O Programador de Lembranças

Capítulo 9 - Gabrielle

Uma notícia despontava na tela do computador da mesa de Christian. O anúncio de mais um casamento.

Gabrielle estava sentada na ponta da mesa, roendo as unhas perfeitas. Há tempos já havia parado com aquela mania, mas aquela última notícia de Lontano a havia desestabilizado. Dentro de dois meses, o homem estaria casado. De novo.

Como era possível que as mulheres ainda aceitassem se casar com ele, depois de ver o trágico fim que levaram as demais esposas? Quem, em sã consciência, apostaria nessa sentença de morte? Gabrielle já ouvira falar de pessoas que se casaram por vários motivos. Dinheiro, status, vingança, atração física, amor, o que fosse. Nada justificava alguém se casar com um homem inescrupuloso como aquele, sabendo que a pomposa festa de casamento terminaria, invariavelmente, em um funeral.

Certo, tinha a questão da ameaça. Até hoje, ela não conseguia entender como Christian podia defender tanto o homem que o ameaçara daquela forma. Não devia ter sido apenas com uma arma apontada em sua cabeça. Depois do que ouvira na festa, no mínimo, havia uma foto da mulher e dos dois filhos pequenos nas mãos do homem e uma promessa de um final terrível para toda a família dele quando o ameaçou. Mesmo assim, isso só explicaria a sociedade, não a adoração que Christian parecia sentir por Miguel.

Quando Gabrielle recebeu o convite para a festa beneficente que aconteceria no Brasil, ela chegou a dar graças a Deus. Finalmente, aquela maldita sociedade seria desfeita e tudo voltaria a ser como antes.

Todos receberam um convite impresso com as entradas para a mansão, como se esta fosse um teatro e ele oferecesse os ingressos. Talvez, a ideia fosse mesmo que aquilo virasse um circo. Apenas ela, porém, recebeu, juntamente com o convite, um bilhete escrito à mão, dizendo que resolveriam todas as pendências da sociedade na festa e que todos estariam satisfeitos quando saíssem de lá. Ela, com certeza, não saiu nada satisfeita.

Todos da empresa levaram alguém da família ou, no caso dos homens não casados, suas respectivas namoradas. Gabrielle, porém, fora a única que viajara sozinha. Pela idade, independência financeira e boa aparência, ela sabia que já era para estar bem estabilizada socialmente com um marido e, até, filhos. Mas ela vivia na ilusão de ter o homem da sua vida ao seu lado, e não aceitaria nada menos do que isso.

Christian era cerca de quinze anos mais velho do que ela. Loiro e de olhos verdes bem vivos, tinha um porte pequeno, comparado ao poder da sua presença. Era mais baixo do que ela (o que não era muito difícil), mas, mesmo assim, olhava a todos de cima. Galgara sua posição na empresa de forma totalmente honesta e, por isso, sabia valorizar muito o lugar onde chegara. Nunca desrespeitava as pessoas, mas colocava todos no devido lugar.

E fora justamente por esse caráter imaculado que Gabrielle se apaixonara desde a primeira vez que o vira. Na época, ele era noivo de Sophia, uma mulher pouco culta, mas de muita presença de espírito. Ela tinha que admitir que Sophia era mesmo encantadora. Desde os seus traços delicados, até os seus modos atenciosos, era impossível nutrir a raiva que devia sentir por sua rival. Mesmo depois que Christian se casou, elas fortaleceram a amizade e se tornaram quase irmãs quando os gêmeos nasceram. Um parto complicado, de alto risco, que não teria sido superado se não fosse o apoio de Gabrielle. E todos eram muito gratos a ela por isso.

Gabrielle não tinha a intenção de roubar Christian da amiga. Não porque sua amizade fosse tão sincera, mas porque seu amor por ele era genuíno. Ela sabia que ele nunca se perdoaria se traísse a mãe dos filhos dele. Além disso, Sophia tinha uma saúde muito frágil. Quase morrera ao dar à luz, e não era difícil ver Christian se ausentar do trabalho para estar no hospital com a esposa. Gabrielle, então, aguardava pacientemente que o destino fizesse a sua parte e compensasse sua paciência, dando Christian a ela no momento certo.

Feliz por poder livrá-lo das mãos do sócio brasileiro, ela fora à tal festa na primeira classe de um Boeing, ao lado de seu amado, enquanto a mulher e os filhos dele se instalavam confortavelmente nas poltronas de trás. Logo, tudo estaria resolvido, e todos seguiriam tranquilamente suas vidas e seus negócios.

Mas a noite da festa não foi nada como tinha planejado. O capanga do homem que nem se dera ao trabalho de recebê-la pousara feito um urubu no braço da cadeira dela, assim que chegou, avisando que fariam uma pequena reunião com os sócios da WebPlus para encerrar o contrato, mas que o senhor Lontano gostaria de falar com ela em particular antes.

Para ela, tudo bem. Pensou que seria melhor mesmo falar a sós com ele, assim poderiam combinar uma forma mais aceitável de propor uma quebra de contrato, sem que isso parecesse fruto de chantagem dela, ainda mais por Christian estar tão determinado a não perder essa sociedade por nada.

Ela deu um tempo para respirar, tomar alguma coisa, e se levantou para subir, quando Mike deu uma puxadinha em seu vestido, pedindo que ela o levasse ao banheiro. Como poderia dizer não àqueles olhinhos verdes ainda mais bonitos do que os do pai? Logo ele a veria como sua madrasta, e queria ser lembrada como alguém que o acompanhara toda a vida, como uma verdadeira mãe.

Sophia fez menção de se levantar para levar o filho ao banheiro, mas Brian deixou cair suco em todo o acento. Gabrielle se adiantou a dizer que levaria o primeiro ao toalete, recebendo um grato olhar da amiga.

Depois de devolver o menino ao lugar dele, deixou novamente a mesa, sendo seguida pelos olhos atentos de Christian. Queria dizer que o salvaria daquela maldita sociedade, mas ele parecia outra pessoa quando se tratava de Miguel. Era melhor que o próprio sócio anunciasse sua liberdade.

Foi em direção às escadas, mas viu uma mulher olhando ao redor antes de subi-las primeiro. Aquilo era muito estranho, visto que a festa era toda no pavimento inferior. Miguel devia ter outros assuntos a tratar, pensou consigo. O canalha, provavelmente, devia explicações a muito mais gente.

Aguardou, então, ao pé da escada, sem saber o que fazer, mas depois decidiu subir. Talvez aquela moça fosse resolver outra coisa ali, e ele ainda a estivesse esperando.

Gabrielle não chegou a completar a escadaria quando ouviu a voz de Miguel, bem menos contida do que quando o ouvira falando com Christian.

Uma pena que uma moça tão linda como você tenha se metido no meu caminho dessa forma — foi o que o ouviu dizer.

Temendo o que estava por vir, Gabrielle desceu correndo as escadas, esbarrando no mesmo lacaio que a chamara ali. Ele também ouviu a voz alterada do patrão, arregalando os olhos em seguida.

— Acho que uma velha conhecida do senhor Miguel escolheu justo essa noite para resolver suas questões, senhorita. — O lacaio apressou-se para o andar de cima — Por favor, não se preocupe.

E então, ouviu-se um som agonizante de uma mulher que, certamente, estava sofrendo por palavras ditas a poucos metros dali. Ou, talvez, por coisa bem pior.

Gabrielle assentiu para o lacaio, assustada, e voltou para a festa como se nada tivesse acontecido. Fosse o que fosse, aquele certamente não era o melhor momento para se quebrar um contrato com ninguém, muito menos com um homem que não parecia gostar nada de ser contrariado.

Depois de algumas horas, ela foi embora, sem sua liberdade e com a certeza de que Miguel era muito mais perigoso do que ela poderia imaginar.

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*** Olá, leitores! Obrigada por estarem me acompanhando até aqui nessa aventura, espero que estejam gostando!

Miguel queria se vingar da sócia, mas acabou conhecendo Berenice, adiando, por hora, seus planos homicidas.

Nesse capítulo, conhecemos a famosa Gabrielle, e descobrimos que ela nutre uma paixão platônica pelo sócio americano e que, por isso, não desistirá tão fácil de se livrar da sociedade parasita com Miguel. Será que vai ser uma boa ideia ela retomar esse assunto?

NO PRÓXIMO CAPÍTULO...

Miguel e Berenice se casam, e só então Berenice vai se dar conta de que fora muito precipitada naquela decisão. 

O que os aguarda? Não percam!!! ***