capítulo 9

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Jughead

Aquele era um dos julgamentos mais difíceis que enfrentara desde que me tornara promotor. Claro que me empenhava em todos eles, dava o máximo de
mim. Mas, daquela vez, era diferente. Não conseguia desviar os olhos da menina na minha frente. Podia ver seu sofrimento e enxergar suas tristezas.

Havia apenas algumas cicatrizes evidentes em seu corpo, mas sentia que sua alma estava manchada, e seu coração, dilacerado. Isso era o que mais me deixava puto. O desgraçado matara sua alegria e apagara o brilho dos seus olhos. E fizera tudo isso usando o amor como desculpa.

Ficou bem claro em seu
depoimento que, antes da agressão covarde que julgávamos, Elisabeth fora
submetida a um intenso e duradouro abuso psicológico. Por anos, ela sucumbira ao poder de outra pessoa, deixando de lado seus planos, sonhos e desejos,
apenas para satisfazer alguém que se aproveitara do amor em seu coração..

Isso se chamava crueldade. Ele matara sua alma usando o amor. Larissa terminou de falar, com os olhos sempre procurando os meus, como se isso a deixasse mais confortável. Retribuí, desejando que fosse verdade. Que eu pudesse de alguma forma acalentar seu coração.

Ela contou, munida de uma
coragem inacreditável, detalhes de tudo que acontecera. Relatou com lágrimas nos olhos os detalhes do sofrimento de sua filha nas mãos do homem que devia protegê-la. E cada palavra em sua boca queimou em meu coração.

Assim que seu depoimento se encerrou, ela levantou em direção à porta. Antes de sair, eu sorri, o coração pulando dentro do peito, quando vi um brilho tímido surgir em seus olhos.Ainda havia esperança.
Concentrei-me nos outros depoimentos. Testemunhas, contradições, fatos inquestionáveis, um advogado tentando justificar o injustificável e as alegações finais.

— Não há nem o que considerar. Agressão covarde contra uma mulher e
uma criança. Requintes de crueldade. A violência doméstica não está só
caracterizada no crime apurado aqui, mas também em toda a narrativa da vítima. Anos sofrendo as agressões do seu algoz. Seus relatos verossímeis não deixam espaço para dúvidas. Além disso, temos a fuga do réu. Não caracteriza culpabilidade, mas demonstra sua personalidade covarde. É um retrocesso qualquer decisão que não seja a condenação. Tirá-lo do convívio social é um serviço essencial para a sociedade.

Respirei fundo quando terminei de falar. Estava exausto psicologicamente.
Tivera que me manter firme no restante do julgamento, quando tudo que queria era saber se ela estava bem. Uma vontade incontrolável que surgira do nada e estava me deixando cada vez mais confuso. Mal ouvia o que o advogado de defesa expunha, observando o processo em minha mesa. Abri na página exata que continha uma foto da vítima. Deus! Era dolorido pensar nela assim, como
uma peça no jogo doentio que alguém criara. Observei atentamente seus olhos,
as feridas ainda tão aparentes, e o brilho apagado de um olhar que só deveria refletir alegria.

Quando a voz do juiz se elevou, fechei a pasta e voltei a atenção para sua decisão. Estava um pouco nervoso, mas muito confiante em mais uma vitória. O protocolo da decisão foi seguido, e fiquei muito ansioso para ouvir a parte mais
importante, o motivo de estarmos ali.

— Condenado…
Comemorei em silêncio quando ouvi a palavra ressoar pela sala. Talvez não fosse o suficiente para restaurar a vida daquela menina, mas com certeza a
condenação do agressor seria o primeiro degrau para que ela voltasse a ter fé.

Agora, tudo que precisávamos fazer era esperar que Dennis se entregasse ou que a polícia o encontrasse, fosse lá onde estivesse escondido. Só assim
conseguiríamos devolver um pouco da paz que Elisabeth perdera e, talvez, a esperança de um futuro melhor.

Muito além do AmorWhere stories live. Discover now