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Dedico este capítulo à @@goodlemon ♡♡♡


– Miguel

Apertei, botão a botão, a camisa branca perfeitamente engomada que me era requerido usar para a cerimónia. Quando cheguei ao colarinho, ajeitei a cruz de prata que tinha ao pescoço: foi a minha avó que me deu hoje de manhã, por ser do meu avô. Deu um nó na gravata preta, e coloquei-a ao pescoço; depois as calças pretas, o blazer preto, os sapatos pretos. De repente parecia que o funeral era o meu. Era tudo tão recente, ainda doía tanto, todo este processo: a vestimenta preta, a cerimónia funerária, as condolências dos parentes... só me apetecia desaparecer outra vez, como fiz ontem. Olhei-me ao espelho: o meu cabelo estava despenteado, os meus olhos vermelhos e por baixo destes, as minhas olheiras eram visíveis a quilómetros de distância – não tinha conseguido dormir a noite toda –, mas pelo menos o fato estava impecável.

"Miguel." Ouvi a minha avó à porta. "Estás pronto filho?"

"Sim avó, vou já."

Inspirei fundo e larguei um longo suspiro, tinha que preparar-me para viver o dia que eu esperei que nunca chegasse. Segui a minha avó, que vestia também a sua indumentária negra e tinha a cara no mesmo estado que o meu. Alguns familiares e amigos estavam reunidos na sala de nossa casa. Entre eles, boas e más noticias: a Aurora, acompanhada dos seus avós, que tinha o cabelo rosa parcialmente apanhado atrás, envergava um vestido modesto preto que lhe assentava na perfeição e me olhava com toda a ternura e amor do mundo; e os meus pais e o meu irmão, que tinham conseguido – não sei como – tirar um dia das suas vidas muito atarefadas e cheias de sucesso para vir ao funeral. Eles foram os primeiros a vir ter connosco.

"Mãe, filho." Suspirou o meu pai e juntou-se a nós num abraço.

Por muito que quisesse odiar aquele tipo de contacto com ele por nunca ter mostrado qualquer tipo de preocupação connosco, não conseguia, pois, sabia que também estava a sofrer.

"Os médicos disseram que não foi doloroso, ele está bem, ele vai ficar bem." Falou a minha avó, como se ainda tivesse esperança de o voltar a ver.

A seguir foi o Ricardo que me abraçou. Parecia triste mas não chorava; não podia censura-lo, nunca tinha desenvolvido uma grande relação com os avós. Por último, a minha mãe, sem nunca perder a sua classe, agarrou-se a mim enquanto derramava algumas lágrimas de crocodilo – nunca gostara dos seus sogros. Poderia estar contente por pelo menos terem vindo ver como estávamos e dar-nos o seu apoio, mas não conseguia, pois só os via quando algo mau acontecia e enquanto assim continuasse, era impossível ter boas recordações deles ou querer voltar a vê-los.

"Com licença." Sussurrei e afastei-me da reunião familiar.

Ao ir de encontro à Aurora, foi intercedido por uma data de tios e vizinhos a quem eu prestava ajuda, que me deram os seus pêsames e me disseram o quando o meu avô era boa pessoa. Sim, minha senhora, acredite, eu sei. Tentei esquivar-me o mais depressa possível, só queria aterrar nos braços dela e ficar lá até tudo isto passar.

"Miguel." Ela sussurrou baixinho e puxou-me para um abraço firme, o que estava mesmo a precisar. "Não te preocupes, eu vou segurar a tua mão durante todo o caminho." Olhou-me nos olhos enquanto proferia a frase, dando-me um beijo carinhoso e demorado na bochecha depois.

E fiquei calmo. Não sei como nem porquê mas ela conseguiu acalmar toda ansiedade que me estava à flor da pele, pronta para explodir. Até agora ela tinha sido a única que não me tinha dado a sua pena, que não me tinha tratado como um coitado e o seu apoio e a sua presença preenchiam aquilo que faltava no meu peito. Na verdade, a vida não era sim tão injusta pois era como se deus tirasse com uma mão e desse com a outra e eu podia contentar-me com isso.

Quando a Cidade se Apaixona pelo CampoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora