Capítulo 61 - Miguel

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Eu não conseguia acreditar que aquilo estava mesmo acontecendo com a nossa família, depois que deixei pra trás a vida no morro, depois de abrir mão de tudo o que tinha lá e vim pra um lugar que nunca conheci, pra recomeçar minha vida e cuidar de Camila e da nossa família.

Agora eu estava com uma mala cheia de dinheiro na minha frente e algum filho da puta ameaçando a vida da minha mulher e dos meus filhos. Em troca teríamos que usar o supermercado como um dos pontos de lavagem de dinheiro da facção.

Encarei meu irmão sentindo meu sangue ferver, eu não tinha deixado de ser chefe do morro pra aguentar um merdinha me ameaçando e querendo me obrigar a fazer alguma merda.

— Vamos omitir isso, Camila não precisa saber e a mantemos em segurança. É apenas lavagem de dinheiro pra facção, que mal pode ter nisso? — meu irmão repetiu pela milésima vez, desde que acordamos a gente estava ali na cozinha discutindo essa porra.

Eu não queria mentir pra ursinha, ela tinha confiado na gente, tinha me perdoado depois de surtar e quase a matar enforcada. Nossa garota tinha me dado uma segunda chance, uma oportunidade de fazer as coisas certas e poder fazer parte da vida do meu molequinho e da nossa princesa, eu não queria estragar tudo isso mentindo pra ela.

— E quando ela descobrir o que a gente faz? Sabe que aquela garota é uma fera e não gosta de ser enganada. — lembrei a ele, já que os meses de paz e felicidade fizeram Vitinho esquecer que Camila era uma força da natureza, um furacão pronto para destruir nossas vidas se a gente pisasse na bola de novo.

— Você prefere arrumar as coisas e fugir? Podemos vender o supermercado e sua oficina, por hora nossas opções são fugir ou aceitar o acordo deles.

— Não, nossa garota está feliz aqui, na cidade que ela cresceu, perto da igreja que ela foi criada. A mudança também pode não fazer bem pro Juninho. — bufei enchendo minha xicara com café pela segunda vez. — Se fugirmos agora vamos acabar fugindo sempre, daqui a pouco não vai ter lugar nesse Brasil pra gente.

— Podemos voltar pro Rio também, somos respeitados lá, você tem história com aquele pessoal, eles podem nos proteger.

Me levantei coçando a cabeça enquanto via as nuvens pesadas do lado de fora. Voltar não era a solução, só de pensar em voltar pro tráfico e criar João Pedro e minha Mariazinha no meio do crime meu corpo estremecia.

Se eu já não gostava da ideia de Juninho naquele meio, agora menos ainda. Também eram três crianças que eu tinha que me preocupar com o futuro, não podia ser morto porque eles também eram minha responsabilidade. E sabíamos bem que não se sai do tráfico sem ser morto, eu tinha conseguido isso uma vez, não ia testar a sorte mais uma vez.

— A gente tem dinheiro pra arrumar segurança, não é esse o problema aqui. Precisamos de uma estratégia, fugir e voltar está fora de cogitação.

— Mas o que então? Porque quanto mais a gente conversa, mais eu vejo que não tem nenhuma outra opção além de aceitar a proposta deles. — ouvi o farfalhar das notas enquanto Vitinho pegava alguns maços na mão.

— Miguel tem razão. — a voz de Camila me fez erguer a cabeça no mesmo instante, meu irmão puxou a bolsa para baixo da mesa, mas era tarde de mais ela já tinha visto. — Não vamos fugir, nem voltar. Também não vamos mentir para a família! — ela olhou para Vitinho e ergueu uma sobrancelha, mostrando que tinha escutado muito da nossa conversa.

— Amor desculpa, eu só queria te proteger.

— Não me contando que tem algum desgraçado me cercando e vigiando enquanto eu passeio com nossos filhos? Sim, continue dizendo a si mesmo que isso é para minha proteção. — ela sacudiu a mão na frente dele, deixando claro que não queria mais ouvir desculpas esfarrapadas. — Nós vamos fazer o certo dessa vez, o certo pra essa família e para essa cidade.

— E o que você tem em mente? Estamos sem ideias aqui. — falei torcendo para que o cérebro brilhante dela conseguisse uma saída para nós.

— Vamos até a polícia. — arregalei meus olhos chocado com as palavras dela e Vitor se levantou no mesmo instante. — Vamos contar a história, mostrar as fotos e o dinheiro.

— Ficou maluca? Não trabalhamos com a polícia, tem ideia de que você se envolveu com dois chefes de morro? — bradei antes que ela continuasse com aquela ideia. — Vitinho fazia a contabilidade do tráfico e era advogado de bandido, e eu era um traficante! O que acha que vai acontecer se pusermos os pés em uma delegacia?

Não tinha a menor chance de eu trabalhar com a polícia, ela podia ter esquecido que o homem que ajudou Bruno a tomar o morro de nossas mãos era um policial.

— Foi um policial que me torturou, Camila! — Vitor exclamou a voz tremendo um pouco. — Foi um desses desgraçados que grampearam a porra de uma lista de exigências no meu peito. E agora você quer que a gente vá até lá de boa fé e entregue o dinheiro, as provas e nomes.

— Basta só uma digital nossa e a gente pode nem sair de lá. Ficou maluca?

Ela olhou de um para o outro por um longo tempo, antes de soltar o ar e se sentar onde eu estava sentado minutos atrás.

— Vocês escolhem, fazer a coisa certa por nossos filhos e do Juninho, ou eu mesma faço. Pego tudo isso, vou até a polícia e conto tudo, depois saio do país com os três e vocês nunca mais vão nos ver.

— O que? — questionei sem conseguir acreditar no que ela tinha acabado de falar.

— É isso mesmo que ouviram, aquelas três crianças no quarto são a minha prioridade aqui, vou colocar eles a cima de qualquer coisa. — ela disse determinada e então nos encarou, mostrando que não estava brincando. — Amo vocês dois, mas não vou deixar que arrastem essa família de volta para o crime ou que nos façam viver como fugitivos.

— Então você está disposta a nos ver ir presos e passar anos atrás das grades, perdendo de ver nossos filhos crescerem, impedidos de te proteger, de proteger nossa família? — Vitinho perguntou exatamente o que passava na minha cabeça.

— Vocês não vão ser presos, vamos fazer um acordo. Os dois estão fora do crime, não são mais valiosos, mas essa facção sim! — ela colocou pra fora o que passava naquela cabecinha. — Quantas pessoas vocês acham que eles chantageiam também? Quantos outros negócios fazem lavagem de dinheiro pra eles? A polícia federal deve estar na cola dessa facção há muito tempo e não só pelo dinheiro, mas sim por todos os crimes que eles cometem!

Então tudo começou a fazer sentido em minha mente, às peças começaram a se encaixar.

— Está dizendo que deveríamos trabalhar como ratos infiltrados, entregando a polícia tudo sobre a facção?

Os Chefes do MorroOnde as histórias ganham vida. Descobre agora