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Dedico este capítulo à  cristitin 


– Aurora

Estava calmamente na sala de estar, cheia de cobertores e acompanhada do meu chocolate quente para combater o frio do início de janeiro, enquanto trabalhava nos meus rascunhos. De repente, oiço a minha avó a caminhar desalmadamente escada a cima e a entrar em casa de rompante.

"Aurora!" Chamou.

Levantei-me e fui ao encontro dela, preocupada pelo seu estado alarmado.

"Estou aqui avó, o que se passa?"

Ela estava aflita, num misto de tristeza e histeria.

"Ai filha, foi o Manuel. Ele, ele..."

O coração saltou-me do peito, palpitando a mil.

"O avô do Miguel? O que se passa? Fala avó, por favor!"

"Ele faleceu Aurora, esta manhã."

Merda. Mil vezes merda. O meu pensamento voou de imediato para o Miguel, o meu Miguel. Como é que ele está? Onde é que ele está? O que está a sentir? De que tamanho será a sua dor? Ele falava tanto dos avós, que eram o seu pilar, que foram eles que o ajudaram a ultrapassar tudo, que sem eles não conseguiria continuar.

"Como é que soubeste 'vó? Falaste com a Sra. Adelaide? Com o Miguel?"

"Vim agora de casa deles, tive um bocadinho com a Adelaide e depois ela pediu-me pra ficar sozinha. O Miguel não o vi, não estava em casa."

Senti um forte aperto dentro do peito, quase como se fosse parte da dor que ele estará a sentir neste momento. Pobre Miguel, justo agora que estava a conseguir juntar os cacos no seu interior. Tinha que ir ter com ele, tinha que correr ao seu socorro.

"Obrigada pela notícia avó, vou ter com ele." Falei a correr, tendo apenas tempo de pegar num casaco e sair.

Ele não estava em casa mas eu tinha a certeza do seu paradeiro. Fiz o caminho todo a correr: passei pela rua dos terrenos, pelas estradas estreitas e cada vez mais ingremes até avistar o grande monumento branco com a cruz de bronze no alto e as altas portas de madeira. A tentar recuperar o folego, entrei pela porta das traseiras, que estava destrancada: ele estava cá. Passei pela sacristia que me levou até uma entrada lateral na igreja e avistei-o de imediato.

Não se ouvia choro; ele estava sentado no primeiro banco em frente ao altar, com os cotovelos apoiados nas pernas e a cara caída nas mãos. Caminhei lentamente até ele, não o queria assustar.

"Miguel." Sussurrei o mais suave que pude.

Olhou para mim; tinha o rosto pálido, os olhos vermelhos e inchados das lágrimas que já verteu e o cabelo parecia mais despenteado do que o habitual.

"Aurora... como é que me encontraste?"

"Disseste-me que vinhas aqui quando estavas frustrado ou triste, principalmente com coisas que não consegues controlar. Num momento destes, sabia que ias estar aqui."

Ele mostrou-me um pequeno sorriso mesmo apesar da sua dor.

"Não estou habituado a que prestem muita atenção ao que eu digo mas és tu, a minha Aurora."

Como é que mesmo em puro sofrimento ele conseguia continuar a ser tão carinhoso?

Ficamos um bocado em silêncio; só se ouvia a sua respiração lenta e pesada. Ele não chorava e não falava, encarando o chão novamente. Sabia que estava a guardar toda a sua angústia só pra si e eu não queria isso.

Quando a Cidade se Apaixona pelo CampoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora