Libélula

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Sentia-se exausto como nunca. Era como se seu corpo estivesse sendo esmagado pela gravidade. Sua consciência flutuava em rios ocultos por cavernas escuras e tudo o que ouvia era um eco incoerente e díspar. Às vezes achava reconhecer a voz dela e tinha a impressão de que, se erguesse a mão, se fosse capaz de realizar um ato que uma vez fora tão simples como esse, poderia tocá-la, mas então o eco esvanecia e tudo desaparecia com a mesma rapidez que se apresentava, e ele caía outra vez em um limbo onde nada havia.

Neji sabia quem era, mas não compreendia. Sabia sobre seu passado, mas nada fazia sentido, não naquele lugar onde se encontrava. Para ele, não havia mais dia ou noite, passado, presente e futuro, apenas uma sensação de existência suspensa. Estava em um lugar onde existia e ao mesmo tempo era apenas uma ideia. Como uma criatura de papel.

No entanto, às vezes algo, uma presença, pronunciava-se no meio daquela existência inexistente e ele sentia que deveria se segurar firme para conseguir escapar. Era sempre ela, ele sabia. Sabia quem era, mas não se recordava. Flashs iam e vinham, para depois o nada se fechar contra ele e reivindicar tudo de volta.

Mas naquele momento havia algo de diferente. Uma coisa que zunia baixo ao redor de sua face. Seus olhos, se eram mesmo os seus olhos de verdade, não captavam luz alguma, portanto nada conseguia enxergar. Mesmo assim, continuava a ouvir com a certeza de que um dia fora capaz de saber de que aquele barulho se tratava.

De repente, uma imagem se formou em sua mente nebulosa. Um inseto, pequeno e rápido, molhando-se no lago da inexistência. Neji não soube como, porém, pela primeira vez, uma informação coerente surgiu: sabia o que aquilo era, sabia que as libélulas possuíam uma visão extremamente apurada e com campo visual capaz de enxergar até trezentos e sessenta graus. Era uma caçadora, essa libélula, e sentia que havia uma conexão entre eles. Por instinto, por sede de saber mais, por curiosidade, estendeu a mão espectral e deixou que ela pousasse em sua palma.

Abriu os olhos. A claridade do luar, que entrava pela janela, fez com que piscasse várias vezes até que suas pupilas, já naturalmente aguçadas, acostumassem-se. Sentia seu coração disparado nas têmporas, ansiedade e medo. Havia confusão demais em sua mente para conseguir compreender onde estava e o que tinha acontecido.

Quando a lembrança veio, seus braços abertos, estacas vindo em sua direção, prendeu a respiração. Agora tudo fazia sentido. A guerra, pensou, A guerra acabou?... Lento, virou a cabeça para o lado enquanto dores musculares subiam por seu pescoço, por causa do movimento.

Na poltrona que jazia ao lado de sua cama, Hinata ressonava baixinho, o queixo encostado no peito, o corpo um pouco para o lado. Mesmo dormindo, havia uma expressão triste no rosto dela que não via desde quando eram crianças e o pai dela a repreendia. Desejou confortá-la, tocá-la e dizer que ficaria tudo bem, fosse o que fosse o problema pelo qual passava, no entanto não conseguiu se mover. Havia um peso, aquele peso tremendo que captava em seu torpor, impedindo-o de fazer mais do que mover a cabeça.

Tentou chamar por ela, mas a única coisa que saiu de sua boca foi um grunhido ininteligível que o assustou. Havia quanto estava preso àquela cama? Pigarreou, tentando ao máximo manter a calma, e tornou a chamá-la.

Ao primeiro som claro de sua voz, Hinata se esticou na poltrona, os olhos muito arregalados e úmidos de lágrimas. Um sorriso cresceu nos lábios finos dela, uma alegria que o contagiou apesar das muitas perguntas que surgiam em sua mente.

— Eu sabia — balbuciou ela. — Eu sabia, Neji! — E se jogou em seus braços.

Podia sentir o calor que o corpo dela emanava, o cheiro suave do shampoo que ela usava, mas não conseguia retribuir o abraço, por isso ficou em silêncio, tentando abafar o pânico que crescia em seu peito. Hinata se afastou e foi até a porta acender a luz.

EpifaniaTempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang