Capítulo 7 - Miguel

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— Fruta preferida.

— Pêssego.

— Melão. Melhor hora do dia.

— Ahn... Quatro da tarde.

— Quatro da tarde? Por quê?

— Ah, sei lá, porque a tarde já quase se foi, mas ainda pode acontecer tanta coisa...

— Certo — respondeu Miguel, achando graça. — Oito da manhã. Quando tudo começa. Uma viagem dos sonhos.

— Paris.

— Clássico. Descreva.

— Uma passagem na primeira classe. Um contexto bem romântico, como uma lua de mel. Sem previsão de volta. Passeios históricos, compras, dinheiro ilimitado, e ... Não me olhe assim, você falou viagem dos sonhos! — protestou Berenice, ante os olhos revirados de Miguel.

— Achei que você escolheria algo mais criativo. Essa não pode ser uma viagem dos sonhos, parece uma viagem típica de inverno que turistas típicos fariam.

— Eu disse dinheiro ilimitado — ela observou, erguendo um dedo para começar a enumerar os itens, desafiando-o com o olhar — e compras. Nas mãos de uma mulher. Acha que um turista típico poderia bancar isso?

Miguel gargalhou com vontade. Há quanto tempo não se sentia tão bem assim?

Não podia reclamar das falecidas esposas. Todas tinham seu senso de humor e nenhuma o deixava entediado. Mas Berenice era tão espontânea e autêntica que Miguel não conseguia disfarçar sua admiração. Nenhum truque, nenhuma magia. A moça era aquela fonte de alegria naturalmente.

Ambos perderam a noção do tempo, enquanto conversavam sobre tudo, inclusive sobre coisas que nunca haviam compartilhado com ninguém. Nada que fosse segredo, apenas coisas que nunca tiveram a oportunidade ou o interesse de dividir. Coisas que perceberam serem essenciais, apesar de serem postas assim, em uma conversa tão trivial.

Miguel se incomodou muito quando Berenice lhe confessara o quanto gostaria que alguém desejasse ouvir sua opinião. Foi isso, afinal, associado à injustiça que cometera com ela naquela noite, que o fez querer revê-la e inventar esse jogo de perguntas que o acabou viciando: ele fazia uma pergunta, aguardava a reposta dela e, depois, ele mesmo respondia. Simples assim. Complexo assim. O que ele não imaginava era como seriam interessantes as opiniões daquela mulher.

Descobrira coisas incríveis sobre ela, como, por exemplo, que ela praticava patinação no gelo, que era alérgica a baratas e que amava história. E contou coisas sobre si que jamais se imaginou revelando, como as músicas que cantava no banho e qual truque mental usava quando sua mente se recusava a dormir (essa última, ele nem sequer tinha pensado a respeito, quanto mais compartilhado).

— Está certo. Última pergunta então: — disse Miguel, tentando relaxar o rosto, que estava cansado de tanto sorrir — Como seria um amor perfeito?

Berenice olhou para o horizonte, mudando sua expressão. Estava encantada com a conversa e com toda a atenção que recebera. Achava que, em toda a vida, nunca tinha falado tanto sobre si quanto naquela tarde. Mas, de repente, caiu em si, voltando ao mundo real. Era maravilhoso pensar em alguém tão interessado nela, mas ela devia aterrissar logo, antes que não houvesse mais combustível para continuar o voo. Aquilo tudo iria acabar e ela estaria de volta à sua pacata e desinteressante vida. O homem era importante demais para lhe dedicar outra tarde daquela, e ela ainda nem soubera o motivo de ele tê-la agora ali, em sua casa.

— Não acredito no amor — confessou, olhando para as próprias mãos. Não queria dizer que, na verdade, não acreditava num amor para ela.

— Isso não é verdade — ele concluiu, um pouco irritado por ela não ter sido tão sincera quanto tinha sido até então. — Você acredita sim, e sonha com isso. Toda mulher sonha.

Berenice o encarou, revoltada. Ele não sabia nada sobre ela. Sim, havia feito um milhão de perguntas naquela tarde, mas não sabia nada sobre como ela se sentia com relação ao amor. E como não queria mais sonhar.

— Eu tenho que ir embora — ela declarou, de repente, tirando os pés do banco de metal à sua frente, apoiados num momento em que se sentiu como se estivesse em casa.

Mas ele segurou em seu braço, impedindo que ela se levantasse.

— Não vá — ordenou, sem o pudor de evitar olhar em seus olhos. Agora queria saber o que houve com ela. Aquilo era, na verdade, o que mais queria saber.

Ficou tentado a exigir que ela lhe respondesse honestamente à sua pergunta, mas, pela primeira vez na vida, ele queria mais do que a somente a verdade: queria confiança.

— Por favor, Berenice, responda só mais essa pergunta — ele pediu, desviando seu olhar para uma pulseira dourada que ela usava no braço que ele segurava.

— Corro o risco de ser ainda mais clichê do que Paris.

— Duvido que sua concepção de amor chegue perto de um clichê.

— Você me superestima. — Ela se levantou novamente.

— Para mim, amor perfeito é aquele que não te deixa — Miguel disse, de repente, quando ela já tinha passado por ele. — Mesmo quando vai embora.

Berenice sentiu um nó na garganta. Lembrou-se, um pouco tarde, do pai dizendo que tinha ido ao velório da esposa do sócio, há poucos anos. Miguel era viúvo, como ela pôde ser tão insensível se esquecendo disso? Sentou-se novamente no banco, de frente para ele.

— Eu sinto muito — sussurrou, procurando seu olhar.

— Pelo quê?

— Eu sempre amei chocolates, de todos os tipos — ela começou, depois de um tempo, fazendo-o pensar que aquela ali tinha batido o recorde da insanidade em sua companhia. — Até que, um dia, meu pai me trouxe um chocolate da Bélgica. Era absolutamente perfeito. Nunca mais apreciei da mesma forma os chocolates daqui.

Miguel continuou a sondá-la, tentando entender aonde ela queria chegar.

— Eu nunca conheci o amor — ela concluiu. — Mas tenho certeza de que é muito pior perder algo bom que se tinha do que nunca ter provado.

O programador a olhou, perplexo. Quem era aquela mulher diante dele? Como nunca a havia conhecido?

— Como seria um amor perfeito? — perguntou ele, mais uma vez. Queria aquela reposta mais do que tudo naquele momento.

— Qualquer um que fosse real — ela declarou, olhando em seus olhos, sem saber do perigo que corria.

Miguel mergulhou em seu olhar, pela primeira vez como caça e não como caçador. Pela primeira vez, sem o domínio, mas sendo dominado. Decidiu, então, que veria aquele olhar até o fim da vida. Da sua vida.

E concluiu que, talvez, ela tivesse mesmo razão. Talvez, ele nunca mais fosse olhar as mulheres de outra forma depois de ter conhecido Berenice.

Ela era, enfim, o seu chocolate Belga.

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*** Olá, meus queridos!

O Programador, finalmente, conhece a mulher que havia torturado na festa, e simplesmente a adorou!

Berenice está confusa com tanta atenção, mas acaba se abrindo com esse desconhecido de uma forma que nunca se abrira com ninguém.


NO PRÓXIMO CAPÍTULO...

Miguel está determinado a ter Berenice de qualquer maneira. O desafio será não usar seus poderes para conseguir isso. Mas essa regra só se aplica a ela, não é mesmo? Pelo menos, parece que é o que o Programador acredita... ***

O Programador de LembrançasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora