Os momentos mudam tão rápido que ás vezes fica difícil seguir o ritmo deles. Ontem, Dominic e eu estávamos juntos, felizes, rindo, nos beijando e Tamara tava viva, respirando. Hoje, ela tá morta e o Dom e eu rompemos algo que na verdade nem sei o que era que tínhamos, mas que está doendo muito.
Preciso de toda minha força para não chorar, para que o nó que se formou na minha garganta não se desmanche em lágrimas.
Assim que ponho os pés dentro de casa, minha mãe me conduz até a tal sala secreta no porão.
—Tem algumas pessoas que querem conhecê-la. –ela diz tensa.
Não digo nada e deixo que me guie.
Quando entramos tive a sensação de estar entrando em uma solitária de presídio, pelo menos é assim que eu acho que seja uma, já que nunca nem se quer entrei numa delegacia.
As paredes são todas forradas com isolamento acústico preto. Sem nenhuma janela para que entre o sol. No centro da sala tem uma enorme mesa igual a da cozinha com doze acentos, onde quatro pessoas estão sentadas, três mulheres e um homem. Parece que metade do conselho da Lua Negra veio, só não tô entendendo por quê. Do teto pende um lindo lustre de cristal e só, não tem nada mais nessa sala estranha.
Um homem de cabelos brancos e olhos azuis, segurando uma bengala com símbolo da Lua Negra entalhado na lateral, faz um gesto para que a gente se aproxime. Ele aparenta ser o mais velho dos doze irmãos. Minha bisavó teve doze filhos, onze homens e uma mulher, a tia Jeanine. Eles são os que compõe o conselho da organização Lua Negra, são os que mandam nela. Quando um membro do conselho morre, o filho ou filha, mais velho é quem passa a ocupar o seu lugar, e assim por diante.
—Essa é a Kim, tio Joseph. –mamãe me apresenta.
O homem reencosta no encosto alto da cadeira e me examina de cima abaixo. Os outros também fazem o mesmo.
—Tem certeza que ela é uma rastreadora? –ele questiona como se isso fosse a coisa mais rara do mundo... E, talvez seja mesmo, já que sou a única dessa geração que nasceu com o olfato dos lobos.
Mamãe assente.
—Então ela vai servir. –ele diz em um tom decidido.
Olho pra ela de olhos arregalados.
—Servir pra quê? –murmuro.
Ela balança a cabeça que não, que não pode falar agora.
Sou apresentada ao resto da família. As três mulheres são primas da minha mãe. Amélia, Freya, Louise. Todas são filhas dos tios que já morreram, dois deles numa caçada.
***
Várias perguntas surgiram na minha cabeça quando voltamos a sala de estar.
—Mãe, o que está acontecendo? Por que essas pessoas estão aqui? E eu vou servir pra quê?
Ela suspira tristonha e eu continuo.
— É a morte da Tamara? vocês acham que foi o lobo-cão?
Mamãe esfrega os olhos extremamente exausta.
— É aí que está, quando o médico legista nos enviou as fotos do corpo da filha do prefeito, tudo indicava que ela tinha sido morta pelo mesmo lobo-cão que matou a filha do zelador da faculdade, mas quando o sr. Lee fez a autópsia viu que algo estava errado, pois os cortes na garganta das duas são parecidos, mas não se batem.
Ergo a cabeça de uma vez, pois estava observando a Ruby dormindo encolhida no sofá, enquanto a ouvia falar.
—Então quer dizer que tem outro lobo-cão em Havenwood Falls?
Ela sacode a cabeça.
—Não, quer dizer que tem um humano que sabe sobre o lado sobrenatural da nossa cidade e matou a Tamara imitando o lobo-cão... Pelo menos é o que achamos.
Me sento de pernas cruzadas.
—Mas isso é possível? Quantas pessoas nessa cidade sabe sobre os lobos e a Lua Negra?
Ela põe uma mecha de seu cabelo atrás da orelha. Uma mistura de cansaço, tristeza e impotência definem minha mãe nesse momento. Fico me perguntando desde que horas ela está acordada.
—Só os membros mais importantes. O prefeito, o xerife, o pastor, o médico do hospital e o médico legista.
Encaro minhas pulseiras pensativa.
Se foi um humano que matou a Tamara, então a lista de suspeitos dever ser longa, já que ela era terrível com todos.
—E como eu entro nisso? Tá certo que fiz ela ir parar no hospital, mas nunca que eu mataria uma pessoa... Não intencionalmente. A senhora sabe disso.
Mamãe senta ao meu lado e passa a mão no meu cabelo com o olhar cheio de ternura.
—Nunca, nem por um segundo imaginei, ou cogitei que você tivesse matado a filha do prefeito e nem o tio Joseph. O que ele quis com "Então, ela vai servir" É que ele vai levar você a um lugar e vai mandar que faça uma coisa pra tirar logo a dúvida de que se foi um humano ou o lobo-cão que matou a garota.
Fico rígida. Espero que não seja o que estou pensando que é.
****
Um desespero toma conta de mim quando descemos do carro. O tio e a Freya, prima da minha mãe, me trouxeram até o hospital para eu farejar o assassino da Tamara.
—Fique calma, querida. –Freya aperta minha mão. —Vai ser rápido.
O médico nos leva até o quarto em que Tamara estava internada. Ele tira a fita amarela com o nome "Cena de crime" presa a porta e nós entramos.
Tenho vontade de sair correndo quando vejo o local. Tem muito sangue espalhado por todo o lugar. Na cama, no chão e na porta por onde passamos.
—Nos deixe a sós. –Joseph pede ao médico com voz séria. O homem assente e sai.
Fico imóvel sem saber o que fazer enquanto Freya anda observando tudo até os mínimos detalhes.
Ela é uma mulher de mais ou menos trinta anos. Olhos castanhos claros, cabelos pretos bem lisos e amarrados para trás igual ao meu. Suas roupas, saia lápis preta, camisa branca de botões e um longo casaco preto, lhe dão um ar de superioridade e seriedade.
Mãos apertam meus ombros.
—Você vai fazer exatamente o que eu disser. –Tio Joseph diz.
Deixando o pavor que estou sentindo, balanço a cabeça que sim.
—Feche os olhos e comece a inalar os cheiros, puxe lá do fundo, o mais fundo que puder e prenda a respiração pelo tempo que conseguir.
Faço o que me manda, mas tem muitos odores aqui. E o de sangue é o mais forte.
—Agora toque no colchão e sinta, mas não com os dedos e sim com o faro. –ele continua.
Toco na grade da cama e deixo a superfície fria invadir meus dedos e depois deslizo para o colchão e nesse momento algo acontece. Fragmentos de imagens invadem a minha cabeça.
—O que você está vendo? –ouço a voz da prima Freya,
mas parece muito distante.
—Uma pessoa atravessa a janela indo em direção a Tamara que está dormindo. Não consigo ver claramente quem é, só o par de botas unissex e uma mão mecânica com enormes garras feitas de lâminas cortantes. –Um pânico horrível toma conta de mim. —Não, por favor, não quero ver isso. –digo desesperada.
—Você precisa ir até o fim. –a voz do homem ecoa pelo meus ouvidos.
—Acalme-se. –Freya diz. —nada vai lhe acontecer.
Respiro fundo novamente as imagens voltam.
— Tamara acorda e arregala os olhos. —Mas o que tá fazendo aqui? –ela pergunta e no mesmo instante as garras rasgam sua garganta, espirrando sangue por todos os lados.
Tendo feito isso o assassino volta pra janela por onde entrou. Uma brisa forte entra e sinto o cheiro de tinta de caneta escolar.
Abro os olhos de uma vez.
—Foi uma pessoa e não o lobo-cão. –afirmo.
Joseph e Freya ficam me encarando de olhos arregalados como se estivessem vendo algo estranho em mim.
—O que foi? –pergunto.
Os dois trocam olhares.
—Nada. –respondem ao mesmo tempo.
Continua...
Curtam e comentem se gostaram. Bjuss amores.