Apenas um chá.

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— Corre, entra. — Sussurrou Flora, puxando Serena para dentro.

Tinha medo de que alguém acabasse vendo as duas, fechou a porta e trancou com a chave. A morena ria de forma divertida pois a ruiva quase se tremia desesperada.

— Você é muito medrosa, Flora. — Disse de forma delicada e doce, tirando o lenço da cabeça e soltando os cabelos castanhos, longos e lisos.

— Claro, estou fazendo algo de errado. Tenho motivos. — Ela deu de ombros se aproximando de Serena.— Se me permite... Estão um pouco desgrenhados. — Então ela colocou suas mãos nos meios dos cabelos lisos, passando os dedos entre eles e arrumando os fios rebeldes.

Em um momento seu dedo gelado tocou a nuca de Serena e a moça teve um daqueles arrepios contraindo seu corpo por inteiro, Flora deu uma risada tímida e baixa.

— Se acalme, não iríamos para a cadeia por estarmos tomando chá juntas. — Pressionou os lábios, ainda parada, sentindo a ruiva mexer em seus cabelos.

Seu coração havia acelerado pois não era acostumada com alguém mexendo nele além de si, zelava muito pelos cabelos e não era qualquer pessoa que poderia tocá-los, não queria nunca uma mão impura no meio deles. Mas confiou em Flora e em seu caráter, na verdade, nunca cogitou de que a ruiva não fosse uma boa pessoa, ela lhe dava a sensação de segurança e calmaria.

— É somente um chá. — Ela sorriu se desvencilhando das mãos da ruiva. — Obrigada por se preocupar com meus cabelos.

— Por nada. — Respondeu indo em direção a cozinha e sendo seguida pela amiga.

Flora tinha um olhar meigo, costumava se atentar aos mínimos detalhes, era o tipo de pessoa que facilmente notaria caso você estivesse usando algo diferente do que costumava. Essa qualidade fazia com que ela admirasse as pessoas por inteiro, pois estaria sempre atenta a tudo, também tinha uma ótima memória e por isso guardava esses detalhes para si.

— Que cheiro delicioso. — Serena ergueu seu rosto e inalou profundamente a fragrância.

— É lavanda, você gosta? Também é calmante como a Cidreira. — Questionou desligando o fogo abaixo do bule de chá que chiava soltando vapor.

— Nunca provei, mas confio em sua escolha. — Sorriu se encostando no balcão.

Flora se sentiu lisonjeada, pegou duas xícaras de forma um pouco atrapalhada, quase derrubou uma delas e bateu a porta do armário com força, ao se erguer também quase tropeçou, tudo porque estava sendo vigiada pelos olhos cor de mel que lhe deixava nervosa e que ela evitava contato porque se sentia hipnotizada. Derramou o líquido fumegante nos recipientes e então colocou eles em cima da pequena mesinha de centro da sala, sentando no chão de pernas cruzadas e sendo acompanhada por Serena.

Ela assoprou seu chá e deu o primeiro gole nele, saboreando o gosto da lavanda e inalando o seu cheiro, nisso, pareceu lembrar de algo, erguendo suas sobrancelhas.

— Perdoe-me Serena, eu esqueci do seu açúcar. — A moça falou levantando-se e foi correndo na ponta dos pés até a cozinha, voltando com o açucareiro entre as mãos e oferecendo para a morena. — Eu ainda não me conformo que tome chá com açúcar, isso é uma atrocidade.

— Oras, deixe de drama. — A morena fez uma expressão de quem não acreditava no que ouvia, franziu o cenho. — Já provou?

— E nem vou, isso é demais para mim. — Negou com a cabeça de forma rápida.

— Não pode dizer que não gosta se nunca provou, Flora. — Sua voz saiu em um tom mais baixo e ela sorriu, mas não de uma forma tão doce, sorriu de forma sugestiva. — Vamos, prove.

Serena ofereceu para a moça a sua xícara de chá, a ruiva hesitou por alguns instantes, mas aceitou sabendo que não iria gostar. Levou suas mãos até as da outra achando que ela iria lhe entregar, mas Serena levou a xícara até os lábios de Flora e lhe deu na boca o líquido que de imediato obrigou a fazer careta por causa da forte quantidade de açúcar, fazendo a morena cair em uma gargalhada e quase sujar o vestido da outra mulher.

— Me desculpe, Flora. — Pediu ainda rindo da moça que saboreava o gosto com uma cara de desagrado, limpou os cantos da boca para onde o chá teria escorrido.

— Mel perde para a doçura que está esse chá, não sei como consegue beber. — Apanhou rapidamente a sua xícara e virou seu líquido amargo na boca, respirando de forma aliviada por ter se livrado do gosto ruim.

Horas depois as duas pareciam estar em sintonias totalmente diferentes, o oposto uma da outra, Serena estava num pico de glicose, tinha libertado sua forma mais agitada e falante, não conseguia ficar parada, se movia, gesticulava enquanto conversava. Já Flora piscava de forma preguiçosa, às vezes sua cabeça pendia para o lado e ela demorava a entender o que a morena dizia pela velocidade. Se perguntava se havia errado no punhado de lavandas, o chá provavelmente estava forte demais e por isso a sonolência.

O efeito da glicose foi passando e Serena foi entrando no mesmo estado da ruiva, demoravam a se responder, pronunciavam as palavras de forma arrastada, embolando a língua, o chá caiu como um sonífero. A morena se debruçou por cima da escrivaninha e ali dormiu junto a ruiva, que se jogou no chão rendida pelo sono.

Ouviram as batidas fortes na porta e despertaram assustadas tentando entender o que havia, de fato, acontecido. Flora sentiu seu corpo inteiro gelar porque seus pais tinham chegado e veriam que ela colocou alguém que eles não conheciam para dentro de casa. Era nítido na expressão facial da ruiva que ela não sabia o que fazer, Serena com sua mente pensante e rápida, teve uma ideia.

— Calma. — Pediu se levantando. — Temos duas opções. — Falou rapidamente vendo a outra concordar com a cabeça.

— Já estou indo! — Ela gritou.

— Eu posso fingir que... — Arrumava suas roupas. — Que vim pedir, não sei... — Olhou a sua volta. — Açúcar! Ou que eu passei mal e precisava de ajuda. — Deu de ombros.

— E como eu justifico a porta trancada com você aqui dentro? — Respondeu com pressa pegando a xícara que Serena havia tomado o chá e levando até a pia, jogando água nela e colocando-a para escorrer.

Ouviu mais batidas na porta.

— Já estou indo mãe, pai. Estou terminando de me vestir! — Gritou novamente.

Serena se divertia com a situação e com as reações que Flora tinha.

— Ou eu posso pular a janela do seu quarto e ir embora. — Deu a outra opção já sabendo que a ruiva escolheria ela.

— Eu acho que é melhor. Meu quarto é aquele. — Respondeu caminhando até a porta e apontando para o cômodo.

— É uma pena, eu sou uma ótima atriz e você pedeu a chance de me ver atuar, Flora. — Ela deu uma piscadela para a moça, aproximou-se da ruiva dando um beijo rápido na ponta do nariz pontudo e saiu correndo antes que ela pudesse reagir.

Flora riu de forma divertida abrindo a porta com seu coração aliviado, não tinham vestígios de Serena pela casa... Tirando claro o seu perfume, bem por longe.

— Que demora para abrir a porta, Flora. — O pai da menina reclamou entrando juntamente com a mãe. — Por que a trancou? — Questionou seriamente passando seus olhos por toda a casa.

— Desculpe papa, eu fui me banhar e então tranquei para me sentir mais segura. — Inventou uma desculpa, foi a primeira vez em que mentiu de forma tão tranquila e séria.

Sua voz não tinha tremido e ela não havia gaguejado enquanto falava, e seu pai notou, por isso acreditou, Flora era fácil de ser pega na mentira, ela não sabia fazer isso.

Cartas para Flora - Lésbico. (CONCLUÍDO)Where stories live. Discover now