O anjo mais velho.

36 3 0
                                    

— Serena Kalitch... — Maria falou se aproximando ao olhar a moça no mesmo estado, outra vez.

Sentada na pequena escadinha da sua casa, olhando fixamente para o caminho de terra, imóvel e piscava demoradamente, temendo perder algum momento. A mulher agora tinha cicatrizes em suas coxas, estava mais magra porém bem alimentada por obrigação, era de poucas palavras, mas seguia sendo uma boa companhia para suas novas amigas e cuidadoras.

— Sou eu. — Ela respondeu sem desviar o olhar do caminho de terra.

— Outra vez? — Questionou sentindo seu coração se amolecer.

Enquanto houver você do outro lado

Aqui do outro eu consigo me orientar

A cena repete, a cena se inverte

Enchendo a minh'alma daquilo que outrora eu

Deixei de acreditar...

— Ela vai voltar, eu sei que vai. — A mesma frase que usava quando entrava nesse estado de negação.

— Serena... — Maria se sentou ao lado da morena e colocou a mão no ombro dela.

— Não. — Rápidamente falou em um quase pedido para que a moça não prosseguisse a conversa.

— Já fazem dois anos... Dois anos que Flora foi embora. — Acariciou as costas da amiga que negava com a cabeça.

— Que ela foi obrigada a ir embora. — Corrigiu. — Ela vai voltar. — Repetiu outra vez. — Eu sei que vai, ela sabe onde eu estou, ela sabe onde é a nossa casa. — Afirmou.

Tua palavra, tua história

Tua verdade fazendo escola

E tua ausência fazendo silêncio em todo lugar...

— Serena. — Maria tentou novamente.

Desde a partida da ruiva, assim que Serena se recuperou do que havia acontecido, todos os dias a morena se sentava no mesmo lugar e ficava olhando, quieta, esperando a esposa com a filha no colo, voltar para a casa que dividam.

— Não venha tentar me convencer do contrário. — Ela logo cortou qualquer intenção. — Nem tente, eu não irei lhe ouvir. — Ouviu o suspiro de insatisfação da outra mulher.

— A quanto tempo está sentada ai? — Questionou.

— Desde que acordei. — Foi curta.

— Você ao menos comeu? Bebeu água? — Era sempre muito paciente com a teimosia da amiga.

Serena negou com a cabeça já se preparando para as possíveis reclamações, as mesmas de sempre, sabia que era cabeça dura e que as vezes ficava uma pessoa impossível, isso normalmente acontecia quando tocavam em sua ferida mais profunda, o nome de Flora e Esmeralda.

— Você segue tentando complicar as coisas. — Maria reclamou cruzando os braços.

— Tudo já é complicado demais pra mim. — Ela respondeu.

— Eu sei, sei que o que passou não foi fácil, mas você precisa se ajudar também. — Encarou o rosto da amiga que seguia inexpressivo, olhando para o mesmo lugar. — Maya conseguiu algo pra você e mandou eu trazer.

— O quê? — Ergueu as sobrancelhas e finalmente olhou para a amiga.

Suas únicas distrações eram as coisas que suas amigas traziam e seu próprio terreno, haviam dias que Serena cuidava das suas plantações durante o dia inteiro, podava as suas árvores que já estavam um pouco grandes e plantava nos dois jardins frontais, esquerdo e direito, que ficavam na frente da sua casa embelezando o caminho de terra.
Às vezes ela se arriscava em sair para explorar a floresta, mas nunca passava do limite, o seu medo era maior, tinha medo de gente.
Mas em suas caminhadas sempre colhia novas sementes plantando assim em seu terreno todo tipo de flor colorida e justificando que estava deixando bonito para quando sua esposa e filha voltassem, então dava duro e trabalhava para mantê-lo com as flores vivas e vibrantes... Suas amigas deixavam que ela pensasse e se iludisse com essa ideia, pois era a sua distração, a vida que Serena levava era extremamente solitária e pelo menos ela ocupava a mente mexendo em suas plantas.

Cartas para Flora - Lésbico. (CONCLUÍDO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora