Capítulo 36 - Berenice

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Miguel ficou no escritório até o fim da tarde. Ela o vira convencendo os empregados a avisarem-no imediatamente da volta de Leonel. Mas este não voltou.

Berenice o esperou por um bom tempo, mas acabou deixando o corredor para tomar um pouco de ar. Tinha cometido a maior loucura de sua vida.

Ela foi até a varanda do primeiro andar, onde podia ver a entrada da mansão e a hora em que Leonel chegasse. De lá, também ficaria atenta à saída de Miguel. Não poderia perder o encontro deles por nada, ou, então, tudo estaria perdido.

Em um instante, porém, de distração, cuidando dos portões da casa ali de cima, Berenice percebeu que perdera o marido de vista. A porta do escritório estava aberta e ele já não estava mais lá.

Procurou-o, desesperada, no quarto deles, nas proximidades dos aposentos de Leonel, na entrada de casa, na garagem, e nada dele.

Eram seis horas da tarde. A essa hora, Miguel estaria tomando tranquilamente seu banho, no ofurô perto do jardim. Apesar de ser um homem romântico e gostar de estar sempre com ela, Berenice soubera, pelos empregados, que aquele era um momento sagrado do patrão, e que ele não gostava de compartilhá-lo com ninguém, nem mesmo com as esposas. Era um momento em que ele exigia completa solidão e nenhuma interrupção.

Berenice achou pouco provável que ele estivesse disposto a tomar um banho relaxante, em um momento tão cheio de tensão como aquele. Sem, no entanto, mais nenhuma ideia de onde procurá-lo, resolveu ir até lá.

Afundando seu salto de verniz na grama fofa do jardim recém irrigado, Berenice lembrou-se de nunca ter estado naquela parte da casa. Pensou também se seria uma boa ideia, caso ele estivesse mesmo lá, de se aproximar dele. Se, em um dia normal, isso já poderia lhe render um bom desaforo, num dia como aquele, ela devia correr sério risco de morte.

Aproximando-se apenas para constatar se ele estava ou não lá, Berenice pôde ouvir um som abafado de águas por trás da cerca de bambu. Miguel havia feito uma área bem reservada no fundo do jardim, com vigas de bambu justapostas, de modo a manter total privacidade. Apesar de ser a céu aberto, nenhuma janela da casa dava para aquela região.

Pronta para voltar para dentro da casa, agora que sabia que Miguel ainda estava sob controle ali, Berenice deteve-se ao ouvir a voz do lacaio. Será que Miguel havia encontrado Leonel escondido ali? Estariam os dois lutando naquele lugar, longe de todos, e longe, principalmente, dos olhos e ouvidos dela?

Sem perder mais tempo, Berenice correu para a porta, conseguindo distinguir algumas palavras, que soavam, no mínimo, nervosas.

— Eu sou o seu melhor aliado, você não é ninguém sem mim! Berenice já está ficando louca, você tem que...

Desesperada quanto ao que estaria acontecendo, Berenice escancarou a porta, vendo a última cena que imaginou que veria. Leonel estava afogando Miguel na banheira.

— ... hipnotizá-la, fazendo-a acreditar de novo em você — continuou Leonel, com um braço imerso na água e, o outro, lhe dando apoio na beirada do ofurô, com respingos de água atingindo sua roupa impecável.

— Não, Leonel, solta ele! — Berenice gritou, sem medir os riscos que estava correndo. Não ia deixar que ele matasse o seu marido por nada no mundo.

Leonel a olhou por um instante em pânico, mas, depois, pareceu dirigir toda a sua fúria para ela. Soltando o pescoço do patrão, que permanecera submerso na água, Leonel correu até Berenice, enquanto ela gritava para que Miguel saísse de lá e pedia socorro.

Berenice achou que o lacaio a esganaria ali mesmo, mas ele a arrastou pelos cabelos para onde estava Miguel, enquanto ela se debatia, em vão. Ao menos, ela poderia tentar puxar o marido para fora.

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