Capítulo 24 - Berenice

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Não era fácil correr contra o tempo. Cada minuto que ela demorava para encontrar a caixa com os diários era mais uma chance para todo o seu conteúdo ser destruído.

Ela não seria tola de tratar do assunto com Miguel. Ao que tudo indicava, ele estava agindo por detrás dos panos de uma forma muito mais sorrateira do que ela mesma estava fazendo, invadindo o seu passado. Era ele, afinal, que tinha muitas coisas a esconder.

Miguel passou as tardes daquela semana fora de casa, o que dava a ela a oportunidade de vasculhar cada centímetro do escritório dele. Como ela raramente ia ali sozinha, considerou como primeira opção para ele ter escondido a tal caixa, caso ela ainda não tivesse sido destruída por ele. A presença constante do lacaio, no entanto, não permitia que ela passasse muito tempo sem ser notada e até questionada, como se o dono da casa fosse ele, e não o contrário.

A caixa não era tão pequena que pudesse estar tão bem escondida, mas nada garantia que Miguel tivesse guardado a caixa inteira com o seu conteúdo. Nada garantia sequer que a caixa estivesse, afinal, guardada em algum lugar da casa, o que tornava o trabalho de Berenice quase impossível.

No escritório, tudo o que encontrou foram planilhas e mais planilhas com registros de todas as negociações, lucros e transações que definiam o exorbitante patrimônio de seu marido. Mas, como ele mesmo bem dissera, ela nada entendia daquilo para saber o que fora ganho honestamente e o que fora fruto de fraudes ou falcatruas. De qualquer forma, aquele não era seu objetivo.

Ao constatar que o que procurava não estava lá, perguntou a um empregado sobre algum local em que Miguel costumava guardar coisas sem valor, e descobriu um sótão de quinquilharias. Não estava nem um pouco animada em começar a vasculhar lá, mas sua vida podia depender daquilo.

Começou a abrir algumas caixas de papelão, espirrando a cada segundo que passava ali, mas tudo o que encontrava eram objetos dos mais variados, que poderiam ter pertencido a qualquer um, desde parentes distantes de Miguel, até a família de alguma esposa. Revirou como pôde o local, sem obter sucesso, e tratou de saiu logo de lá, antes de começar a achar o esconderijo das baratas presentes ali, denunciado por sua reação alérgica a elas.

Vencida pelo cansaço, Berenice subiu para tomar um banho quente e tirar toda a fuligem e sujeira adquiridas em sua aventura no sótão. Procurou um anti-alérgico na caixinha de medicamentos, tomou uma ducha rápida e deitou-se de hobby na espaçosa cama, sem saber o que fazer. Miguel já devia estar para chegar.

Ela foi até o closet se vestir, quando uma ideia lhe ocorreu. Talvez o que ela procurava estivesse bem debaixo do seu nariz o tempo todo. Miguel poderia, muito bem, ter escondido a caixa no quarto deles, imaginando que seria o último lugar que ela procuraria, o que de fato foi.

Berenice começou a olhar em cada gaveta e armário, mas não havia nada, senão suas próprias coisas. Dirigiu-se, então, ao closet do marido, constatando, surpresa, que era a primeira vez que entrava ali.

A organização dele era assustadora, Leonel devia ter aprendido muito com o patrão. Todas as cuecas sistematicamente posicionadas por cor e tecido. Gravatas e meias, da mesma forma. As camisas, impecáveis, descansavam tranquilamente nos cabides, aguardando seu uso. No armário de cima, alguns aparelhos elétricos, cobertores e, lá no fundo... Um álbum?

Berenice foi vencida pela curiosidade e, na ponta dos pés, puxou um grande livro com cuidado. Não era bem um álbum, era um scrapbook. E a foto da capa não deixava dúvidas de quem lhe dera de presente. Abraçada ao seu marido, estava uma linda mulher loira, ciente de todo o seu poder e da sua importância. A exuberante e falecida senhora Marcela Lontano.

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