Capítulo 44 - Vitor

7.1K 664 11
                                    

Ver o que colocaram no bilhete, que estava mais para um pedido de rendição, me fez pensar em tudo o que tínhamos vivido ali, nossa vida toda foi no morro, nossos avós, nossos pais, todos as gerações dos Torres viveram exatamente ali. Mas aquela altura eu não me importava em deixar aquele lugar, queria paz e sossego, quem sabe finalmente pudesse exercer minha função de advogado para qualquer trabalho e não só para os traficantes.

- Nós temos que ir, não tem porque fiar nesse lugar com toda essa merda acontecendo. - falei com meu irmão e ele se levantou da cadeira e deixando a comida pra lá.

- E vamos pra onde Vitinho? Fazer o que porra?

- Qualquer coisa, temos dinheiro suficiente pra vivermos bem por muito tempo, todos os investimentos que fizemos, as aplicações de dinheiro, temos um bom dinheiro. - eu lhe lembrei, mas Miguel parecia não aceitar o que eu estava dizendo. - O que tem aqui que te atrai? Como vai sobreviver a uma guerra sem ninguém ao seu lado?

Ele finalmente se virou me encarando, era a primeira vez na vida que via meu irmão derrotado daquela forma, Miguel sempre tinha sido o mais forte de nós, o que aguentava todo o tipo de merda da vida, mas hoje ele estava ali cansado. Os ombros caíram em sinal de derrota, mostrando que estava prestes a concordar comigo e estava odiando cada minuto.

- Eu fui criado pra ser um traficante, pra comandar esse morro, pra lidar com coisa ilegal. Não sou você Vitinho, meus estudos não eram a prioridade, enquanto tu aprendia a fazer aquelas frescura da escolha, eu aprendia a usar uma arma, a matar e torturar. - ele estava falando a verdade, isso eu não podia nem negar. - Me diz o que eu vou fazer fora daqui?

- O que você quiser. Pela primeira vez vai poder colocar sua vontade a cima da vontade de qualquer um. - forcei meu tronco, me levantando um pouco mais para ficar ereto e poder olhar nos olhos dele. - Vai poder escolher o que quer da sua vida! Te tiraram isso irmão, papai nos jogou nessa vida, mas era a vida dele, você nunca escolheu esse caminho, nenhum de nós escolheu.

Aquilo pareceu atingi-lo de uma forma boa, Miguel voltou a se sentar na cadeira, dava pra ver o quanto ele estava pensativo, com certeza fazendo planos, era o que eu queria.

- Vamos nos mudar logo, o prazo é de vinte e quatro horas. Vou avisar ao Bruno pra trazer Juninho hoje mesmo.

- E eu faço o que?

- Compra nossas passagens, aluga uma casa, arruma as coisas pro lugar onde vamos. - Miguel pegou o prato, que com certeza já estava frio, mas começou a comer mesmo assim. - Eu vou organizar nossa vida aqui, dar por encerrado tudo aqui e avisar nossos homens pra sumirem no mundo.

Era isso o que eu esperava dele, que tomasse as rédeas e começasse a usar a cabeça, eu sabia que meu irmão era inteligente, mesmo que fosse bem lá no fundo.

Tinha uma coisa me perturbando naquele momento, a briga dele com Camila ia estragar nossa mudança, eu não tinha certeza se ela iria junto com nós.

- Como vamos fazer Camila ir com a gente? Não podemos deixá-la pra trás, qualquer pessoa ligada a nós vai correr perigo.

- Acha que eu deixaria ela por qualquer motivo que fosse? - ele falou com tanta convicção que me fez sorrir. - Sei que fiz merda, mas pretendo concertar isso, vai ser a primeira com quem vou acertar as coisas e vou fazer ela ir junto.

- É assim que eu gosto de ver. - só torcia para que ele tivesse sorte e conseguisse convencê-la, mas não seria um trabalho fácil, não depois da merda que ele fez.

Almoçamos em silêncio o resto do tempo, minha mente já planejando tudo o que teria que fazer hoje para que tivéssemos uma casa depois de sair dali. Mas soube que precisava ligar pra Camila e falar com ela, era o mínimo já que não podia sair daquela cama e ir até ela pessoalmente.

Só esperei que Miguel saísse do quarto e peguei meu celular para ligar pra ela. Mas pra minha surpresa nem chegou a chamar, caiu direto na caixa postal, enviei uma mensagem e nada dela receber. Não era possível que o celular dela estivesse com problema, era novinho, estava funcionando até ontem a noite.

Apertei o número de Bianca, sabendo que minha ursinha poderia ter desligado o celular para ficar longe de tudo por um tempo, depois de tudo o que aconteceu essa semana eu não me surpreenderia.

- Bianca? Cadê a Camila? Preciso falar com ela. - as palavras voaram da minha boca quando ela atendeu.

- Agora seu babaca? Deveria ter ligado algumas horas antes, ou ter impedido seu irmão de agredir minha prima!

- Bianca eu sinto muito, você me ouviu falando com ela, eu a amo e sinto muitíssimo pelo que ele fez. Miguel também está arrependido de ter se deixado levar e vai até ai conversar com ela. - entreguei logo toda a verdade, não tinha porque ficar escondendo quando logo logo ela ficaria sabendo. - Mas no momento eu tenho algo sério pra falar com ela, preciso disso.

- Sabe, de vocês dois eu estava torcendo pelo seu irmão, porque tinha certeza que você a machucaria e partiria o coração dela. Foi uma surpresa saber o que ele fez, uma péssima surpresa.

- Foi pra todos nós, agora, por favor, coloca ela na linha!

- O que quer com ela, me fala primeiro e então eu vou pensar em entregar o celular pra ela.

Merda, a garota era carne de pescoço e eu nem podia julgá-la, já que estava fazendo aquilo para proteger minha ursinha.

- Eles avisaram que precisamos deixar o morro, Miguel e qualquer pessoa ligada a ele tem que sumir daqui em vinte e quatro horas, se quisermos evitar mais mortes.

Ouvi a garota resmungando e xingando do outro lado da linha, o barulho de vidro se espatifando ressoou, antes que ela voltasse a falar.

- Devia ter feito isso antes. Qual o problema de vocês afinal? Porque fizeram essa merda?

- Antes de que? Do que está falando? - um frio subindo por minha espinha me deu um sinal de que a resposta não era muito boa, não ia gostar nada do que ela tinha pra me dizer. - Onde Camila está?

- Ela se foi Vitor, ela foi embora já faz algumas horas. - a voz soou triste e eu podia imaginar o porque.

- Embora? Pra onde? Como assim ela foi sozinha há algumas horas e nem se despediu, não disse nada.

Meu coração disparou e eu nem me importei com a dor me rasgando, me apoiei na cabeceira da cama e me levantei gritando por Miguel.

- Foi assim que ela quis, Camila disse que não queria se despedir de ninguém, que só queria esquecer tudo o que viveu aqui.

Meu irmão entrou no quarto correndo, eu já estava na metade do caminho quando ele me alcançou e deu apoio. Mas eu não ia voltar pra cama, eu ia até a casa de Bianca pra me certificar que ela estava falando mesmo a verdade e que Camila não estava mais aqui.

- Que porra tá pensando Vitinho? Quer ficar mais arrebentado do que já tá cara?

Sacudi a cabeça em negação, não conseguia acreditar que algumas horas atrás ela estava aqui no quarto, sorrindo pra mim e me recriminando, mas ainda sim fazendo minhas vontades. E agora minha ursinha tinha sumido no mundo, ido embora sem nem um adeus.

- Ela foi embora cara. - agarrei Miguel pelos ombros, puxando a roupa dele e torcendo em meus punhos. - Camila foi embora do morro.

- Quem te disse isso?

- A Bianca. O celular dela está fora de área e Bianca garantiu que ela se mandou, não quis nem se despedir de ninguém, só pegou a mala e foi.

Vi Miguel engolir em seco, os olhos ficando perdidos assim como os meus deveriam estar agora. Eu sabia bem o que ele estava sentindo agora, pois eu sentia o mesmo, a sensação de perda, de ser deixado pra trás e o vazio gelado tomando o lugar que era preenchido por ela.

Os Chefes do MorroWhere stories live. Discover now