Minha cabeça dói, minha garganta está seca e o meu estômago se contrai. Resumindo: Tô com uma tremenda ressaca.
Atordoada pisco várias vezes encarando uma escuridão mortal.
—Nossa! –exclamo esfregando os olhos. —Será que a tequila me deixou cega?
Demoro quase uma eternidade para perceber que estou no meu quarto, e que se está escuro é porque as cortinas estão fechadas cobrindo totalmente as janelas,
causando um
blackout.
Meu estômago se contrai de novo e dessa vez a ânsia de vômito vem junto.
Me levanto tropeçando na cama. Caio toda estatelada no chão.
Caramba! Eu ainda estou bêbada!
Levanto as pressas, entro no banheiro, tateio as paredes procurando a tomada para acender a luz, me agacho ao lado do aparelho sanitário e ponho tudo pra fora.
—Oh, Deus, nunca mais eu bebo.–resmungo limpando a boca.
Quando fico em pé, o mundo gira. Me seguro na pia respirando fundo.
Se eu soubesse que ressaca seria tão horrível assim, teria evitado a primeira dose de tequila.
Desço a tampa do vaso, dou descarga e sento nela.
Encaro meu reflexo no espelho a minha frente.
—Credo! Tô parecendo a noiva cadáver. –faço uma careta pra mim mesma.
A Jess sempre diz que o melhor remédio para se curar de uma ressaca é um bom banho e uma caneca de café puro e amargo.
Então é disso que eu estou precisando.
☆☆☆
Enxugo meus cabelos, ponho um short florido de algodão com uma camiseta branca.
Caminho por meu quarto, pensativa. Eu não devia ter beijado o Tob. Ele é gato, parece ser gente boa, mas não é por ele que estou apaixonada.
O beijo é o toque de duas bocas que se calam para ouvir a voz do coração. E nesse momento a voz do meu coração chama por Dominic.
Eu sei que um beijo pode significar muita coisa e que também pode confundir a cabeça das pessoas. Não quero que Tob se confunda e ache que pode rolar alguma coisa entre nós, porque não pode. Talvez se eu o tivesse conhecido primeiro que o Dom.
♡♡♡
Do corredor que dá pra cozinha consigo ouvir minha mãe e Ruby conversando.
—Você deveria tê-la impedido de beber. – mamãe diz em um tom acusatório.
—Eu? E como você acha que eu deveria ter feito isso? Ela nem se quer quis se abrir comigo. Antes de entrarmos no bar da Diana, eu perguntei o que tinha acontecido entre vocês duas e ela não me disse nada!
—Não se faça de coitada, Ruby. Você é mais velha que a Kim, se quisesse poderia ter impedido que ela bebesse daquele jeito.
Ouço Ruby suspirar alto.
—Ei! Não precisa exagerar, só sou três anos mais velha que a sua filha... E além do mais, a culpa por ela ter se embebedado é sua. Você não deveria ter escondido dela todos esses anos o que nós somos e o que fazemos.
—Eu sei, mas é que achei...
—Que eu não daria conta? –interrompo-a.
—Cruzes, garota.–Ruby põe a mão no coração. —Você quase me matou de susto.
Ela está sentada em uma cadeira ao redor da mesa, enquanto minha mãe mexe alguma coisa no fogão com uma colher de pau.
O cheiro de sopa de carne com legumes preenche a cozinha.
E o meu estômago se
contrai de novo.
Me encosto na parede, cruzando os braços, olhando de uma para a outra com expressão séria.
—E aí, vão me contar o que está acontecendo? Qual é o grande segredo da família Whitmore?
As duas trocam olhares.
Mamãe coça a ponta do nariz... Ela sempre faz isso quando está nervosa, ou quando se vê em uma situação de extrema pressão. Igual quando ela tinha muito trabalho no ateliê e achava que não ia conseguir dar conta de entregar os desenhos das jóias no prazo estabelecido pela fábrica.
Sustento seu olhar com uma expressão de como quem diz "Vai me contar ou vai ficar de enrolação?"
Ela apaga o fogo do fogão e coloca a colher de pau em cima da pia.
—Não quer se sentar primeiro? – indica a cadeira ao lado
da Rubi.
—Não, estou bem aqui. –respondo.
—Bom, primeiramente quero dizer que se não lhe contei isso antes foi porque eu não queria essa vida pra você...
Balanço a cabeça rapidamente interrompendo-a.
—Mas você não pode decidir que vida quer ou não para mim.
Mamãe puxa a cadeira e se senta parecendo derrotada.
—Pois bem. A nossa família é diferente de todas as outras famílias.... –ela faz uma pausa e toca em seu pendante, pensativa. —Não somos pessoas normais... E quando quero dizer que não somos pessoas normais é porque não somos....
—Aí meu Deus! –Ruby joga os braços para cima, parecendo entediada. Ela se vira para mim e fica me encarando com seus expressivos olhos azuis repuxados.
—Você é uma caçadora puro sangue. Cem por cento caçadora, aliás nós todas somos.
Faz-se um breve silêncio com elas me olhando cheias de expectativa.
Levanto uma sobrancelha e então caio na risada.
Mamãe e Ruby se olham confusas.
—E eu, aos cinco anos, vi o papai noel descer pela chaminé. –ponho minhas mãos na cintura. — Qual é, vocês não estão achando que vou cair nessa, né?
Ruby fica em pé em apenas um salto. Ela para bem na minha frente e então sobe sua blusa até na altura dos seios e me mostra a cabeça de um lobo
com duas espadas atravessando-a formando um X e abaixo dela o nome Lua Negra tatuada com tinta preta nas suas costelas.
É o mesmo símbolo que tem na faca que atiraram no pneu do meu carro uma semana atrás.
Me dando conta que não é brincadeira e muito menos mentira delas, faço a pergunta mais óbvia.
—E o que vocês caçam?
—Lobos Metamorfos. –minha mãe responde firme.
Ruby desce a blusa cobrindo a tatuagem.
—Pelo menos, aqueles que quebram as regras e os acordos. –ela completa.
—Ruby, pode deixar que a partir daqui eu me encarrego de explicar tudo a ela. –minha põe as mãos nos meus ombros.
Ela assente e vai embora.
Fico parada onde estou, tentando processar tudo isso. Muita coisa começando a fazer sentido pra mim.
Continua...