Capítulo 8 - Miguel

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Ele só precisava de um chá da tarde na casa da família de Berenice para tê-la como sua mulher, o que, embora ela o tenha alertado que poderia ser um desastre, não lhe causava a menor preocupação.

Miguel contava com a sorte que poucos homens tinham: de se dar muito bem com a família da noiva. No caso dele, poderia se dar bem com qualquer família, bastaria convencê-los de que o adoravam.

Depois de mais duas tardes, cheias de deliciosas e surpreendentes conversas com Berenice, Miguel decidiu que faria dela sua nova esposa. As mesmas conversas, porém, fizeram-no também decidir que, com ela, as coisas seriam diferentes.

Miguel não era tolo. Por mais que tivesse tentado, com todo o esmero, manter seus casamentos, eles estavam sempre fadados a acabar da mesma forma, porque ele sempre fazia com suas mulheres o que bem queria com a mente delas. Pagava o preço, porém, de perdê-las, uma a uma, sem que nada mais pudesse ser feito para salvá-las.

Sim, com Heloísa tinha durado um pouco mais, mas até quando aguentaria enterrar esposas que amava? Até um canalha como ele tinha um coração com um limite de vezes que podia ser partido.

Tudo, porém, seria diferente com Berenice. Não teria a vantagem única de moldar a mente dela segundo seus próprios interesses, mas poderia ter o privilégio que outros homens contavam de ter sua mulher para sempre ao seu lado.

E lá estava o programador de lembranças, sentado relaxadamente numa cadeira de madeira no jardim da casa de seu novo alvo. O solzinho fraco era só uma insinuação de calor naquele dia frio, mas o clima gélido que se instalara com o ex-sócio do falecido patriarca da família ali presente era insuportável para todos. Só não para Miguel.

O futuro casal parecia ter combinado cantar em um dueto com aquelas roupas azuis. Berenice usava um sobretudo azul-marinho e botas pretas, enquanto Miguel estava de camisa branca e um suéter azul turquesa. Ela, porém, retorcia a barra do casaco nas mãos, enquanto ele permanecia bem alinhado, bebericando um chá de hortelã que lhe ofereceram e comendo alguns biscoitos de leite, como se estivesse petiscando na praia.

— Eu não estou entendendo mais nada — murmurou Lúcia por fim, quebrando o tenebroso silêncio que se fizera, depois que Miguel terminou de falar para começar a comer.

A mãe de Berenice recebeu Miguel como se fosse um cobrador de dívidas. Não fazia sentido aquele homem podre de rico estar ali, tomando chá em sua casa, a troco de nada.

Quando Berenice chegou mais tarde em casa numa sexta-feira, Lúcia imaginou uma porção de coisas, mas nem com mil palpites descobriria que a filha esteve na mansão do dono da Informa. Com o dono da Informa. A sós.

Berenice tentou explicar o que ela mesma não entendia: como fora parar lá. Mas garantiu não ser nada demais, até porque acreditava piamente que o homem nunca mais a procuraria. Não poderia estar mais enganada.

Depois de se encontrar mais algumas vezes com ele, a garota o informou de que sua família estava um pouco incomodada com aqueles encontros, o que, para sua surpresa, ao invés de desmotivá-lo definitivamente, levou-o a se convidar para vê-los no final de semana seguinte.

Dona Lúcia não acreditou quando Berenice viera lhe contar quem viria visitá-las no domingo. Primeiro, achou que ela estivesse brincando. Berenice não era tão bonita assim para chamar a atenção de um homem daquela grandeza. Depois, passou a acreditar que ele as estivesse querendo espionar (algo, talvez, relacionado aos negócios do falecido marido). Mas, agora, com ele ali no seu jardim, tecendo os mais exagerados elogios sobre Berenice, começou a acreditar que ele estava era se aproveitando da ingenuidade da filha para levá-la para o mau caminho.

— Eu estou encantado por sua filha, dona Lúcia, é só isso. — Miguel olhava afetuosamente para Berenice.

As tias se entreolhavam, devolvendo um severo olhar para o casal, mas Miguel estava pouco se importando com aquilo. Só precisava convencer a mãe, e isso sequer lhe daria algum trabalho.

Lúcia apertou os lábios, como que se reprimisse alguma palavra ferina. Se aquele homem estava pensando que levaria a todos na conversa, estava muito enganado. Ela era macaca velha e sabia o que um homem daquele nível iria querer com sua pobre filha, que, depois que o pai morreu, não tinha onde cair morta.

Levantou-se e pediu licença a todos para ferver mais água. Deixaria ele acreditando estar convencendo a todas. Botaria ele para correr em dois tempos.

Enquanto punha a chaleira no fogo, sentiu o vento vindo pela porta que se abriu atrás de si. Mas que diabos aquele homem estava fazendo em sua cozinha?

— Eu sei que a senhora adorou me conhecer, dona Lúcia, e a recíproca é verdadeira — disse Miguel aos olhos dela, sem rodeios, da forma mais terna que pôde. — Berenice não poderia ter encontrado um homem melhor. Agora, a senhora vai fazer de tudo para que ela me conquiste e me convença a casar com ela. Não vai permitir que ela me perca por nada.

Lúcia ficou com os olhos marejados de emoção ao ouvi-lo dizendo isso. Sua filha tinha tirado a sorte grande. Que bom homem era aquele!

— Senhor Miguel, por favor, o que faz aqui na cozinha? Por que não se senta lá com Berenice, enquanto eu preparo tudo aqui para vocês, hã? Tenho certeza de que vão querer ficar juntos o máximo que puderem.

Miguel concordou com um sorriso, pedindo licença ao sair. Poderia fazer isso com as tias também, mas a mãe já era o suficiente. Ela não descansaria até ver os dois juntos, e isso já era o bastante.

— Miguel, o que foi fazer lá? — Berenice grunhiu, entredentes, enquanto as tias conversavam, desconfiadas, entre si. — Eu disse que não ia ser fácil lidar com elas, e você ainda me entra na cozinha dela? Minha mãe não deixa que nenhum estranho entre lá!

— Não sou nenhum estranho. Pelo menos, não por isso — Miguel se divertia, sem conseguir tirar nenhum sorriso dela. — Mas tenho certeza que sua mãe não se importou com isso. Fui informá-la que tenho boas intenções com você. Acho que ela me adorou.

— Ah, claro — ela disse, revirando os olhos. — Nem se você viesse aqui pintado de ouro convenceria a minha mãe tão fácil assim.

— Quem quer mais chá? — cantarolou Lúcia, saindo da cozinha com uma bandeja nas mãos.

— Eu quero de camomila — pediu a irmã mais velha, com um ar rabugento.

— Primeiro o senhor Miguel, Lia. Ele é nosso convidado especial. Claro que só hoje, porque das outras vezes que vier, já vai ser praticamente da família, não é mesmo? — ela disse, dando uma piscadinha cúmplice para Miguel e recebendo outra da parte dele.

Berenice olhou estarrecida aquela cena, achando que estava em outra dimensão, porque era impossível, na dimensão que conhecia, haver um ser que cativasse sua mãe daquela forma.

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*** Mais um capítulo no ar!
Espero que tenham gostado. Sei que foi curtinho e sem grandes revelações, mas era necessário para mostrar como ele fazia para "conquistar" a família das esposas.


NO PRÓXIMO CAPÍTULO...

Capítulo que vem promete, Gabrielle, que já estava praticamente esquecida por Miguel, volta em cena! Não percam! ***

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