| I Don't Mind |

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Observo-a aproximar-se, não de Harry, mas de mim, o que me surpreendeu e pousou de seguida o ramo de rosas negras sobre o meu colo.

Observo-lhe a cara, murcha e dá-me vontade de lhe agarrar os cabelos arrastando-a até à janela mais próxima, mas limito-me a expirar e encará-la.

- Agora explica-me essa cor preta. Já não te chegava teres de tratar com tratas ainda tens de me tratar mal até as rosas que me ofereces? - encaro-a já zangada.

- Isso demonstra luto. Pela pessoa idiota que és. Tenho pena de ti, sabes porquê? Porque não vais conseguir amá-lo, nem tu a ele e muito menos ele a ti. - ela dá um riso sarcástico.

- Vieste até aqui só para me dizer isso? Deste-te ao trabalho de pagar portagens para vires ter comigo e mostrares no meio de todo esse teu disfarce que na verdade tudo o que queres é levá-lo contigo? - eu digo-lhe e a minha testa enruga-se quando faço contacto com os seus olhos azuis - Pois ouve-me bem, não vai ser hoje nem nunca que eu o vou deixar, mesmo que ele fique careca e perca os dentes eu vou lá estar para os apanhar, vou lá estar quando ele comprar finalmente a primeira peruca dos chineses e vou lá estar mesmo quando ele começar a usar um andarilho. É isso Kim, não vais tirá-lo de mim, porque eu o amo, e se algum dia ele deixar de me amar, não vai ser isso que me vai impedir de continuar a amá-lo. Enquanto eu aqui estiver, o meu coração vai pertencer-lhe. Era o querias ouvir, foi o que ouvis-te. - eu expiro e agarro nas flores.

Fecho os meus olhos por uns segundos e ouço um expiro saído das profundezas mais escuras do corpo de enguia dela.

- Desculpa. - ela diz quando estou prestes a atirar-lhe as flores que me tivera entregue.

- Não ouvi bem o que disseste, tu estás a desculpar-te? - eu interrogo-a.

- Eu estou em tratamento, foi-me diagnosticada SIDA e o meu tempo de vida não se prolonga por muito mais tempo, apercebi-me das coisas más que fiz. Principalmente a ti. - ela encara Harry - Eu não devia ter-te obrigado a passar todo aquele tempo comigo. Enquanto tu desabafavas tudo o que vinha na tua alma, eu divertia-me a ver-te suar em cima de mim. - ela observa as palmas das mãos.

- Kim, poupa-me os detalhes por favor. - eu peço meia irritada embora que magoada com a sua situação.

- Tudo bem. - ela engole em seco - Depois desses tempos eu precisava de mais e com algum dinheiro do pai comecei a frequentar várias casas de "meninos" e foi aí. Não devia ter feito isso. Acabei mal. Pior do que imaginava. - ela diz e acaba por limpar as lágrimas que lhe correm dos olhos.

- Kim, vem cá. - eu peço e ela aproxima-se de mim e eu puxo-a para a abraçar.

Na verdade, eu não sei bem o que ela está a sentir, mas sei que algo de bom não poderá ser. Sei como se sente o meu pai, que lhe restam poucos dias. A ideia da morte deve alastrar-se por todo o cérebro e deixar que a depressão a consumisse por completo.

- São não deixes que os teus demónios te consumam. - eu sussurro contra os seus cabelos enquanto ela chora num dos meus ombros.

Em parte, sabia que este dia poderia de ser um de muitas possibilidades na vida de Kim, ao fazer o que tem feito e com a doença que esta tem, sabia também que a cada momento que passava segundos da sua vida estavam a ser queimados e que não iriam durar por muito tempo.

- Kim, está tudo bem miúda. - Harry diz com um sorriso caloroso - Vai dar tudo certo. - ele abre os seus braços para ela e Kim esforça um sorriso para ele deixando o meu ombro e deitando a cabeça sobro o ombro de Harry.

Os meus olhos não deixaram de os olhar, mas ela estava demasiado séria até para mandar mais algumas das suas bocas que na verdade sinto que desapareceram de vez. Sabia que ela também teria de ganhar juízo pela vida que tem pela frente e sabia que também que seria em sofrimento que ela viveria.

Enquanto Harry fala com Kim que se encontra sentada em frente a ele, lembro-me e meu pai. Sabia que lhe restavam poucos dias, uma semana no seu máximo e sabia que teria de arrumar as minhas coisas na nova casa para que pudesse voltar para o pé dele o mais depressa possível. Talvez este assunto se tenha estendido demasiado. O assunto Kim teria sido terminado neste momento, Kim estava mal e tivera acabado de pronunciar o que a impediria de usar a sua doença a seu favor.

Pelo contrário eu teria uma chamada a fazer a meus pais e talvez esta tarde teríamos alta e com sorte teríamos a sorte de Robin ter-se apercebido da situação e estivesse a par do momento.

Mas o telemóvel escorrega-me das mãos caindo sobre a cama, nas minhas pernas quando observo minha mãe entrar de preto pela sala do hospital junto de Alaska que limpava ainda algumas lágrimas.

Ela chega-se ao pé de mim e pousa as suas mãos nas minhas.

- Lamento meu amor. - minha mãe pronuncia-se.

- O papá gostava de nós. - Alaska sussurra para as suas mãos cruzadas.

A minha cabeça descai-se na cama e os meus olhos fecham-se, sinto lágrimas deixarem-se cair pelas minhas bochechas abaixo e Harry chamar por mim. Mas eu não queria nada. Queria apenas que o meu pai estivesse ali para ver os arranhões que eu teria feito e para me acalmar com uma das histórias boas que trazia sempre consigo, na sua mente. Eu precisava tanto das suas palavras. Mas agora, eu não teria nada. Nem a felicidade de ter uma família completa eu tinha.

- Ellen. Ellen. - os meus olhos abrem-se enquanto eu ouço a máquina a meu lado marcar o ritmo acelerado do meu coração e a voz meia rouca de Harry chamar-me - Vamos para casa, vai ficar tudo bem. - Harry pronuncia-se em frente mim enquanto me limpa as lágrimas abaixo dos meus olhos.

Esforço a minha coluna a erguer-se aconchegando-se no peito de Harry que me fazia carícias sobre o cabelo e me beijava no cimo da cabeça.

- Está tudo bem. Vai tudo ficar bem. - ele sussurrava uma e outra vez enquanto eu o apertava contra mim e deixava que as minhas lágrimas inundassem a roupa que o hospital lhe tivera vestido enquanto dormíamos.

Não estava bem. Não estava bem, de todo. Mas naquele momento, quem estava?

OUR DEMONS : hs (disponível também em livro)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora