Capítulo 8

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Sem Revisão...

Todos os dias da minha vida nos últimos dez anos foram vividos de forma igual. Nada novo, nada diferente. Sempre as mesmas coisas todos os dias. É um ciclo vicioso, como se você vivesse num eterno loop temporal. Depois da morte do meu irmão eu me tornei um homem terrivelmente medroso. O medo é uma arma poderosa, ele nos aprisiona, fazendo de nós, reféns de nós mesmos. Preso a sua própria mente, você cria realidades paralelas onde tudo que acontece ou vai acontecer terminará em tragédia eminente. Quando se é prisioneiro do medo,  qualquer tentativa de uma simples mudança, faz com que você entre em pânico, imaginando que tudo vai dar errado e se fecha em sua concha de aço impenetrável onde nenhum mal jamais vai te alcançar novamente.  Quando se esta assim, ninguém entende você, te julgam e te condenam. Sempre dizem ser mais do que aparenta. O problema é que essas pessoas, não conhecem a tua mente, o que se passa la dentro do teu subconsciente. Você revive aquele momento todos os dias para toda a sua eternidade, que passa a ser o tempo que você aguenta. E acredite quando eu digo que esse eterno é bem mais breve do que você imagina. A mente humana tem um poder incrível, principalmente o poder do medo. E eu estava acostumado com isso, viver de forma simples e sem qualquer emoção. Me acostumei e  adaptei, não tinha nenhuma expectativa a mais na vida, apenas trabalhar e continuar com a empresa até que o meu herdeiro tomasse a frente. O problema é que não tenho nenhum e não pretendia ter. Até que ela apareceu e mudou tudo. Em apenas um dia fez com que eu quebrasse todas as minhas regras. E nesses últimos meses fez o que ninguém mais fez em pouco mais de uma década. Ela me fez vivo de novo, me fez sentir tantas coisas, um turbilhão de sentimentos, todos misturados e aglomerados prontos para entrarem em erupção a qualquer momento. Isso me deu medo. Na verdade me apavorou tanto que eu não soube o que fazer. Apenas fingi que nada aconteceu.

     Depois do beijo ardente que demos em minha sala a alguns meses, não voltamos a  repetir. Na verdade, nunca mais a vi. Tenho evitado todo tipo de contato. Eu não sei o que fazer com o que eu estou sentindo. Meu peito parece que vai explodir de tanta expectativa, fiz com que ficasse longe, dei muitos trabalhos e viagens para ela resolver e assim o fez eficientemente. Só que os meus planos foram frustrados. Hoje infelizmente... ou não, temos uma reunião particular. Falaremos sobre o seu desempenho para com a empresa. Ela parece que foi feita para isso, seu desenvolvimento e desenvoltura para tratar de assuntos complexos da empresa, fazem parecer que ela fez isso a vida toda e não que acabou de começar. A um tempo eu tinha um plano todo traçado para minha vida. Acabaria com a mesma ao fim dos meses passados. Já estava tudo decidido, todas as cartas já estavam até escritas. O plano perfeito. Mas, novamente a negra latina mudou meus pensamentos sem ao menos ter conhecimento de tal. Sorrio feito um bobo lembrando do nosso beijo. é o que eu tenho feito nos últimos tempos. Os pesadelos deram lugar a sonhos. Sonhos com ela. Por mais que a afastasse ou a evitasse pessoalmente, na minha mente ela estava bem próxima.

    Ainda estou imerso nos meus pensamentos e lembranças que não percebo a figura inquieta que esta em minha frente até ouvir a sua voz tão perto de mim. Acabei por levar um tremendo susto. Pego no flagra. Não tinha percebido que estava parado olhando para a tela do  computador a mais de uma hora. Outra coisa que essa mulher fez comigo, me tornou um cabeça de vento. Desviando o olhar da tela, passo a contemplar a escultura que agora esta parada a minha frente olhando-me de forma interrogativa. As sobrancelhas levantadas e os lábios entreabertos, olhar fixo e avaliativo, como se tentasse descobrir o que eu tanto pensava. Ela com certeza me daria outro soco daqueles se descobrisse. Impaciente a latina pigarreia como se tivesse feito isso mais de uma vez. Tomo uma postura ereta e tento me concentrar, o que é quase impossível com tamanho deslumbre. Ela quebra o silêncio de forma impaciente.

__Senhor Campbell, o senhor esta se sentindo bem?__ pergunta de forma preocupada.

__Não__ digo sincero. E realmente não estou bem.

__Quer que eu chame um médico?__  pergunta se aproximando. Ela não sabe que fazendo isso só piora a situação. Chega tão perto que por um segundo o perfume que ela usa me entorpece, como se fosse uma droga, trazendo milhões de sensações ao meu corpo.

__Que perfume você usa?__ A pergunta com certeza a pegou de surpresa, ja que ela se afasta subitamente. Franze o cenho e me encara de forma confusa.

__Pitanga, de uma marca brasileira, porque? o senhor não gosta? ele é realmente um pouco forte, mas eu acho melhor para o dia. Também tem o de Maracujá, só que é meio doce e eu não gosto muito__ Diz depressa, pelo menos falou na minha língua, sempre que fica nervosa fala em espanhol ou português. Sorrio com isso.

__Não. Eu gosto muito__ digo ainda sorrindo. Vou guardar esse cheiro para sempre. Me acalma.

__O que você quer, Senhor Campbell?__ pergunta irritada, se afastando ainda mais e tomando uma postura defensiva. Sinto falta da sua aproximação.

__Como assim?__  Fico confuso com a pergunta.

___Primeiro, o senhor me beija...daquele jeito. Depois simplesmente me evita durante meses. E agora diz isso, me deixando confusa. Eu disse uma vez e vou repetir. Eu sou uma mulher de princípios e não uma qualquer__ diz exasperada, sentando na cadeira a minha frente. Eu apenas observo a sua irritação. Eu entendo o que ela quer dizer, realmente ninguém gostaria de ser tratado assim.

__Peço que me desculpe por isso, eu não queria que se sentisse assim. Eu só não sabia o que fazer__ digo sendo totalmente sincero. Eu realmente não imaginei como ela ficaria. E estou tão acostumado e viver só a minha dor, que não consigo enxergar a dor do outro. A dor que eu causo. Isso me faz pensar, todos esses anos vivendo desse jeito, não me preocupei com o que a minha família sentiu ou sente. Meus pais perderam um filho, e nem por isso deixaram de viver. Eles se reergueram e  continuaram vivendo as suas vidas, a dor deles se transformou em lembranças boas de todos os momentos que viveram com meu irmão, adotaram uma menina que precisava deles e me apoiaram durante todos esses anos. Não saíram mais de perto de mim, com medo do que eu pudesse fazer a mim mesmo enquanto estivessem fora. Nunca parei para pensar em tal coisa. Me sinto um tolo agora, eu só atrapalhei a vida de todos ao meu redor, eu e minha dor, só causamos mais dor. Isso tem que parar.

__Ah, me desculpe também. Eu não deveria ter invadido a sua casa e dito todas aquelas coisas, não tive tempo de agradecer por esclarecer aquela matéria. Eu realmente não saberia como agir diante de tal situação__ diz sincera e vejo arrependimento em seus olhos. Com isso, tomo uma atitude inesperada, até para mim.

__Então, que tal um jantar para podermos nos perdoar?__ peço, sorrindo. Não sei de onde criei coragem. Mas isso parece... Não, é isso o que eu quero. Chega de viver com medo, eu preciso arriscar.

__Um... Jantar de desculpas? Não precisa. Esta descul...__ Ela diz rapidamente se atrapalhando nas palavras, ficou envergonhada.

__Eu insisto e não aceito um não como resposta. Bom, só preciso de um tempo para pesquisar um lugar do meu agrado com as regras de higiene em dia__ Digo. Coisas ainda não mudaram em mim, continuo maníaco por limpeza, isso é um problema. Só de imaginar toda a sujeira de uma cozinha de restaurante, pessoas com seus germes e bactérias espalhados por todo o lugar me deixa em pânico.

__Façamos assim. Um jantar lá em casa, que tal? Sei que o senhor tem mania de limpeza, e como dizem, TOC__ Diz com a maior tranquilidade. Como se isso não fosse nada. Como se me entendesse.

__E isso não te incomoda?__ pergunto meio sem graça. Falar disso me deixa desconfortável.

__E por que incomodaria? cada qual com seus demônios. E eu garanto que sou bem limpinha, apesar de ser desorganizada__ diz agora entusiasmada com a possibilidade. Eu não sei, nunca fiz algo assim. Deixei de pensar quando vi o seu sorriso.

__Bom... Todo bem! Eu acho. Nos vemos na sexta?__ Tudo bem, eu consigo. É só um jantar. O que poderia acontecer de ruim?

__Ah, então tudo bem, na sexta ás oito. Não se atrase__ diz divertida. Depois disso, a reunião seguiu normal até o fim. Quando terminamos, não resisti ao impulso de beija-la novamente.

__Até Sexta-feira__ Reivindico os seus lábios para mim. Agora eu farei o possível para poder senti-los todos os dias.

__Até, Senhor Campbell__ sussurra.

__Por favor, me chame de Henry__ digo em seu ouvido. Ela se arrepia.

__Tchau, Henry__ Eu gosto de como meu nome soa em seus lábios. Dou um último beijo em seu rosto antes dela sair e eu voltar ao trabalho, ansioso pela Sexta. 






Aceito o Desafio  [Livro 1] SENDO REVISADOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora