Canção do amor secreto.

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Jogada no chão de barro, Serena deixava que seu rosto fosse molhado pelas lágrimas da sua tristeza, de cor incolor elas misturavam-se em um marrom por causa da queda que havia tido, a face da morena bateu de relance no chão, sua mandíbula tão marcada havia ficado levemente machucada e suja pela areia, seu pranto limpava a bagunça do seu rosto e até mesmo o arranhão que ardia. Sem vergonha e na frente de todos que quisessem olhá-la, ela chorava demonstrando totalmente a sua fraqueza e derrota, a sua fragilidade que antes era tão coberta por uma capa grossa e dura, agora estava exposta por completo. Já não se encontrava em um bom estado, mas a sua queda tinha vindo para mostrar o quão grande era o seu fracasso, como uma última pá de terra na cova da sua dignidade.

Era um declínio, sua ruína, chegar àquele ponto.

Não achou que amar alguém pudesse ser tão devastador e doloroso, não achou que o seu primeiro amor fosse acontecer dessa forma, nessas condições.

Nós ficamos atrás de portas fechadas

Todas as vezes que te vejo, morro um pouco mais

Momentos roubados, que roubamos de volta

Assim que as cortinas caem

Nunca será o bastante...

Serena já sabia desde muito cedo que não era tida como "normal" e que nasceu para ser alguém diferente dos demais, por ser espevitada recebia inúmeras críticas e constantemente estavam querendo mudá-la, alegando que aquele não era o comportamento de uma mulher direita e que o seu jeito de ser era encontrado em garotos, ela não era um, então não precisava agir daquela forma.

A moça quando criança até a sua fase adulta sempre brigou pelo seu espaço e pela sua voz, não era do tipo de pessoa que costumava se calar facilmente, aos poucos as pessoas do seu vilarejo foram "aceitando-a" e criando um carinho por ela, não dava para negar, a morena era uma menina muito simpática e divertida.

Quando a moça virou uma mulher, menstruando e criando corpo, se encantaram ainda mais por ela, principalmente os homens. Serena era como uma princesa diante dos seus suditos, não sabia que a beleza conseguia mover tanta coisa.
Mas nada disso lhe ludibriava, até porque qualquer homem, do mais bonito ao mais feio, do mais rico ao mais pobre cigano, nenhum deles era capaz de tocar o seu coração, nenhum deles era capaz de convencê-la a se casar e a ter uma vida a dois, a construir uma família... Nenhum deles lhe despertava desejo, ou lhe encantava, nenhum deles.

Foi então que Serena conheceu a sua sexualidade por meio da parte mais impura, como diria sua religião, o desejo carnal. Aconteceu quando uma mulher gadgé, não cigana, se ofereceu para a morena, seduzindo-a. Ela não tinha a sua cultura, vestia roupas diferentes das suas, mostrava as pernas, não falava romani, mas era uma moça muito bela e envolvente, e foi dona do primeiro beijo da cigana no bequinho silêncioso, úmido e escuro da cidade.

Serena renegou os seus anseios com toda força do mundo, em relutância a aceitação de si própria, mas não teve para onde correr e por fim admitiu que não sentia interesse por homens da forma romântica como deveria ser.

A moça gadgé tinha feito sua chegada de forma brusca no interior da cigana, mas não foi o suficiente para se tornar o primeiro amor dela, Serena era dura na queda e não se rendia facilmente.
Ao invés da morena ficar apaixonada, aconteceu o totalmente o contrário, a dona do seu primeiro beijo foi quem caiu de amores, a mulher adorava os olhos cor de mel e a mistura de inocência com libidinosidade que continha neles, mas a relação não durou muito tempo e não passaram de três beijos escondidos no mesmo beco.

Cartas para Flora - Lésbico. (CONCLUÍDO)Where stories live. Discover now