Capítulo 11 - Miguel

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Mais cedo ou mais tarde, aquilo teria que acontecer. Uma a uma, todas descobriam seu segredo. A diferença era que ele deixaria Berenice se lembrar.

Os primeiros meses de casamento foram maravilhosos. Sempre eram. Romantismo, passeios, planos, juras de amor. Miguel aproveitou muito tudo, mas todo aquele amor seria posto à prova quando a verdade viesse à tona. E ela veio.

Com Berenice, fora de uma forma desnecessária. Talvez, tenha sido isso que enraivecera Miguel. Ela podia ter vivido mais um bom tempo sem saber de nada, não fosse uma maldita ligação no fim de uma tarde qualquer, exaltando os ânimos de Miguel e fazendo-o falar mais alto do que devia. Ele conversava com um funcionário da Informa que já havia persuadido a fazer qualquer coisa que mandasse, de modo que tinha pleno poder sobre ele até mesmo ao telefone. Usou termos e falou de coisas que ninguém deveria saber, mas um empregado soube e veio lhe contar.

A fim de manter todos os funcionários e empregados sob seu controle e não deixar que seu segredo alcançasse proporções catastróficas através deles, Miguel dissuadira todos a lhe contarem qualquer coisa estranha que notassem na casa. Qualquer coisa que vissem ou ouvissem que fugisse da normalidade deveria ser, imediatamente, notificada a ele. Assim, bastaria ele justificar o que quer que tenham presenciado da forma que bem entendesse e tudo estaria resolvido. A não ser, é claro, que isso ocorresse com alguém que ele não hipnotizaria. Como sua esposa.

Leonel havia saído para receber o pagamento de um sócio que já estava afundado. Terminaria na lama, mas não antes de pagar tudo o que devia a Miguel. Essa dívida era prioridade para ele, antes mesmo do sustento da família. Miguel tinha muito o que pensar para perder seu tempo imaginando se os filhos daquele homem teriam o que comer depois daquilo.

Mas a ausência de Leonel custou um empregado bisbilhoteiro, que ouvira a acalorada ligação telefônica, e a consequente descoberta de Berenice, que assistiu Miguel "convencendo" o empregado de que subira para limpar o escritório e que acabou sendo chamado para ver uma estante há tempos imunda. A estante estava impecavelmente limpa, mas fora persuadido que deveria ter muito mais zelo para que aquela sujeira não se acumulasse daquela forma. Nada de telefonemas. Nada de conversas exaltadas. Tudo o que acontecera ali fora para discutir meras questões domésticas.

Um motivo tolo, mas suficiente para surpreender Berenice, que ouvira os gritos do marido na sala ao lado onde estava e, depois, uma conversa absurda com um empregado que não fazia o menor sentido.

— Você veio aqui só para arrumar o escritório, quando me ouviu te chamando. E eu sei que você será mais diligente da próxima vez que orientar as moças da limpeza a organizar melhor as coisas aqui também — Miguel ia dizendo, como se encenasse uma peça.

Aquilo parecia tão surreal, que Berenice teve que entrar para ver o que estava acontecendo ali. Ela tinha visto o empregado subindo apressado as escadas, quando ela saiu para ver o que estava acontecendo do outro lado da porta do escritório de Miguel. Mas, enquanto ela mesma não tivera coragem de entrar para perguntar, parecia que o simples coordenador de limpeza tinha intimidade e audácia suficientes para bater na porta e entrar no escritório.

— Agora continue suas tarefas pela casa. E não se esqueça de sempre me contar se ver ou ouvir algo estranho por aqui — terminou Miguel, com uma mão no rosto do rapaz, antes de ver Berenice ali na porta, boquiaberta, lutando entre a curiosidade, a incredulidade e o medo.

O empregado pediu licença e saiu tranquilamente de lá. Nenhum vestígio de temor ou confusão, apenas atuando como se aquilo tudo fosse absolutamente normal, parte do seu trabalho.

— Amor, o que está fazendo aqui? — perguntou Miguel, ciente do que estava por vir. Tinha chegado a hora.

— O que foi isso? — ela conseguiu perguntar, sendo encorajada pela feição pacífica do marido. Ao que tudo indicava, ele não estava nem um pouco abalado.

— Por favor, sente-se — ele pediu, apontando a cadeira em frente à sua mesa, como se Berenice fosse uma visita.

— Não, não quero sentar. O que aconteceu aqui? Porque você falava com o rapaz daquele jeito, como se estivessem num teatro? Você estava aos berros no telefone, depois começou com uma história de que o chamou aqui para ver uma sujeira? Ele veio aqui para ver que gritaria era aquela!

Berenice mal se continha. Não podia se esquecer dos boatos que ouvira de alguns empregados que a falecida esposa de Miguel havia terminado no hospício. Presenciar uma cena daquelas parecia mesmo um teste de lucidez, e Berenice começava a ficar aflita com o que tudo aquilo significaria.

— Tenho que te contar uma coisa — declarou, sentando-se na beirada da mesa, com uma mão no rosto.

Miguel poderia ter despachado toda a verdade. Seria simples dizer exatamente o que tinha acontecido, o que ele era. Mas aquelas lembranças ficariam na memória de Berenice. Ele precisava ser cauteloso com o que queria que ela se lembrasse.

— Eu não sou o que você pensa — escolhia suas palavras com cuidado, sem perceber a reação da esposa. — Minha vida é uma farsa.

Berenice o encarava, atônita. Mil coisas passaram em sua mente. O que ela pensava que ele era? O amor de sua vida. Seu sonho realizado. A luz que a iluminou quando ela não passava de uma sombra. De repente, ele não era mais isso? Não se casara por amor? Havia um interesse oculto em tudo isso? Tudo o que viveram até então era uma farsa?

Sem querer descobrir a verdade, Berenice deixou o escritório correndo, seguindo para o jardim. Enquanto pudesse fugir da realidade, poderia viver sua fantasia.

Miguel ficou estarrecido, totalmente imóvel onde estava. Ela nem ouvira o que tinha a dizer e já o rejeitara daquela forma. Aquilo, certamente, seria muito mais difícil do que podia imaginar.


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*** Olá, querido (a) leitor (a)!!! Que bom que você está aqui!

Berenice não está querendo ouvir a verdade. Para ela, o casamento deles faz parte dessa farsa que Miguel diz ser sua vida, e está morrendo de medo de perdê-lo. 

Miguel, por sua vez, ainda está tentando manter o plano de não usar seus poderes para manipulá-la. A mulher que escolheu para fazer isso, porém, parece já ser problemática o suficiente, antes mesmo que ele faça qualquer intervenção em sua mente. Será que, apesar dos esforços do marido, ela se manterá lúcida nessa mansão?

CAPÍTULO QUE VEM...

O segredo é, finalmente, revelado. Berenice vai acreditar quando Miguel contar que é um programador de lembranças? Não perca!!! ***

O Programador de LembrançasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora