Capítulo 15 - Miguel

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O baile estava lotado como sempre e eu gostava daquele jeito, geral se divertindo, dançando, bebendo e se pegando. Estava no camarote, era como uma varanda enorme, muitos queriam subir até ali, principalmente as garotas que sempre ficavam tentando chamar atenção.

Mas essa noite não tava parecendo a mesma coisa, nem Vitinho tava no clima, parecia mais ocupado em conversar com o amigo racker do que nas garotas rebolando na batida do funk.

- Está distraído hoje. - Dany falou deslizando as unhas afiadas por meu pescoço. - Quer uma ajudinha?

Eu tinha ido buscar ela com outras ideias, era a pessoa perfeita pra tirar todo o estresse dessa semana de cão e pra me fazer parar de pensar em lábios carnudos, olhos castanhos e uma pele negra macia de mais, vulgo Camila.

Mas mesmo com ela ali no meu colo, sacudindo a bunda no ritmo da música, isso não me animava para nada. Meu pensamento tava toda hora voltando pra aquela garota e eu me perguntando o que ela deve tá fazendo.

- Mais tarde gata. - respondi pegando outro cigarro e dando um tapa de leve na bunda dela.

- Eu vou dançar então.

Dany se levantou se juntando com as outras minas ali dançando, a cada rebolada o vestido dela subia um pouco mais, quase mostrando tudo e a safada se virou olhando pra mim e sorrindo.

E minha mente se embaralhou toda, por um minuto imaginei Camila rebolando daquele jeito toda solta e assanhada, sorrindo e me olhando querendo que eu fosse até ela, segurasse no seu quadril mostrando pra todo mundo que ela tava comigo, que era minha.

Porra, que merda tinha de errado comigo. Bufei pegando meu celular mais uma vez, querendo saber se Bruno tinha alguma novidade, mas a resposta foi a mesma de meia hora atrás.

Bruno: tá tudo certo aqui chefe, a casa toda apagada, eles já devem tá dormindo.

Eu sabia que Juninho tava no décimo sono, quando sai de casa o muleque já tava com os olhinho murcho, mas a garota eu duvidava, Camila com certeza continuava enviando currículo pra Deus e o mundo, desesperada pra não precisar aparecer lá em casa.

Não esperava que ela fosse ficar assim, achei que só iria não quer querer mais papo comigo e com Vitinho, mas pelo visto a onça braba que vi no primeiro dia enfrentando os muleque, tava só adormecida e o que falei hoje a tarde tinha acordado ela.

- Eai Bianca! - ouvi Vitor gritar atraindo minha atenção. - Chega ai, qual foi da cara feia?

Bianca dançava com Rock, um dos caras que trabalhavam na boca, eu sabia que eles tinham um rolo e que não era nada sério, a garota não queria ser enlaçada por nenhum traficante, jurava que ia casar com um ricaço gringo, mas adorava se pegar com os cria da favela.

- Qual foi da cara feia? Qual foi a de vocês, ou pensa que não sei o que falaram da minha prima? - a garota parecia um furacão enfurecido, Rock até tentou segurá-la pelo braço, mas não deu jeito. - Não é porque ela trabalha na sua casa e vocês deram um beijinho que pode tratar ela do jeito que quiser não!

- Não sei o que tu ficou sabendo, mas não foi bem assim não...

- Ahh não? Então seu irmão não falou que ela não é garota pra vocês e que só é paga pra cuidar do Juninho? - ela peitou ele apontando um dedo na cara dele, era bom que fosse com ele, porque comigo não tinha aquele desrespeito todo.

- E tem alguma mentira nisso que falei? - abri a boca e a mina se virou pra mim, cuspindo fogo.

Ela parecia com Camila, as duas eram negras e altas, do corpão, mas enquanto a ursinha tinha uma áurea de anjo, a prima tinha de surtada, agora bravas eram quase irmãs gêmeas.

- Nenhuma, ela é boa de mais e por isso não é pro bico de vocês dois! E tu pode até falar que não vai encostar um dedo nela, mas eu vi vocês dois abraçados na viela no outro dia!

Me levantei em um pulo e parei na frente dela, Bianca não era de desrespeitar assim, vi a pirralha crescer. Que merda tinha dado nela?

- Melhor tu prestar atenção no que fala. - rosnei pra ela, mas vi pelo canto do olho Vitinho se aproximando.

- Vai dizer que to mentindo Miguel? Logo tu que detesta mentira! - o sorriso cínico dela me dava vontade de socar alguma coisa. - Você tava conversando com Camila na viela e na hora que deu um trovão ela se agarrou em tu, você segurou ela até se acalmar e depois pediu pra Bruno levar nós duas em casa.

- Foi por isso que chamou ela de surtada? - Vitinho se intrometeu e quando olhei pra ele vi na hora que tava se roendo pra não brigar por aquilo, afinal eu não tinha contado nada daquilo pra ele. - Porque ela se agarrou em você por causa do trovão?

- Camila é uma garota legal, ela não é surtada para de falar essa merda. Já basta o que a guria tá enfrentando.

Aquilo me lembrou o que dona Nalva tinha dito no outro dia "ela é forte!"

- O que por acaso é isso que ela tá enfrentando? - perguntei com deboche, querendo camuflar meu verdadeiro interesse na resposta dela.

Algo dentro de mim dizia ser algo pesado, mas eu duvidava, no máximo era alguma briguinha com pais ou algum namoradinho que terminou com ela e por isso fugiu vindo se esconder aqui no morro.

- Ela perdeu o pai e a mãe naquela enchente em São Paulo, por pouco não morreu, viu os pais ser arrastado pela água, junto com mais um monte de gente que conhecia. - engoli em seco quando ouvi. - Camila só chegou aqui com o dinheiro que o pessoal deu pra ela e as roupas doadas, ela perdeu tudo na chuva, nem a casa sobrou, a única família que ela tem é eu e minha mãe!

- Porra, não sabia disso. - ouvi Vitinho falar e os dois continuaram conversando, agora bem mais calmos.

Mas minha mente tava longe viajando pra menina de olhos enormes, sorriso largo e sotaque irritante. Não pensei que a pequena tava enfrentando essa barra toda, se alguém ali sabia como é enterrar pai e mãe era eu e Vitinho, o pior era que ela não tinha nem irmão pra fazer companhia.

Agora fazia sentido o choro todo quando os trovão começou, ela com certeza tava pensando nos pais. Merda, "viu os pais ser arrastado pela água, junto com mais um monte de gente que conhecia", isso me lembrava tanto do dia que meu pai morreu, foi tanta gente que eu conhecia.

Puta merda e eu chamei a mina de maluca pra ela ouvir...

- Se preocupa não que eu descolei um trabalho pra ela lá na loja, já falei com meu chefe e tudo! - a voz de Bianca acabou com meus pensamentos.

- Ela já tem um trampo. - me meti sem nem saber qual era do assunto.

- Camila não vai mais trabalhar lá, a gente pode até tá fodido, mas temos dignidade, ela não vai ficar no lugar onde pensam que ela é brinquedinho pra um querer pegar se o irmão pegou também.

A diaba sabia de tudo mesmo, jogou na nossa cara o que a gente tinha dito mais cedo. Aquilo nem era pra soar assim, mas merda soou como uma disputa entre nós dois.

Mais que inferno de garota!

Depois daquilo minha noite foi por água a baixo, não consegui ter uma ereção nem com reza braba e mesmo com Dany dormindo lá eu passei a maldita noite toda acordado pensando em Camila.

Acho que antes de saber que ela tava enfrentando aquela barra era mais fácil dispensar a garota, mas quem que eu tava enganando, se antes de sair de casa já tinha dado carta branca pra Vitinho atrapalhar as entrevistas da mina só pra não perder ela ali.

Agora não importava mais o que a gente fizesse, ela já tinha descolado um trampo novo e ia se mandar antes mesmo que a gente se acostumasse com ela ali.

Ou eu podia fazer alguma coisa sobre isso...

Os Chefes do MorroOnde as histórias ganham vida. Descobre agora