Capítulo 2

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  Sendo Revisado

     05:45.

   Depois da noite mal dormida e turbulenta, levanto da cama já sentindo as pontadas do lado esquerdo, enxaqueca. Tomo o remédio que o Tom, meu médico e amigo, o único que aguentou e ficou comigo nos momentos difíceis me receitou e dou um tempo até sentir que esta fazendo efeito.

 Conheci o Tom na faculdade, quando tinha 21 anos, demorei para decidir o que queria fazer da vida, eu nunca havia pensado em tal coisa, no que eu seria bom, eu já sabia que o meu pai tinha tudo planejado. O Clark seria o CEO da empresa e eu... Bom, como eu disse, nunca parei para pensar no que eu queria fazer até ser forçado a isso.

  Tom estava no curso de administração de empresas, começamos com uma conversa sobre quem tinha a vida mais destruída, quem tinha mais cicatrizes. Eu venci o desafio, enfim, não da para comparar uma coisa dessas, quem sofreu mais ou quem teve mais decepções, ridículo. Foi aí que o Tom confessou que o sonho dele era salvar vidas e que só estava fazendo ADM por que o pai havia exigido, dei força para ele seguir o sonho e aqui estamos nós, Tomas é o orgulho da família. Queria eu, que fosse assim também. Me sinto como um fardo para a minha.

   06:00.

        Agora que eu já me sinto bem melhor, ponho uma roupa confortável  e vou até a academia da casa, eu sou meio paranoico com as coisas, não sei o que aconteceu, eu não era assim, tudo mudou em mim. Por isso, evito sair mais que o necessário, minha vida é a empresa, sempre que tem jantares ou viagens de negócios eu levo o segundo administrador, por isso é tão importante que eu mesmo escolha quem irá representar a empresa. 

 Termino os meus exercícios e vou direto para o quarto. Tenho exatamente 45 minutos para estar pronto, faço um cálculo rápido na mente de quanto tempo eu levarei exatamente para fazer cada coisa. Me tornei bom nisso, apesar de odiar matemática. Banho de 12 minutos, 5 minutos para me arrumar e 20 para tomar o café e sair, teria 6 minutos livres caso algum imprevisto aconteça. Daria tempo. Quando tudo esta pronto e em ordem, rumo ao escritório com um tempo a mais.

     O transito hoje esta um inferno, as sinaleiras parecem estar mais lentas que o normal, estou 2 minutos atrasado, vocês podem achar que não é nada, mas para um homem como eu significa tudo. Ganhar ou perder, viver ou morrer. Tempo, significa tudo para mim. 

  Perdido em meus pensamentos, não percebo que o motorista já está parado em frente ao grande prédio com paredes de vidro, faço um gesto em sinal de agradecimento ao Juan e vou em direção a entrada do lugar o mais rápido possível, sinto a sujeira da rua e das pessoas então tenho que correr. 

 Dentro do grande prédio tudo parece muito monótono e as pessoas são todas iguais, o lugar não tem cor e nem alegria, tudo muito lúgubre. Eu escolhi assim, cores me fazem lembrar e eu odeio ter lembranças, principalmente do passado. Na empresa temos regras rigorosas de limpeza e organização. Tudo tem que estar perfeitamente perfeito.

     Preciso do meu remédio para ansiedade, mas já estou muito atrasado para as entrevistas. Eu consigo ficar umas horas sem ele, eu consigo. São só algumas horas, que mal há?
 Passo pelo saguão da recepção, a recepcionista de nome Eveline me cumprimenta sorridente, eu apenas aceno como sempre. Não gosto de contato com ninguém, não sou simpático e não distribuo sorrisos, mas eu sei ser educado, é claro.

     Sigo em direção ao elevador, os candidatos provavelmente já estão a minha espera. Sinto as mãos suarem e uma pequena gotícula de suor frio descer por minha testa, garganta seca e inquietação, os sintomas são claros mas eu não posso parar para me medicar, tenho que aguentar.

  A caixa de metal chega onde eu estou e se abre, graças aos céus está vazio, odeio aglomerados de pessoas cheias de suas bactérias e falta de higiene, conversando alto e com suas roupas pouco limpas e desalinhadas. Aqui no prédio tem o elevador privativo, só eu utilizo, mas como nada hoje parece estar dando certo, o infeliz está quebrado. Sinto os olhares das pessoas sobre mim, os cochichos e risadinhas, comentários e piadas maldosas sobre o chefe que dá chilique ou o CEO intocável, essas coisas deixaram de me incomodar a muito tempo, não me importo mais com isso. As pessoas não compreendem muitas coisas e quando se deparam com o desconhecido ou "esquisito" como intitulam, buscam uma forma de defesa e nem sempre essa camuflagem é passiva. Na verdade, sempre machuca.

      A porta do elevador esta quase fechando quando ouço alguém pedir para segurar, é uma voz doce, porém potente. Não olho para a mulher, eu queria muito ajudar mas não consigo, não posso tocar nessa porta imunda, cheia de bactérias. Se controla Henry... Respiro fundo.
Continuo de cabeça baixa fingindo não ouvir a mulher gritar feito louca e soltar um palavrão. Nossa; isso me pegou de surpresa porquê eu tenho quase certeza que foi para mim.
   
    __Obrigado por segurar a porta.__   ouço aquela voz cheia de ironia novamente, eu gostei muito do som. É suave porém autoritária, com um grande sotaque que não sei dizer exatamente de onde é. Ela fala outras coisas em uma língua meio embolada, agora sim o sotaque ficou mais forte. Latina, com certeza.

 Seu perfume me inebria e me sinto meio tonto, o cheiro dela é maravilhoso.  Ainda não me atrevo a olha-la. Com a cabeça levantada sigo em direção ao 40° andar onde fica a presidência, olhando sempre em frente e contando os segundos para sair logo daquela caixa metálica, não sou claustrofóbico mas estou começando a ficar, sem os remédios me sinto vulnerável a tudo.

     Sou tirado do meu pequeno momento de pânico quando sinto mãos tocando o meu braço, uma irritação e desespero toma conta de mim, todos sabem que eu odeio ser tocado, odeio pessoas perto. Tomo algumas respirações pausadamente e tento contar até 100, ignorando o toque suave em meu braço. Droga de elevador que não chega. As mãos ainda estão me tocando e agora me balançam de um lado para o outro. O que essa mulher está fazendo? Os meus olhos com certeza estão arregalados, tenta contar até 10, até 20... não está adiantando. Respiro fundo, mas perco todo controle que tentava manter.

   __Tire suas mãos de mim, não te dei autorização para me tocar.__
     
     Falo baixo e ameaçadoramente, não preciso gritar, mas eu quero muito. A mulher tira as mãos depressa e assume uma postura defensiva, percebo ainda sem olha-la, apesar de aparentemente alta eu sou muito maior. Assim fica mais difícil nos encararmos. Tento vê-la através do reflexo metálico.

   __Só queria avisar para você lembrar de respirar, estava aí parado feito um maluco olhando para o nada, pensei que fosse ter um treco e cair duro no chão. Eu não sou médica, só tenho curso de sobrevivência. Sabe, eu e meu irmão sempre brincávamos de desafios, uma vez apostamos quem mais conseguia prender a respiração, nossa, ele quase desmaiou, ficou com a mesma cara que a sua. Foi engraçado, porém levamos uma bronca danada. Nossa... Você também está indo fazer a entrevista? Acho que estamos atrasados. Na verdade sou a rainha dos atrasos, meu nome é Anallu e o seu? Você não é muito de falar não é? Sabe...

    Parei de ouvir. Essa mulher fala pelos cotovelos. É até engraçado o jeito que ela fala rápido e embolado, quase não consigo acompanhar. E como assim ela não sabe quemeu sou? Bom, falando assim com certeza vou descartar logo da vaga, odeio gente que fala demais.

      As portas se abrem e saio apressado daquela caixa, mais um minuto ali e eu morreria com certeza. Ou mataria.  Passo pelos candidatos na primeira porta e sigo em direção a minha sala, não sei o que aconteceu com a mulher faladeira, não me dei ao luxo de olhar para ela.

    Já no conforto e segurança da minha  sala, observo o lugar, tudo na cor branca sem muitos objetos ou móveis, apenas a minha mesa de vidro e cadeira de couro branco, sem cortinas de pano apenas persianas nas janelas, uma estante com poucos objetos. Quanto menos coisas, menos sujeira e bagunça. Vou em direção a minha cadeira e me permito sentar, tudo está limpo do jeito que eu gosto, penso em tomar os remédios agora, porém já estou muito atrasado para as entrevistas. Na verdade, queria me livrar logo de tantos comprimidos, sei que não me fazem bem, o que é estranho já que foram feitos exatamente para o contrário. Enfim, fica para outra hora. Me ajeito na cadeira e ligo para a mesa da secretária e peço para mandar entrar o primeiro candidato a vaga. Longo dia.



Aceito o Desafio  [Livro 1] SENDO REVISADOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora