Pontas soltas

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O sol mal havia nascido e Sakura já se encontrava à porta da casa de Tsunade. Sua mestre tinha combinado que se encontrariam ali, no topo da pequena colina, para depois seguirem ao hospital. Mas a Godaime não atendia.

Sakura bufou, colocou uma mão na cintura e levou a outra de encontro aos lábios salpicados de gloss. Seus cabelos rosas tinham sido aparados no dia anterior e estavam um pouco mais curtos do que de costume; na nuca, e dessa vez optara por não repicar. Segundo Ino, tinha ficado perfeito, e Sakura realmente se agradou do resultado.

Bateu mais uma vez na porta e se abraçou logo em seguida. Seu short saia rosa claro esvoaçou por conta do vento gélido que soprava, o tecido roçando de leve em sua coxa, logo abaixo do ponto em que o short preto terminava. Um bico de consternação surgiu em sua boca: Tsunade devia ter ficado acordada durante a madrugada preparando os documentos de transferência do controle do hospital. Shizune se oferecera ao trabalho, mas a Sannin quis fazer aquilo a próprio punho.

— Teimosa — sussurrou Sakura com voz suave.

Ainda se abraçando, os dedos agarrados nas laterais da blusa vermelha, caminhou até a beira da colina e observou o campo que se estendia à sua frente. Nunca havia se sentido tão leve e tão cheia de deveres ao mesmo tempo. Tomar conta sozinha de um grande hospital seria um desafio imenso, mas se sentia preparada. Sentia-se preparada para muitas coisas.

Apesar de não mais ser a responsável pela instituição de saúde de Konoha, a Godaime queria instruir sua discípula pessoalmente. Sakura sabia que a Sannin poderia simplesmente ter pedido que Shizune fizesse isso, já que ela também conhecia o funcionamento do hospital como a palma da mão, inclusive todas as burocracias do local. No entanto, mesmo com toda a papelada que a abdicação do posto de Hokage e a passagem do título para Kakashi demandavam, além da papelada de transferência do próprio hospital, sua mestre queria ter certeza de que seu legado seria perfeito até o último momento, e isso incluía fazer e revisar as passagens de poder. Como Sakura se orgulhava de Tsunade!

A médica ninja possuía grandes planos para a gestão do hospital da vila, mas sabia que as coisas não seriam fáceis nem tão rápidas quanto queria. De acordo com o protocolo proposto pela Godaime, ela apenas tomaria posse da liderança do hospital e das equipes médicas após todas as instruções de sua mestre serem repassadas, e isso demandaria tempo. Pelos cálculos de Sakura, levaria ao menos dois meses a transição. O hospital era grande e agora, depois da paz estabelecida, interligava-se aos hospitais das outras vilas através de informações e cooperação de dados.

A ninja médica olhou para o céu, em direção ao sol. Ainda estava cedo e podia esperar um pouco mais para depois voltar a chamar pela Godaime. Sentou-se próximo ao pequeno declive, as pernas esticadas e cruzadas. Apoiou as mãos no chão e ergueu a cabeça, os olhos fechados.

Tantas coisas haviam acontecido em sua vida. Fizera tantas bobagens de menina, metera-se em tantos perigos, mas de tudo o que mais a deixava arrependida era não ter compreendido o que ela mesma sentia. Por que as coisas do coração demandavam tanto tempo, esforço e eram tão confusas? Odiava não ter resposta para as questões empregadas pelos sentimentos. Por isto amava tanto a medicina: a lógica acompanhava os médicos desde seus estudos até o mais complexo tratamento. Se não soubesse de algo, bastava estudar e se empenhar, então a resposta chegaria até você como um papiro desenrolado pelo vento.

Deitou-se no chão, as mãos cruzadas sob a cabeça, os olhos tristes semicerrados para o céu e um meio sorriso enigmático no canto dos lábios. Nunca se perdoaria por ter sido tão cega, e por tanto tempo. Mas agora já não podia mais fazer muito sobre isso. Suas oportunidades haviam acabado, o tempo levou tudo o que poderia fazer sobre o assunto e agora só lhe restava tentar esquecer, conformar-se e agarrar o que havia restado, antes que até mesmo isso fosse carregado para longe.

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