Capítulo 46 - Camila

7.1K 627 14
                                    

Depois que cheguei na minha cidade natal, fui direto a paróquia onde cresci, o padre como sempre estava lá a posts para receber os fiéis e era daquela familiaridade com a vizinhança, a recepção calorosa, e o aconchego que eu estava precisando.

- Padre Bento! - chamei quando eu o vi sentado no banco da igreja.

Já era mais de seis horas da noite, o sol tinha se posto cedo, deveria ter saído mais cedo do Rio de Janeiro, teria sido melhor para mim encontrar um lugar para dormir, já que ali não tinha hotéis, mas eu sabia que na paróquia sempre teria alguém com quem eu podia contar.

- Camila, filha quanto tempo! - ele exclamou se levantando e vindo ao meu encontro.

- Pareceu uma eternidade. - murmurei abraçando o homem de quase cinquenta anos, que tinha feito parte de todos os meus anos de vida até pouco tempo atrás.

- Porque não disse que estava vindo pra cá? Teria ido te buscar na rodoviária. - foi o que ele disse quando notou a mala que eu arrastava ao meu lado.

- Foi uma viagem de última hora. - ao menos eu não estava mentindo na casa de Deus.

- Aconteceu alguma coisa querida? Pode me contar, seja o que for. Sabe disso não sabe Camila? - olhei incerta, eram tantas coisas que aconteceram em pouco tempo, tantas coisas perturbadoras e alegres. - Te vi nascer criança, pode confiar em mim!

Olhei pra ele, o rosto com várias marcas de expressão, os fios brancos entre os cabelos escuros e o sorriso largo com dentes branquinhos que era sua marca registrada. Não sabia nem por onde começar a explicar tudo o que tinha me acontecido.

- Pra começar, era a hora de voltar pra casa. - ele sorriu de forma doce e me apontou o caminho a frente.

Era bom estar de volta. Passamos uma meia hora conversando, mas Padre Bento precisa celebrar a missa às sete e não podia ficar ali comigo, mas me deixou ficar na casa dos fundos da paróquia, que era a casinha dele, ao menos naquela noite eu havia conseguido um abrigo.

Depois que tomei um banho eu fiquei ouvindo a missa do fundo da igreja, não tive coragem de entrar ali novamente, não estava com cabeça para encarar todas as pessoas que estavam ali. Eu ainda me lembrava da noite de terror quando perdi meus pais e choramos juntos naquela mesma igreja, sofrendo por nossos entes queridos, nossos lares e nossa comunidade despedaçada.

Olhar aquelas pessoas novamente encarar todas as lembranças seria de mais pra mim, já estava emocionalmente muito abalada, tinha chorado por tempo de mais no ônibus, tanto que acabei pegando no sono, não queria começar novamente pois não tinha ideia de como faria parar agora.

Quando a missa acabou o Padre Bento se despediu de cada um dos fiéis na porta da paróquia, só quando o último deles se foi e as portas foram fechadas que eu me permiti entrar lá.

- Então a mocinha estava escondida aí. Porque não entrou? É bem-vinda a casa do senhor.

- A essa altura eu nem sei se sou bem-vinda mais aqui, Deus pode odiar a pessoa que me tornei.

- Deus não te odeia filha, Deus não odeia a nenhum dos seus filhos. - ele apagou a última lampads antes de se virar para mim, que o esperava na porta. - Se pecou e está arrependida é só confessar e será perdoada.

- A verdade é que não me arrependo de nada do que fiz Padre. Se as coisas não tivessem se perdido e... - foi só pensar em Miguel agarrando meu pescoço para que meus olhos se enchessem de lágrimas. - O que a gente faz Padre, quando amamos alguém e não somos correspondidas.

Ele colocou o braço em volta dos meus ombros quando comecei a chorar, nem tinha me dado conta até que as lágrimas escorressem por meu queixo.

Enquanto jantavamos contei pra ele o restante da história, o que tinha acontecido entre Miguel, Vitor e eu, contei tudo até o acontecido ontem.

- Porque acha que não te amam?

Parei com o garfo a caminho da boca enquanto pensava na resposta pra aquela pergunta.

- Vitor é um dom Juan, fica com todas as garotas e não se importa com os corações que quebra pelo caminho. Ele disse que me amava, mas estava abalado por tudo que tinha acontecido com ele, como vou saber que é verdade? - até aquele momento em que tudo foi destruído, ele não tinha dito nada sobre me amar, podia só estar dizendo para me fazer sentir melhor.

- E o outro?

- Miguel me machucou, não hesitou em achar que eu o estava manipulando e traindo. Ele acreditou em um traidor que estava torturando e não em mim. - engoli em seco, pois aquela era a parte que mais me doía. - Eu acreditava que ele era incapaz de me machucar, de fazer algum mal contra mim, confiei nele desde o começo. Ele era rude e direto, mas cuidadoso e se preocupava comigo, do jeito azedo dele me mostrava uma forma intensa de se estar com outra pessoa.

- E você acha que não é amor? - ele forçou mais uma vez, a mesma pergunta mas de forma diferente.

- Não Padre, ele desconfiou de mim!

- Você acaba de desconfiar da palavra do Vitor, disse que não acredita no "eu te amo" dele. Como vou saber se é verdade, não foi isso o que disse? - Ele jogou na minha cara minhas próprias palavras. - Você está tentando proteger seu coração enquanto desconfia, Miguel estava tentando proteger a família. Que diferença tem nisso?

Fiquei ali de boca aberta encarando o Padre sem saber o que dizer em resposta. Ele estava me mostrando um lado daquela história que eu não tinha visto ainda. Agora eu entendia o porque diziam que ele era um bom conselheiro.

- Mas ele me machucou, queria uma verdade que não existia e estava disposto a tudo pra isso. Na bíblia está escrito o amor não trata mal.

O Padre Bento sorriu quase como soubesse de um segredo que eu ainda não havia me dado conta.

- Também diz que é sofredor, que tudo suporta, não suspeita mal. - eu tinha que me lembrar de não conversar mais com o Padre, ele conseguia destruir todas as minhas ideias de certeza. - Não estou dizendo pra perdoa-lo, nem que tudo bem se um homem a agredir, jamais! Estou apenas tentando fazer com que você veja o cenário completo aqui, nenhum de vocês três fez um bom trabalho em amar, cada um fez um pouco e achou que era digno e tudo.

- Acho que estou começando a entender. - cutuquei o restante da minha comida, a carne tinha perdido a graça e eu estava ainda mais pensativa agora do que quando cheguei ali. - Eu os amo e de verdade não sei o que fazer.

- Vai descobrir minha filha, a graça de ser jovem é que se tem tempo para aprender com os erros.

Quando me deitei pra dormir as palavras ainda remoiam na minha mente, eu estava começando achar que estava cometendo um outro erro, fugir do Rio de Janeiro sem falar nada, nem me despedir e ainda desligar a única forma de se comunicarem comigo.

Foi pensando nisso que coloquei meu celular para carregar e liguei o aparelho por fim. Mas não esperava que meu celular fosse ser bombardeado por ligações e mensagens, eram tantas que fiquei um tempo esperando até que parasse de apitar.

A maioria delas era de Miguel e Vitor, pela hora foi de pouco depois que eu sai do Rio. Mas tinham outras de Bianca e da tia Nalva e algumas eram dessa tarde. Abri um dos últimos áudios da minha prima e mudei meu estado de pensativa para puro choque.

- Camila prima, é o Miguel. - o pavor na voz dela fez meu coração congelar. - Precisa vir pra cá, ele está morrendo!

Entrei em contato com ela no mesmo instante tudo o que Bianca me contou serviu pra mostrar que o Padre Bento estava mesmo certo. Nós três nos amávamos, só demonstramos isso da forma errada. Eu só esperava que ainda tivesse tempo para corrigir esses erros!

Os Chefes do MorroWhere stories live. Discover now