar e deu no que deu, imagine o que poderia acontecer consigo se mergulhasse de cabeça numa relação. Não.

Às quatro e meia saiu de casa, pronta para encontrar um Filippo que, como todos nós sabemos, já a esperava na praça central, perto das mesinhas de concreto onde os senhores da cidade jogavam xadrez e gamão, segurando uma bolsa daquelas reutilizáveis, o que a deixou curiosa. Sentou-se no banco do carona do carro da mãe dela, um econômico prata, e foi guiando a garota até o tal local especial que imaginara para o segundo encontro. Então você me pergunta: Não tinham GPS? Waze? Um mapa? Mas a resposta de Filippo era das mais simples: não sabia o endereço, e não lembrava do nome do local.

Depois de muitas direitas, esquerdas e uma rotatória, os dois, que conversavam sobre preferências musicais – ele ficara abalado ao descobrir que ela gostava de K-pop e disse que a ajudaria a rever seus conceitos sobre os ritmos e letras que ela chamava de "mundo das trevas" – subiram um morro de caminho íngreme e circular, o que deixava Sara enjoada – imagine dirigir assim.

- Já estamos chegando? – ela perguntou ao fim da subida. – Preciso fechar meus olhos por algum tempo.

- Podemos estacionar aqui, se quiser, e continuar a pé depois que você melhorar.

Sem pensar duas vezes, Sara estacionou ao lado de uma pequena capela de pedra, e saltou do carro, encostando a cabeça em sua lataria. Filippo deu a volta e colocou uma lata de água tônica em sua mão, perguntando:

- Será que isso ajuda?

- Ih, não, querido... – os dois registraram o uso da palavra, ela com susto, ele com satisfação – ...essa coisa de que água tônica cura enjoo é puro mito, ainda mais quando se fala de cinetose.

- Cinetose...?

- Esse tipo de enjoo que se dá quando em movimento; carro, ônibus, barco viking do parque de diversões... Anda, vamos, eu continuarei de olhos fechados e você me leva pela mão para onde temos que ir.

- Tem certeza disso?

- Claro, vamos! – E esticou a mão esquerda.

Ao entrelaçar seus dedos aos dela, Filippo se sentiu mais seguro do que em qualquer momento anterior com Sara. Sugerir caminhar às cegas com ele era um incrível sinal de confiança.

Sara não pôde ver o caminho, contudo, podia senti-lo. A experiência para ela era extraordinária, como ir àquele restaurante no Rio de Janeiro, em que se comia vendado. Lá, cada gosto, cada som, cada momento se tornava ainda mais especial. Ali, com Filippo, não poderia ser diferente. Enquanto avançavam, tentava adivinhar o que não via. O cheiro a lembrava mangas, então desenhou em sua mente altas mangueiras ladeando um caminho de paralelepípedos, notados pelas constantes vezes em que precisaram parar para desencaixar os saltos de seus sapatos de algumas das pedras – por que Filippo a recomendara sobre o uso de calças para o passeio, mas não falara nada sobre sapatos? Homens pecam em cada detalhe...

- Chegamos, e sugiro que você abra os seus olhos, ou perderá o pôr do sol mais bonito de Nova Antares.

- Impossível, o mais bonito é em... uau!

Estavam diante de uma clareira, e ali não havia mais paralelepípedos, mas terra seca. O ambiente parecia ter sido feito mesmo para visitação, pois contava com um banquinho de madeira e canteiros de flores, ora verdes, ora de cor bordô, que Filippo disse se chamarem "crista de galo". Também explicou que o local fora moda da cidade há uns 30 anos, mas que hoje andava esquecido. Só o conhecia por conta da indicação de uma cliente mais idosa.

E Sara agora se arrependia por ter pensado que homens não sabiam nada sobre detalhes, já que sapatos valiam pouquíssimo frente àquele visual tão sublime e delicado; passou por uma estreita área, ladeada por guarda-corpos feitos com troncos de árvores, ficou descalça, e correu até a borda do que descobriu ser o Mirante da Estrela.

- Tá escrito aqui, lindeza! Perto dessa luneta! – gritou.

Ela o chamara de "lindeza", mas ele não sabia que era apenas uma expressão que usava com quem tinha certa intimidade, então se sentiu mais confiante. Foi até ela, largou a sacola no chão, e lhe deu novamente a mão.

Sara sorriu para ele:

- A impressão que dá é que daqui se vê toda a cidade... O visual é lindo! E neste pôr do sol, laranja e rosa, nossa... Obrigada por escolher este lugar!

E lhe beijou. Um beijo longo e ritmado.

Ai, que saudades desta boca, desta pele, deste cabelo, desta cintura, deste desassossego, desta disritmia... Filippo não queria mais nada na vida. Neste momento, todos aqueles planos pra reformar o quarto, se formar, conseguir um empréstimo, criar um aplicativo, vender o aplicativo por um valor alto, abrir a própria empresa e viajar o mundo caíam por terra, eram apagados de sua mente, porque Sara, Sara era tudo do que precisava.

Jogo de confiançaWhere stories live. Discover now