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Depois de horas encarando o teto, resolvo levantar e adiantar uns assuntos da escola. Sei que é inútil tentar dormir, já virou rotina olhar para cima e decorar mentalmente cada detalhe do meu teto.  Jhack se tornou uma constante em meus pensamentos, mesmo eu tentando não deixa - lo lá, mas ele persiste, me deixando cunfusa e extremamente carente. Já se passaram dois dias desde aquele dia em que o vi de papo com aquela morena, e desde então ainda não nos falamos, excerto pelo bom dia e boa tarde nada fora da formalidade. E cada vez mais me sinto esquisita, incomodada. Quando percebo que ele não dirá mais nada além do bom dia, fico absolutamente decepcionada. Sinto falta de suas provocações, e suas insinuações, não que eu gostasse! Mas aquilo me fazia sorrir, as vezes!
Olho para o relógio digital em cima da mesinha que marca três e cinquenta da madrugada, e tento inutilmente me concentrar nos trabalhos, mas está tão difícil! Agora nem trabalhar mais eu consigo? Ótimo! Levanto irritada à procura de algo para beber. Já na cozinha, bebo um suco de laranja, e sou surpreendida por uma voz:
- O que faz acordada a essa hora Cas?
Viro-me e encaro minha amiga, que está com uma camisola vermelha de bolinhas.
- É... bem, eu...
- Não consegue dormir?
- Sim.
- Igual à todas as outras noites?
- Sim.
- E qual o motivo?
- Não sei.
- Pois eu tenho um palpite.
- Ah é? E qual é?
- Jhack.
Rio com desdém, mas essa risada sai mais como um riso nervoso.
- Você só pode estar de brincadeira. - Olho em seus olhos, séria. - Não é?
Ela cruza os braços e se encosta no balcão.
- Mas é claro que não! Cas olhe só para você! Em todos esses anos que vivi com você eu nunca a vi com insônia, você dorme feito pedra! Nunca teve problemas para dormir, mas agora vive tomando remédios para dormir, fica andando de madrugada pela casa feito um fantasma, e ainda tem essa suas olheiras. Estão horríveis!
- Deixe minhas olheiras em paz. É só a escola Gi! Estou ocupada demais, as notas baixas dos alunos estão me preocupando muito. Você imagina como é difícil ensinar matemática? Os alunos tem preguiça de aprender...
- Não meta a merda da matemática no meio! - Interrompeu - me - Por que você não admite as coisas?
- O que você quer que eu admita?
- A questão não é que você admita para mim, e sim que admita para você mesma.
Olho pasma para ela. Desde quando Gisele é conselheira amorosa?
- Parece até meu pai falando.
-Ha ha, muito engraçado! Eu aqui fazendo meu papel de boa amiga, para a amiga que está sofrendo, que não está conseguindo dormir, e que não quer admitir isso, e você tirando uma com a minha cara. Pois saiba - ela pega o guardanapo em cima do balcão - que assim começa.
Ela sorri joga o guardanapo em mim e eu desvio. Sorrio também, vendo - a subir a escada. Mas meu sorriso desaparece quando a ficha cai. "E assim começa" Repito essas palavras na minha cabeça. E assim começa quando se está apaixonada.

No final de semana, fico trancafiada dentro de casa, claro que por opção, decidida a nem por um pé para fora, a não ser se for para jogar o lixo. Gisele, como sempre vai sair. É sábado à noite, e está a uma hora e meia no banheiro se produzindo. Insistiu para que eu a acompanhasse mas desta vez eu não cedi. Não caio na sua de novo, prefiro a segurança da minha casa. E ainda tenho uma pilha de trabalhos para corrigir, e aulas para planejar. Trabalho não me falta, o que anda me faltando mesmo é concentração. Outro dia troquei as notas de dois alunos, um seis por um nove, a esperta mocinha quase pulou de alegria mas o outro que ficou com o seis, não gostou nada. Deu uma baita de uma confusão, prometi ao sr. Augustus que isso não voltaria mais a acontecer. Ontem, coloquei a máquina de lavar roupa para funcionar sem roupas dentro. Quando fui verificar se já estavam limpas, não havia nada lá, excerto pelo sabão e água. Gisele não pode sonhar que isso aconteceu!
- O que acha?
Irrompe Gisele pela porta. Deslumbrante. Vestida num curto vestido de alcinhas com um generoso decote preto com lantejoulas que refletem a luz quando ela se movimenta, e usa uma sandália de tiras também preta. A pesada maquiagem marca muito bem seus olhos azuis, e sua boca parece que sangra de tão vermelha que está.
- Você sempre está linda Gisele. - Elogio e sorrio para ela.
- Ainda acho que você deveria vir comigo.
- Nem em sonhos! Não insiste por favor.
- Tudo bem. Mas depois que ficar velha e sua única companhia for uma duzia de gatos, não reclama para mim!
Reviro os olhos, ela é tão dramática!
- O.k. srt. Dramática!
Ela ri e sai desfilando.
Agora sozinha, e sei que pelo resto da noite, decido descer e tomar um bom copo de vinho, só para espairecer.
Coloco uma música suave, encho uma taça com vinho e sento no sofá macio. Tão mais macio agora. Encosto a cabeça e fecho os olhos, aproveitando as sensações. A melodia suave me transporta para outro mundo. Um mundo onde só eu conheço, bonito e tranquilo. Meu mundo particular. Onde um imenso campo verde se estende até onde a vista não pode alcançar, no centro um coreto branco, esplêndido em detalhes, me aproximo dele, anjos entalhados tocam os mais diversos instrumentos, harpa, violino, flauta, violoncelo, e infinitos outros.  Toco com minha mão em um anjo, que parece dançar ao meu toque, sorrio. Os cheiro de jasmim penetra meus sentidos, fazendo - me inclinar a cabeça para trás e inspirar o delicado aroma. Corro alegre pelos campos e um lindo cavalo branco me acompanha, ele inclina- se sugestivo, convidando-me a monta-lo. Faço uma breve reverencia e subo em suas costas poderosas sentindo seus músculos rígidos debaixo de mim. Ele trota tranquilo, a leve brisa faz meus cabelos voarem, e o único som é a melodia suave que toca ao longe.
Mas sou abruptamente transportada para realidade por um som insistente na campainha. Maldita Gisele, vive esquecendo as malditas chaves. Levanto irritada em direção à porta, e no caminho tropeço nos meus próprios pés. Mordo o lábio para não falar qualquer coisa da qual me arrependa depois.
Abro a porta ainda olhando para o meu pé direito que dói devido ao baque.
- Não sei qual é o seu problema, mas pega logo as chaves e feche a porta ao sair.
- Tem certeza que quer que eu faça isso?
Arregalo os olhos ao ouvir tais frases. Reconheço imediatamente a voz, grave e macia. Perco um pouco o equilíbrio e sinto suas mãos segurarem meus cotovelos. Olho para cima e o choque é ainda maior. Incríveis olhos azuis me observam.

Como Não se ApaixonarWhere stories live. Discover now